A chegada da vacina contra a Covid-19 trouxe esperança a muitos profissionais de saúde que trabalham na linha da frente da pandemia. Mas a oferta não vai ainda chegar a todos na primeira fase de vacinação. O The New York Times dá conta de relatos, nos EUA, de colegas que se estão a “virar uns contra os outros”, alegadamente porque há quem esteja a passar a frente sem pertencer a um grupo prioritário, roubando lugar aos profissionais mais expostos.
O jornal entrevistou vários médicos e enfermeiros de hospitais nova-iorquinos, que, sob anonimato por temerem represálias, se mostraram insatisfeitos com a forma como a vacina está a ser distribuída nas suas instituições. “Sentimo-nos desrespeitados e desvalorizados devido à nossa prioridade de segundo nível para a vacinação”, escreveu um grupo de anestesistas do Hospital Mount Sinai aos administradores da instituição no fim de semana. Os trabalhadores alegam que qualquer profissional pôde ir para a fila da vacinação e receber a injeção depois de alegar que tem a cargo “procedimentos relacionados com Covid” (mesmo que isso não seja verdade).
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Estes profissionais, que cuidaram dos doentes mais graves, queixam-se de haver quem lhes esteja a passar à frente, sem justificação. “Chegámos a um ponto de ebulição quando testemunhámos vacinas a serem administradas, aparentemente ao acaso, a funcionários que não faziam parte do grupo originalmente definido”, refere a carta, que foi enviada anonimamente.
Os profissionais de saúde relatam ainda a existência de “rumores” que circulam nas redes sociais e em aplicações de troca de mensagens, como o Whatsapp. Num desses casos, um cirurgião plástico terá conseguido ser um dos primeiros a receber a vacina, que saiu do Hospital de Manhattan devido ao mau planeamento. Noutros grupos, médicos tentam encontrar formas de serem os primeiros a ser imunizados.
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Ainda que muitos destes rumores não sejam verdade, escreve o The New York Times, ilustram a desconfiança que sentem os profissionais. “Cada um por si”, afirma um médico.
A fase 1 do plano de vacinação no estado de Nova Iorque prevê que dois milhões de pessoas sejam vacinadas, entre profissionais de saúde e trabalhadores de lares. A segunda fase vai abranger outros trabalhadores de serviços essenciais, mas só deverá começar em janeiro. Só que o plano dá autonomia aos hospitais para que distribuam as vacinas. Se muitas já chegaram aos profissionais a que estavam destinadas, outros ainda estão à espera.
Quatro profissionais de saúde do Morgan Stanley Children’s Hospital expressaram ao The New York Times ressentimento com os colegas porque a administração do Hospital terá permitido que passassem à frente, mesmo não estando no grupo prioritário, sem que houvesse um controlo. Nalguns locais, médicos e enfermeiros que trabalham em unidades Covid não foram incluídos nesses grupos de vacinação. “O que acho triste é que as pessoas estão a começar a virar-se umas contra as outras“, disse um médico do hospital.
Ivy Vega, terapeuta ocupacional que tem tratado doentes com Covid-19 no Columbia University Irving Medical Center, também relata a “competitividade”, a “rivalidade”, o “ceticismo e a desconfiança” que está a marcar a vacinação. Uma grande diferença face à “camaradagem que nos ajudou a continuar durante a pandemia“.