Às 9h04, de dia 23 de dezembro, Samy Kramer descolou de Friedrichshafen, no sul da Alemanha, com a rota marcada em pormenor no GPS. Em quinze minutos atingiu a altitude máxima (1,8 quilómetros) e já tinha começado a desenhar o embolo. Numa hora e 42 minutos, o tempo total do voo, chegou a Ulm, na extremidade da agulha, e regressou a Friedrichshafen deixando como rasto no radar uma seringa, como aquelas que este domingo deram início à campanha de vacinação contra a Covid-19 na União Europeia.

“Ainda há muitas pessoas que se opõem à vacinação e a minha ação pode ser um lembrete para pensarem sobre o assunto, para porem as coisas a mexer”, disse o piloto de 20 anos à Reuters TV no domingo. Kramer, no entanto, diz que o voo — e rota divulgada pelo FlightRadar24 — não deve ser entendido como uma apelo à vacinação. “Talvez tenha sido também um sinal de alegria, porque a indústria da aviação foi duramente atingida pela pandemia.”

Em vários países da Europa, como em Portugal, as televisões e jornais encheram-se de pessoas de braços despedidos a serem injetadas com a vacina da Pfizer/BioNTech, a primeira a receber autorização de entrada no mercado pela Agência Europeia do Medicamento. Mas os grupos prioritários em cada país não são exatamente iguais e cada primeiro vacinado é protagonista da mensagem que governos e autoridades de saúde querem transmitir ao país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Vacinar primeiro quem está na linha da frente

Portugal

A primeira pessoa a ser vacinada em Portugal foi António Sarmento, diretor do serviço de infecciologia do Hospital São João, o primeiro hospital a enfrentar em força a pandemia de Covid-19 em Portugal. Depois dele, seguiram-se centenas de outros profissionais de saúde no Porto, Coimbra e Lisboa.

A ministra da Saúde, Marta Temido, disse que começar pelos profissionais de saúde foi “uma escolha pragmática num momento que é apenas o primeiro de uma fase” — até ao final de janeiro chegarão muitas vacinas para os restantes grupos incluídos na primeira fase da campanha de vacinação.

O testemunho dos primeiros portugueses a receber a vacina contra a covid-19

Itália

Cada frasco da Pfizer/BioNTech contém cinco doses da vacina contra a Covid-19 e foi assim que se sentaram os profissionais de saúde italianos: cinco, numa mesma sala, no hospital Spallanzani, em Roma. Claudia Alivernini, uma enfermeira italiana, foi a primeira a receber a vacina.

Malta

Rachel Grech esteve em direto no Facebook na manhã deste domingo. A enfermeira da Unidade de Doenças Infecciosas do Hospital Mater Dai foi a primeira pessoa em Malta a ser vacinada contra a Covid-19. “Espero que com esta experiência possa encorajar as pessoas a serem vacinadas”, disse a enfermeira.

Malta, como membro da União Europeia, teve acesso às mesmas condições de aquisição das vacinas que os restantes Estados-membros.

Posted by saħħa on Saturday, December 26, 2020

Polónia

Os postos de vacinação — cadeiras de braços ao lado de um carrinho com os materiais para a injeção — estavam montados naquilo que parecia ser o corredor do estabelecimento de saúde. As primeiras vacinas na Polónia foram dadas a profissionais de saúde tendo como banda sonora o som dos disparos das máquinas fotográficas. Trabalhadores de ação social, professores e idosos também serão incluídos na primeira fase da campanha de vacinação.

Os médicos confiam na Ciência

Eram 8 horas na Lituânia quando os hospitais de cinco cidades começaram a vacinar os médicos, em simultâneo, contra a Covid-19. Na Roménia, os primeiros a receber a vacina também foram os profissionais de saúde. O mesmo para a Estónia, onde Karmen Joller, membro da direção da Associação de Médicos de Família da Estónia lembrou que mesmo sabendo que as vacinas funcionam, “isso não quer dizer que possa estar na mesma sala com doentes infetados com coronavírus a tossir”.

Na Finlândia, por outro lado, a vacinação só começou da parte da tarde com três profissionais de saúde da unidade de cuidados intensivos do Hospital Universitário de Helsínquia a serem vacinados.

Dar prioridade na vacinação aos mais velhos

Espanha

Araceli Rosario Hidalgo, de 96 anos, é a residente mais velha do lar Los Olmos, em Guadalajara. Este domingo, foi a primeira pessoa a ser vacinada em Espanha contra a Covid-19, país que, tal como o Reino Unido, decidiu começar a vacinar pelos mais velhos. “Vamos ver se conseguimos livrar-nos deste vírus”, disse a idosa depois de receber a vacina. Logo de seguida, a funcionária do lar Mónica Tapas, de 48 anos, também foi vacinada. Esperaram 20 minutos na sala, receberam aplausos da audiência e deram lugar aos seguintes.

