Uma atualização publicada na sexta-feira na página do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) norte-americano afirmou que o novo coronavírus se podia transmitir a partir de partículas extremamente pequenas (aerossóis), incluindo as emitidas durante a respiração, não apenas as gotículas maiores libertadas com a tosse, espirros ou fala.
Mas dois dias depois essa informação já tinha sido eliminada. Agora, a página esclarece que “uma versão preliminar das alterações propostas a estas recomendações foi publicada por engano no site oficial da agência”. Jay Butler, sub-diretor do CDC, já tinha confirmado que “infelizmente, um rascunho de uma revisão foi publicado sem revisão técnica”.
Antes, o site dizia que “há evidências crescentes de que gotículas e partículas transportadas pelo ar podem permanecer suspensas e ser inspiradas por outras pessoas; e viajar distâncias maiores que 1,80 metros — por exemplo, durante a prática de canto em coro, em restaurantes ou em aulas de ginástica”. Por isso, o CDC aconselhava uma boa ventilação dos espaços e a utilização de “purificadores para ajudar a reduzir os germes transportados pelo ar em espaços internos”.
Agora, o site do CDC afirma apenas que o vírus se pode transmitir “entre pessoas em contacto muito próximo, dentro de mais ou menos 1,80 metros”, através de “gotículas respiratórias produzidas quando uma pessoa infetada tosse, espirra ou fala”, mesmo que não tenha sintomas da doença: “Essas gotículas podem cair na boca ou no nariz de pessoas que estão por perto ou podem ser inaladas para os pulmões”, explica.
O capítulo dos conselhos para evitar a propagação do vírus também voltou à versão anterior. Neste momento, os especialistas norte-americanos recomendam que se mantenha “um bom distanciamento social”, “lavar as mãos com água e sabão ou desinfetante com pelo menos 60% de álcool”, “limpar e desinfetar regularmente as superfícies usadas” e “tapar a boca e nariz com uma máscara quando se está perto de outras pessoas”. Ou seja, foi retirada a recomendação para usar purificadores do ar.
Mas desde há muitos meses que os cientistas desconfiam que o SARS-CoV-2 pode mesmo viajar em partículas mais pequenas, como as emitidas durante a respiração. Numa revisão literária assinada pela Academia Nacional de Ciências e publicada em abril na revista Science, o comité de investigação concluiu que “os resultados [dos estudos] são consistentes com a aerossolização do vírus pela respiração normal”.
Respirar pode ser suficiente para espalhar o novo coronavírus?
Um dos estudos citados pela Academia norte-americana sugere que o agente patogénico também pode ser encontrado em gotículas com menos de cinco micrómetros (ou 0,001 milímetros) e que podem ficar suspensas no ar durante três horas sem que o vírus perca a sua capacidade infecciosa.
No entanto, esta revisão literária baseia-se em estudos científicos que não são conclusivos, como os próprios autores admitem. Aliás, o aviso feito pela Academia Nacional de Ciências foi criticado pela Organização Mundial de Saúde. Segundo ela, apesar de essa forma de transmissão ser “possível em circunstâncias específicas”, uma análise a 75 mil casos na China não encontrou casos de transmissão por aerossolização do vírus.
Mas estas “circunstâncias específicas” podem já ter ocorrido na Coreia do Sul, onde uma aula de dança resultou num surto de 112 pessoas com Covid-19. As autoridades do país defenderam que as infeções ocorreram à conta do “fluxo de ar gerado por intenso exercício físico”.
Emily Gurley, epidemologista na Universidade Johns Hopkins afirma que “a melhor prova da existência da transmissão por aerossóis do SARS-CoV-2 vem do surto na academia na Coreia do Sul, onde havia muitas pessoas reunidas em ambientes fechados, respirando pesadamente, durante 50 minutos”.
“Não estou a negar que isso possa acontecer”, ressalva, “mas temos muitos estudos meticulosos que mostram que a maioria das infeções deve-se principalmente ao contacto próximo e prolongado com pacientes infecciosos“. Mas Lidia Morawska , diretora do Laboratório Internacional de Qualidade do Ar e Saúde da Universidade de Tecnologia de Queensland, Brisbane, na Austrália, diz que “o problema não é se a transmissão aérea é uma rota mais ou menos importante, a chave é onde”.
“Em locais bem ventilados, isso não é um problema, pois as gotículas carregadas de vírus são removidas com rapidez e eficiência. Porém, se a ventilação não for eficiente, como em muitos locais públicos comuns, essa pode ser a rota principal [para transmissão do vírus]”, nota. Ou seja, até mesmo os especialistas estão divididos sobre o tema.
Por cá, a Direção-Geral da Saúde (DGS) informa que “a transmissão por contacto próximo ocorre principalmente através de gotículas que contêm partículas virais que são libertadas pelo nariz ou boca de pessoas infetadas, quando tossem ou espirram, e que podem atingir diretamente a boca, nariz e olhos de quem estiver próximo”. Ou seja, a página continua a fazer referência a gotículas de maior dimensão, não de outras mais pequenas emitidas durante a respiração.