Artigo atualizado segunda-feira, 14 de setembro, com novas declarações do primeiro-ministro a reiterar primeira declaração

A presença noticiada de António Costa e Fernando Medina na Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira, que se candidata a um sexto mandato como presidente do Benfica nas eleições do próximo mês (em princípio a 30 de outubro, ainda que sem confirmação oficial), tem merecido vários comentários ao longo deste sábado. João Paulo Batalha, presidente da Associação Transparência e Integridade, considerou tratar-se de um apoio “que não faz qualquer sentido”. “Já estou mais ou menos habituado à promiscuidade entre a política e o futebol mas estou perplexo, às vezes é difícil perceber o que se passa na cabeça destas pessoas”, referiu à Rádio Observador.

Mas questionado este fim de semana pelos jornalistas à saída do congresso federativo do PS, na Área Metropolitana de Lisboa, António Costa recusou fazer comentários sobre aquilo que diz ser “um assunto que não tem nada a ver com a vida política”.

Esta segunda-feira, à margem de uma visita a uma escola de Benavente, reiterou a mesma ideia, dizendo que uma coisa não tem “rigorosamente nada a ver” com a outra: “Mais uma razão acrescida para que não misture de forma alguma aquilo que são as minhas responsabilidades enquanto agente político com coisas que rigorosamente nada têm ou tiveram a ver com a minha vida política ou funções”, disse.

De António Costa e Fernando Medina a Cristina Ferreira e (em princípio) Jesus: quem está na Comissão de Honra de Vieira

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Mas foi sobretudo na política que as reações não demoraram a chegar, logo à cabeça pelo líder da oposição. Rui Rio abordou o tema depois da reunião do Conselho Consultivo do PSD, que se realizou em Coimbra. “Sempre achei mal a mistura entre a política e o futebol profissional. No passado combati isso e afastei-me. Hoje até há problemas de ordem judicial metidos nisso mas nem vou por aí. O futebol é acima de tudo emoção, mas a política não deve ser toldada por motivos de ordem emocional, deve ser racionalidade. Nada disto faz sentido. O ideal deve ser, quando estamos em cargos políticos no Governo, abster-nos”, referiu, numa posição secundada pelo deputado Duarte Marques nas redes sociais: “O líder do PSD, Rui Rio, não vai em futebóis. É uma questão de higiene”. De referir que Duarte Pacheco, também ele deputado do PSD, faz parte da Comissão de Honra que será em breve anunciada por Luís Filipe Vieira, o que já tinha acontecido no passado.

“Uma atitude mais do que insensata de Fernando Medina e António Costa. Luís Filipe Vieira está envolto em polémica e suspeição, a começar pela perda de 225,1 milhões que entre agosto de 2014 e dezembro de 2018, o seu grupo económico causou ao Novo Banco. Esta atitude em nada contribui para restabelecer a credibilidade e equidistância que se impõe a quem exerce cargos políticos”, escreveu na sua conta oficial do Twitter Inês Sousa Real, deputada do PAN – e por falar na rede social, o tema é o trending topic desde manhã.

Também Pedro Adão e Silva, sociólogo, professor universitário e antigo membro do Secretariado Nacional do PS (na altura de Ferro Rodrigues), reagiu nas redes sociais à notícia. “Há 15 dias, António Costa recomendava que os membros do Governo não se pronunciassem sobre as presidenciais. Hoje, ficou conhecido o seu apoio a Luís Filipe Vieira nas eleições do Benfica. Uma contradição, uma promiscuidade desnecessária e prova de que os políticos não aprendem”, considerou o apoiante de João Noronha Lopes, um dos outros candidatos confirmados à presidência dos encarnados no sufrágio eleitoral que irá decorrer no final do próximo mês.

