Lisboa, 08 dez 2020 (Lusa) – A colecionadora de arte Angela Gulbenkian, detida em Portugal em junho através de um mandado de detenção europeu emitido pelo Reino Unido, foi hoje extraditada para Londres, mas fontes ligadas à família alegam ilegalidade no procedimento executado em Portugal.
Segundo disse hoje à agência Lusa Duarte Gulbenkian, marido da ora extraditada, elementos portugueses da Interpol e dois polícias britânicos foram hoje de madrugada, entre as 03:00 e as 04:00, ao Estabelecimento Prisional de Tires buscar Angela Gulbenkian, que já embarcou (por via aérea) e chegou a Londres, onde corre contra si um processo por alegada burla no valor de milhares de euros.
No entender de Duarte Gulbenkian, a “situação não tem explicação e é incompreensível”, tanto mais que está agendado para quarta-feira no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de `habeas corpus´ (pedido de libertação imediata) movido pelo advogado de Angela, a reclamar que o prazo para a execução do mandado de detenção europeu (MDE) já tinha expirado em meados de novembro, devendo, por isso, a sua cliente ser imediatamente libertada.
Embora o `habeas corpus´ não tenha efeitos suspensivos, o STJ – diz outra fonte ligada à família – tinha conhecimento, desde 03 de dezembro, que o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que validou o MDE/extradição de Angela Gulbenkian, iria consumar-se hoje (08 de dezembro), tendo mesmo assim agendado a 04 de dezembro a apreciação do `habeas corupus´ para quarta-feira, ou seja, para o dia seguinte à data prevista para a extradição.
Independentemente da matéria de facto que consta do processo-crime no Reino Unido, a mesma fonte alega que “a prisão (de Angela Gulbenkian) é ilegal desde 16 de novembro” e mesmo que a lei portuguesa conceda ainda um prazo máximo de mais 10 dias para execução do MDE, tornando a sentença definitiva, todos os prazos suplementares caducaram a 21 de novembro último.
Assim, e nesta perspetiva, diz a fonte, foi feito um requerimento ao TRL a “dizer que o prazo (do MDE) tinha expirado”, tendo o TRL contraposto, em decisão proferida a 26 de novembro, que já se verificara o trânsito em julgado. Ora, alega a família da extraditada, que a decisão do TRL naquela data (26 de novembro) já foi proferida “fora de tempo”, ou seja, já depois de o prazo do MDE ter expirado.
“Foi uma decisão jurídica extemporânea (do TRL)”, alega a mesma fonte, que, em ato contínuo e a 30 de novembro, intentou um pedido de `habeas corpus´ no STJ, cuja audiência foi marcada para quarta-feira (09 de dezembro), quando, afinal, a extradição já ocorreu.
A defesa de Angela Gulbenkian – garante a fonte – irá, apesar de tudo, estar presente na quarta-feira na audiência marcada pelo STJ para apreciar o `habeas corpus´, embora a ora extraditada já esteja sob detenção junto das autoridades londrinas.
Questionado sobre qual a reação possível ao ocorrido, a família de Angela Gulbenkian tenciona mover uma ação contra o Estado português de “responsabilidade extracontratual por incumprimento da lei”, caso que irá correr nos tribunais administrativos portugueses.
Em 17 de junho passado, a Lusa noticiou que a corretora e colecionadora de arte Angela Gulbenkian tinha sido detida pela Polícia Judiciária no cumprimento de um MDE vindo do Reino Unido e que a visada se encontrava em prisão preventiva até ser eventualmente extraditada.
Na altura, a PJ mencionou que se tratava de uma mulher de 38 anos, “negociante em obras de arte, suspeita da prática do crime de burla no valor de milhares de euros”, residente na região de Lisboa.
Após ter sido detida, Angela Gulbenkian foi presente ao Tribunal da Relação de Lisboa e ficou a aguardar em prisão preventiva o processo MDE (procedimento mais expedito de extradição dentro da União Europeia) para o Reino Unido.
Em fevereiro, um tribunal britânico tinha emitido um mandado de detenção contra a corretora e colecionadora de arte, acusada de burla e de usar indevidamente o nome da Fundação Calouste Gulbenkian.
O mandado foi emitido pelo Tribunal da Coroa de Southwark para Angela Gulbenkian por esta ter faltado a uma audiência judicial.
A 26 de junho de 2019 já tinha sido emitido pelo Tribunal de Magistrados de Westminster um outro MDE contra esta cidadã alemã, casada com um sobrinho-bisneto do empresário arménio Calouste Gulbenkian, que está a responder na justiça por alegadamente ter desviado 1,2 milhões de euros que se destinavam a comprar uma escultura da autoria do artista japonês Yayoi Kusama.
Contudo, o advogado Christopher Marinello, que representa o francês Mathieu Ticolat – que pagou a escultura, mas terá ficado sem o dinheiro e sem a obra de arte -, sublinhou que a alemã conseguiu ‘fintar’ o mandado inicial ao convencer o tribunal de que estava a ser alvo de uma cirurgia na Alemanha.
Na origem das acusações de crime está a venda de uma escultura de Yayoi Kusama por 1,2 milhões de euros que nunca foi entregue ao comprador, um conselheiro de arte radicado em Hong Kong, Mathieu Ticolat, que processou Angela Gulbenkian civil e criminalmente.
Em maio de 2019, o advogado de Ticolat garantiu à agência Lusa que Angela Gulbenkian sempre utilizou o nome da Fundação Calouste Gulbenkian para se credibilizar durante o processo negocial para venda da escultura.
Em agosto de 2018, questionada também pela Lusa, a negociadora de arte negou a acusação: “Sou casada com um Gulbenkian. Nunca disse que fazia parte da Fundação. Nunca disse que queria pertencer à Fundação. Nunca disse que queria ou ia fazer parte do Museu. Se alguma vez tivesse dito isso, porque é que não foram ao ‘site’ da Fundação verificar as equipas? Toda a gente sabe que não estou lá. É do conhecimento geral que não faço parte da Fundação ou do Museu”.
Angela Gulbenkian viu uma das suas contas congeladas por decisão de um tribunal no Reino Unido.
O mandado de detenção europeu (MDE) é um procedimento judicial transfronteiriço simplificado de entrega, para efeitos da instauração de uma ação penal ou da execução de uma pena, ou de uma medida de segurança privativa da liberdade.
Os mandados emitidos pelas autoridades judiciais dos países da UE são válidos em todo o território da União e vigoram desde 01 e janeiro de 2004, visando substituir os morosos procedimentos de extradição existentes entre os países da UE.
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