Mais uma vez Winston Churchill. Recentemente, o Presidente da República vaticinou futuras dificuldades eleitorais para o primeiro-ministro depois da crise pandémica, já que até o antigo primeiro-ministro britânico “foi corrido” depois de ter ganho a guerra. Mas lá está, Marcelo também já chamou “otimista irritante” a António Costa que, por sua vez, prefere olhar para Churchill de outra perspetiva, aquela em que o britânico, em 1942, depois da primeira batalha ganha, em El Alamein, apontou o “fim do princípio” da II Guerra Mundial. É assim que António Costa espera estar, para a Covid-19, quando assumir a presidência do Conselho da União Europeia, no primeiro semestre do próximo ano.
Ao lado de Durão Barroso, antigo presidente da Comissão Europeia e atual presidente da Aliança Global para as Vacinas, o primeiro-ministro quis “corrigir os tempos verbais” da pandemia, à boleia do homem mais citado da história, Winston Churchill, recorrendo ao famoso “isto não é o fim. Nem sequer é o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo”. Também António Costa afirma que “a vacina não será ainda o fim desta pandemia, pode não ser sequer o princípio do seu fim, mas pode ser o fim do princípio da crise pandémica”.
Costa está a trabalhar “num quadro de confiança em que no primeiro semestre de 2021 o mundo disponha de uma nova vacina”, embora reconheça que seja “um desafio da maior importância e muito exigente, desde logo do ponto de vista logístico e da distribuição. Vai ser difícil, é incerto, mas podemos corrigir os tempos verbais”, assumiu numa conferência sobre a Presidência Portuguesa do Conselho de União Europeia, promovida pela Universidade Católica Portuguesa esta segunda-feira.
A partir de 1 de janeiro de 202 Portugal estará “na casa das máquinas” da União Europeia, como se refere o antigo presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, à Presidência que o país assumirá nesse dia. Quanto ao que levará para cima da mesa, quem fala é o primeiro-ministro em funções que começa logo por colocar nas mãos de Angela Merkel a resolução dos nós górdios do momento europeu e que espera não virem a chegar sem solução ao seu momento.
“Temos boas razões para termos confiança no trabalho na presidência alemã e na capacidade da chanceler Merkel para poder levar a bom porto as negociações finais”. A esperança portuguesa é que tanto o impasse relativo à condicionalidade do Estado de Direito no acesso ao mecanismo de Resiliência e Recuperação, como o fim da negociação do pós-Brexit estejam fechados quando Portugal ficar no olho do furacão europeu. E que o país possa ficar na frente da UE no momento em que chega a primeira resposta à crise do último ano.
E se assim não for? Portugal arranca a Presidência “com um momento dramático de bloqueio de fronteiras” entre a UE e o Reino Unido” e com um “impasse” não só no mecanismo criado para apoiar os estados membros na crise económica provocada pelos confinamentos da Covid-19, como também no novo quadro financeiro plurianual. Mas neste momento, nem Costa, nem Merkel, nem qualquer estado membro pode dizer que tem alguma das duas soluções na mão. O pós-Brexit está ainda por fechar e Hungria, Polónia e Eslovénia continuam a bloquear o acordo do Conselho Europeu sobre a exigência do cumprimento do Estado de Direito consagrado nos tratados para poder aceder ao pacote de Recuperação e Resiliência.
E aqui há um elemento perturbador para o primeiro-ministro português: as eleições na Holanda, o líder dos frugais e que levantou mais problemas à aprovação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. “Se não se ultrapassar o impasse [agora, com Hungria, Polónia e Eslovénia], o calendário das eleições holandesas será um forte condicionamento à sua aprovação. Será uma corrida contra o relógio para a sua aprovação”, confidenciou o primeiro-ministro depois de questionado por Barroso sobre esta matéria.
O aliado Biden e os bons ventos transatlânticos
A parte mais pacífica desses seis meses parece ter vindo do lado de lá do Atlântico, com a eleição de Joe Biden nos EUA e o fim, acredita António Costa, das costas voltadas em matérias ambientais: “Voltamos a ter um aliado determinante no combate pelas alterações climáticas”. Mas neste “momento muito especial” em que Costa espera que seja “auspicioso para o novo relacionamento transatlântico”, também cabem expetativas de poder estar na tal “casa das máquinas” europeia no momento de “um novo relacionamento em duas áreas mais difíceis que têm de ver com a segurança e a defesa [NATO] e na área comercial”, com os acordos de comércio sem a ameaça de Donald Trump.
Com a tomada de posse do novo presidente dos EUA marcada para 20 de janeiro, o Governo português espera agora poder ser apanhado aos comandos precisamente quando esta relação se reaproximar.
Além disso, Costa tem ainda planos para assinar no Porto, a 8 de maio, uma posição conjunta para o desenvolvimento do pilar social da UE. A 7 e 8, a cidade vai receber “o evento central da presidência, que é a cimeira social o Conselho informal sobre o pilar social”. E ainda quer marcar o arranque da discussão sobre o futuro da Europa, em “contrariar um novo modelo bipolar e promover um mundo multipolar”.
O primeiro-ministro considera que o esse “grande debate” sobre o que a Europa deve ser “levou à saída do Reino Unido” que viu na UE uma “plataforma económica de geração de valor” e não a parte da “partilha”. Aliás, Costa diz mesmo que essa preocupação já contaminou “até alguns fundadores do projeto europeu” e que hoje “há vários estados membros a defenderem as posições do Reino Unido”.
“A angústia e o medo são pasto para poder florescer o populismo. Se queremos combater a deriva populista temos de combater o problema de raiz: reforçar respostas às pessoas”, referiu ainda o primeiro-ministro na sua exposição sobre os problemas que se avizinham, nomeadamente o que a transição para o mundo digital pode dignificar em termos laborais.
A somar a todas as discussões, debates e impasses periclitantes, Portugal ainda enfrentará problemas de logística que — muito provavelmente — vão manter-se nos primeiros seis meses do ano. Grande parte dos encontros podem decorrer por videoconferência. “Podemos ter essencialmente reuniões por videoconferência intermitentes”, avisou já o primeiro-ministro sobre os tempos que se seguirão.