“Não havia necessidade. Não havia necessidade mesmo. O desespero eleitoral ou judicial de Luís Filipe Vieira não justificavam o envolvimento do secretário-geral do meu partido e primeiro-ministro nas eleições de um clube de futebol. Isto entristece-me e não posso estar de acordo. Sou acérrimo defensor do estado de direito e da presunção da inocência, mas não podemos ignorar o envolvimento judicial de LFV bem com o envolvimento das suas empresas nas dívidas ao Novo Banco, que todos estamos a pagar. São razões bem ponderosas, para que António Costa não se tivesse envolvido na contenda interna do Benfica. Ao futebol o que é do futebol à política o que é da política”, defendeu também o socialista Renato Sampaio, num texto publicado no Facebook.

“Podem alegar que o seu envolvimento é puramente na qualidade de cidadão e sócio do Benfica, mas o facto de ser secretário-geral do PS e primeiro-ministro trazem-lhe responsabilidades acrescidas, que deveriam ser tomadas em conta, até porque podem vir a existir decisões que o governo tenha que tomar e que poderão ficar feridas de parcialidade, como aliás foi no passado o polémico caso das claques do Benfica… Quando assumimos responsabilidades políticas perdemos alguma liberdade pessoal e temos a obrigação de ser seletivos nas decisões individuais”, acrescentou, aludindo aos processos que envolvem o alegado apoio aos No Name Boys.

Já o advogado Fernando Seara, antigo deputado do PSD e ex-presidente da autarquia de Sintra — que também integra a comissão de honra da candidatura de Vieira — defende o primeiro-ministro afirmando que “a liberdade de expressão e de adesão não estão confinadas nem congeladas” nestes tempos.

Ao Expresso, Seara diz que é “essencial saber perceber a diferença”. “Fui mandatário de Luís Filipe Vieira há alguns anos. E nunca ignorei as relações que tinha com o Dr. António Costa. Sem que eu confundisse a relação comum com o Benfica com as opções que cada um assumia, e legitimamente, para além do Benfica”, respondeu ao semanário lamentando ainda que “a pandemia é perturbante” e que “de repente não é possível ter opinião, dar apoio ou integrar movimentos de apoio”.

“Mesmo que alguns aproveitem um sábado com sabor a trovoada para perturbarem apoios pessoais a uma candidatura à liderança do Benfica, como tenho memória, e não gosto de injustiças, aqui deixo estas palavras”, escreveu o advogado numa declaração enviada ao jornal.

PAN diz que “situações de ligação próxima da política ao futebol não são admissíveis do ponto de vista ético”

O PAN reagiu este sábado, através de um comunicado enviado às redações expressando preocupação com a hipótese de que “o amor ao clube se possa sobrepor ao compromisso para com o interesse público”. Citando os exemplos dos deputados do PS Cláudia Santos e Tiago Barbosa Ribeiro e dos autarcas Rui Moreira, Eduardo Vítor Rodrigues e Manuel Pizarro, o partido Pessoas-Animais-Natureza considera que as “situações de ligação próxima da política ao futebol não são admissíveis do ponto de vista ético”.

A salvaguarda da imagem externa do Parlamento, do Governo e dos órgãos autárquicos recomendava que este tipo de situações não sucedesse, uma vez que um dos principais problemas da sociedade portuguesa é precisamente o excesso de promiscuidade entre a política e o futebol e as ligações perigosas e pouco transparentes associadas a este mundo. De resto, essas ligações são mais do que óbvias quando a própria EUROPOL considera a corrupção no desporto como uma das 12 principais atividades criminosas organizadas na União Europeia”, escreve o partido no comunicado.

Segundo o PAN, o caso do apoio declarado de António Costa a Luís Filipe Vieira reveste-se de maior gravidade uma vez que há “um posicionamento a favor de alguém que está a braços com a justiça em casos de corrupção, fraude fiscal, lavagem de dinheiro ou de recebimento indevido de vantagem e que até aos prejuízos do Novo Banco e da Caixa Geral de Depósitos estará ligado”.

