O porta-voz do comando provincial de Luanda da polícia afastou esta sexta-feira qualquer responsabilidade dos agentes na morte de um jovem durante a manifestação de quarta-feira passada na capital angolana, reiterando que a atuação policial foi “legal e legítima”, ao mesmo tempo que ativistas e a UNITA vão em sentido contrário.
“O jovem não morreu na manifestação e essas foram as declarações dos médicos sobre a morte do jovem, logo a morte do jovem não teve nada a ver com a polícia”, disse esta sexta-feira Nestor Goubel.
Segundo o representante, o jovem não foi morto a tiro durante a manifestação — como afirmam ativistas —, mas morreu na unidade hospitalar na sequência de uma intervenção cirúrgica.
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De acordo com aquele oficial, a polícia, na quarta-feira, agiu para “travar uma manifestação que não reuniu os pressupostos necessários para sua realização”, reforçando que a corporação “não se usou munições reais”.
Nestor Goubel garantiu que não será aberto um inquérito à atuação policial. A polícia agiu com o “uso de força proporcional” neste tipo de ocasiões e “atuou de forma legal, legítima e habitual nessas situações”, afirmou.
O jovem morto não era um ativista como chegou a circular nas redes sociais na quarta-feira, mas sim Inocêncio de Matos, Beto, como era conhecido, estudante de 26 anos do 3º ano do curso de Engenharia Informática na Universidade Agostinho Neto, natural do Uíge, segundo um comunicado dos organizadores da manifestação a que o Observador teve acesso. No dia do protesto, reprimido pela polícia, foi partilhado um vídeo em que se vê o jovem deitado no chão, com uma poça de sangue junto à cabeça.
Na quarta-feira, dia em que a polícia angolana frustrou uma tentativa de manifestação em Luanda que resultou em vários confrontos com jovens, relatos e vídeos postos a circular nas redes sociais apontavam para a existência de uma morte, que foi negada no mesmo dia à noite pelas autoridades.
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No entanto, no dia seguinte, o médico do Hospital Américo Boavida, onde foi atendido o jovem estudante universitário, de 26 anos, disse que ele morreu devido a ferimentos na cabeça provocados por um “objeto contundente” que poderá ter sido “um pau, um pedaço de metal, de ferro”, rejeitando a versão de ter sido atingido por disparo de arma de fogo.
O médico indicou ainda que o jovem foi estabilizado à chegada ao hospital e foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, mas acabaria por falecer devido a uma paragem cardiorrespiratória.
No entanto, ativistas contrariam esta versão, com é o caso de Dago Nível, que diz ter testemunhado a morte do jovem, que afirma ter sido atingido por uma bala.
Em declarações à Lusa, Francisco Mapanda, ou Dago Nível, como é mais conhecido, afirmou ter visto o jovem caído no chão, com “o crânio furado” e perda de sangue e massa encefálica.
Por seu turno, o médico angolano e deputado da UNITA (partido da oposição), Maurílio Luyele, disse que a polícia “manipulou o corpo clínico” do Hospital Américo Boavida sobre a morte de um ativista na manifestação de quarta-feira, em Luanda, o que classificou como “repugnante”.
“A polícia inicialmente negou a ocorrência de um morto, mas no dia seguinte acabou por reconhecer, mas o que é mais repugnante ainda é a forma como a polícia manipulou a informação, porque o jovem morto, faleceu na hora, ali na Avenida Brasil, morto a tiro”, afirmou Maurílio Luyele, em declarações à Lusa.
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A manifestação, promovida pelos mesmos organizadores que já tinham visto um protesto reprimido pela polícia no mês passado, pretendia reclamar melhores condições de vida e a realização das primeiras eleições autárquicas em 2021, depois de terem sido adiadas este ano devido à Covid-19.