“Não haveria mal nenhum que Costa viesse a público defender a presunção de inocência de Luís Filipe Vieira, o problema é que com este gesto público de apoio inequívoco está a dar um certificado de honra, de credibilidade e de probidade a alguém que já deu várias provas de que não é merecedor de tal certificado”, considera o partido que recorda ainda a frase de António Costa, em 2016, quando recordou a João Soares que “nem à mesa do café” os membros do governo se deviam esquecer das funções que desempenham.

“Costa em nenhum momento pode colocar o adepto acima do titular de cargo político, e não pode ser incoerente ao ponto de, na mesma semana que publica a estratégia nacional de combate à corrupção, se colocar ao lado de um figurão do mundo do futebol envolvido em casos judiciais tão graves”, defende o PAN que recorda ainda a inciativa que deu entrada com o objetivo de determinar a incompatibilidade do mandato de deputado à Assembleia da República com o exercício de cargos em órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais.

BE diz que “não fica bem” a Costa fazer parte da comissão e que ao primeiro-ministro é pedido “dever de reserva”

A reação do Bloco de Esquerda surge à margem de um evento, com a líder Catarina Martins a considerar que “não fica bem” a António Costa achar “normal fazer parte de uma comissão de honra de alguém que é um dos maiores devedores do Novo Banco e que está implicado nos problemas do BES”.

“Julgo que as paixões do futebol e outras são todas humanas e aceitáveis, mas julgo que a um primeiro-ministro é pedido o dever de reserva quando estão em causa currículos como este”, disse a líder bloquista acrescentando que “nada pode ser como dantes”.

“Nada pode ser como dantes e a cumplicidade entre a política e negócios não pode ser aceite neste país. Temos de ser exigentes para podermos mudar é isso que este país nos exige e é esse o caminho do Bloco”, acrescentou ainda.

“Vejam a quantidade de políticos no Conselho Superior do FC Porto”

Do lado de Luís Filipe Vieira, Varandas Fernandes, vice do Benfica na lista do atual líder nos mandatos de 2012 e 2016, deixou uma mensagem em defesa do presidente dos encarnados por toda a polémica criada, dando como exemplo o recém eleito Conselho Superior do FC Porto e a presença de vários políticos no órgão consultivo.

“Em Portugal, lamentavelmente está instalada uma cultura de suspeição e de hipocrisia, marca dos nossos tempos. Cidadãos que ocupam cargos públicos são suspeitos, ora no campo da política, ou do desporto, ou até mesmo nas atividades de solidariedade social. Na grande maioria das vezes este episódios consubstanciam uma sociedade em que se sucedem debates estéreis e com intérpretes deprimidos”, começou por referir.

“Não é por serem políticos, António Costa e Fernando Medina, que estão impedidos de tomar posição na eleição do seu clube. Não deixam de ser cidadãos e neste caso benfiquistas. Devem ser livres de ter as suas opiniões e livres de apoiarem quem serve melhor os interesses do clube. São dois sócios, entre muitos milhares, do Sport Lisboa e Benfica, e nessa condição decidiram integrar a Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira. Fernando Medina tem dado provas de isenção para com todos os clubes da cidade. Apoiar não é favorecer. Como governante tem demonstrado equilíbrio e sentido de dever para com todos”, defendeu, antes de falar dos dragões.

“Há uma diferença entre o que aconteceu no Porto e o apoio de António Costa. António Costa não integra qualquer lista à Direção do clube. Observem a quantidade de políticos no Conselho Superior do FC Porto. Esta perseguição ao Benfica e ao seu presidente é lamentável e reprovável”, concluiu, falando de casos como Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto; Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia; Luís Montenegro, antigo líder da bancada parlamentar do PSD; Manuel Pizarro, vereador da Câmara do Porto e eurodeputado no Parlamento Europeu: ou Tiago Barbosa Ribeiro, deputado do PS.

Batalha coloca em causa o cumprimento (ou não) do Código de Conduta

À Rádio Observador, João Paulo Batalha, presidente da Associação Transparência e Integridade, tinha também criticado o apoio de António Costa e Fernando Medina à candidatura de Luís Filipe Vieira. “Uma Comissão de Honra é uma Comissão que vai buscar pessoas conhecidas exatamente em função do seu currículo, da sua notoriedade e dos cargos que ocupam. Por isso, tem sempre uma caução institucional e política associada. Se António Costa não fosse primeiro-ministro e se Fernando Medina não fosse presidente da Câmara de Lisboa, os convites para integrarem a Comissão de Honra nunca tinham sido feitos. Há uma dimensão institucional que é evidente e inultrapassável”, começou por referir o responsável pelo órgão.

[Ouça aqui a entrevista a João Paulo Batalha, líder da Associação Transparência e Integridade]

“Código de conduta que António Costa mandou fazer” contraria apoio a Vieira

“Estamos a falar de regras éticas em primeiro lugar mas que são regras que, no caso de António Costa, estão codificadas num Código de Conduta que mandou fazer, que aprovou no seu governo e que diz explicitamente que os membros do governo, onde se inclui o primeiro-ministro, não devem aceitar convites e envolver-se em questões que ponham em causa a sua imparcialidade no tratamento de pessoas ou instituições ou que podem dar benefícios diretos ou indiretos a pessoas e instituições. Portanto, isso aconselharia a que estes dois responsáveis políticos não se intrometessem publicamente na gestão interna de qualquer clube de futebol, muito menos o fizessem no âmbito de uma eleição que está a ser disputada por vários candidatos em apoio a um desses candidatos e, já agora, um candidato que está particularmente envolvido em várias investigações de corrupção e de outro tipo de crimes e que é publicamente identificado como o autor de um dos maiores buracos do Novo Banco, de centenas de milhões de euros, um banco que está a ser intervencionado com dinheiros públicos”, salientou João Paulo Batalha, prosseguindo: “Tudo isso é algo perfeitamente incompreensível e um retrato infeliz da rede de promiscuidade entre política e futebol e de relações perigosas”.

“A presunção de inocência é um princípio judicial, dos tribunais. Ou seja, significa que Luís Filipe Vieira nunca poderá ser condenado sem que o Ministério Público apresente provas dos crimes. Portanto, isso é uma questão que fica nos tribunais. Ao fazermos uma adesão a uma Comissão de Honra, estamos a dizer pela nossa honra e pela honra das instituições a que pertencemos, no caso governo e Câmara de Lisboa, que esta pessoa é boa e idónea para governar um clube. Ora, não é preciso esperarmos por desfechos judiciais para termos muitas dúvidas sobre a idoneidade de Luís Filipe Vieira como gestor e, sinceramente, como pessoa honesta. Tudo isso, mais as questões institucionais, e podíamos estar a falar do clube mais impoluto e do presidente mais impoluto, já seria exigível o mínimo de recato. Com tudo isto, ainda mais exigível é e tenho dificuldade em perceber a falta de bom-senso ou então o ascendente que Luís Filipe Vieira tem que os impede de recusar o convite”, frisou.

“Se isto tem consequências? Não, não tem consequências nenhumas porque temos visto constantes violações do Código de Conduta. Surge no âmbito da polémica do Galpgate que envolvia ligações ao futebol. Percebemos hoje que foi feito para apaziguar o clamor da opinião pública que se gerou nessa altura e não tem consequência prática porque é violado constantemente, nesta circunstância e em várias outras ao longo do tempo”, completou sobre as alegadas violações ao Código de Conduta aprovado em Conselho de Ministros em 2019: “O artigo 4, que diz que os membros do governo devem abster-se de qualquer ação que seja vista ou possa ser interpretada como beneficiando uma terceira pessoa, singular ou coletiva; há uma regra de conflito de interesses no artigo 6, quando se colocam numa posição que permita duvidar da sua imparcialidade; o artigo 10.º diz que não devem aceitar convites e benefícios que possam condicionar a imparcialidade e integridade no exercício de funções”.