SPAIN-HEALTH-VIRUS-VACCINE

Mónica Tapias (à esquerda) e Araceli Rosario Hidalgo, as primeiras espanholas a serem vacinadas contra a Covid-19 — PEPE ZAMORA/POOL/AFP via Getty Images

França

Ao contrário de muitos outros países na Europa, França optou por não ter demasiado mediatismo à volta dos primeiros vacinados contra a Covid-19. Mauricette, de 78 anos, não entrou em direto nas casas dos telespectadores como aconteceu com outros idosos na Europa. O ceticismo acerca das vacinas entre os franceses vai da extrema esquerda à extrema direita e também atinge os moderados.

As autoridades francesas contam assim com os profissionais de saúde para convencerem as pessoas a serem vacinadas, uma vez que a vacina não será obrigatória. Jean-Jacques Monsuez, de 65 anos, foi a segunda pessoa a ser vacinada. O cardiologista de uma casa de repouso a nordeste de Paris disse: “Eles são vacinados. Nós somos vacinados. Estamos todos no mesmo barco e o barco não pode afundar”.

Suécia

O país cuja estratégia se focou sobretudo na imunidade de grupo também começou este domingo a campanha de vacinação contra a Covid-19 e espera ter todos os adultos vacinados até meados de 2021. Gun-Britt Johnsson, de 91 anos, a viver num lar de Mjölby (meio caminho entre Estocolmo e Gotemburgo), foi a primeira pessoa a ser vacinada. Depois disso, a idosa fez uma videochamada com o primeiro-ministro do país, Stefan Löfven. A prioridade da Suécia é vacinar os idosos em lares ou que dependem da ajuda de cuidadores, as pessoas que cuidam destes idosos e aqueles com quem partilham casa.

TOPSHOT-SWEDEN-HEALTH-PANDEMIC-VACCINE

Gun-BrittJohnsson foi a primeira pessoa a ser vacinada na Suécia — STEFANJERREVANG/TTNewsAgency/AFP via GettyImages

Dinamarca

A Dinamarca também escolheu vacinar primeiro os mais velhos e as pessoas com doenças crónicas, assim como os trabalhadores dos lares e outras pessoas que têm contacto com estes grupos de risco. Leif Heiselberg, de 79 anos, foi o primeiro a ser vacinado na residência para idosos onde vive. Bem disposto, disse ao médico que lhe administrou a vacina que era melhor que aquilo funcionasse ou voltaria para o assombrar.

Outros países que vacinaram primeiro nos lares

Branka Anicic, de 81 anos, na Croácia, e Theresia Hofer, de 84 anos, na Áustria, foram as primeiras a receber a vacina nos respetivos países. A Eslovénia também vai vacinar primeiro os idosos em lares que ainda não tenham estado infetados e começou pelo arcebispo de Maribor Franc Kramberger, Angelca Butenko e Jože Pelko. Svein Andersen, de 67 anos, na Noruega, disse que sentia como “Armstrong a pousar na Lua”. Antes de receber a vacina, falou com a primeira-ministra Erna Solberg por videochamada.

Da er vaksineringen i gang. Svein Andersen fikk den første vaksinen, satt av sykepleier Maria Golding. Nå rulles…

Posted by Erna Solberg on Sunday, December 27, 2020

Quando os líderes se vacinam para dar o exemplo

República Checa

No mesmo espaço, do hospital militar de Praga, sentaram-se lado a lado o primeiro-ministro Andrej Babis e Emilie Repikova, uma veterana da II Guerra Mundial de 95 anos. Foram os primeiros vacinados no país, com direito a transmissão em direto, como ocorreu em tantos outros países.

Bulgária

Máscara na cara, mãos desinfetadas e cinco vacinas no tabuleiro. O profissional de saúde búlgaro estava pronto para administrar a primeira vacina contra a Covid-19. Uns segundos de pausa para mais umas fotografias, enquanto o ministro da Saúde Kostadin Angelov se tornava a primeira pessoa a ser vacinada na Bulgária, no hospital de St Anna, em Sófia. “Mal posso esperar para ver meu pai de 70 anos sem preocupações”, disse o ministro. Depois dele, foi a vez do bispo da igreja Ortodoxa búlgara Tikhon a expor o braço esquerdo à seringa com a vacina da Pfizer/BioNTech.

Enquanto isso, na Academia Médica Militar, também em Sófia, era vacinado o general Ventsislav Mutafchiyski, diretor da academia e coordenador do centro de resposta contra a Covid-19 da Bulgária. “Estamos em guerra e estas são as nossas armas, nestes pequenos frascos.” Em Sófia, como noutras localizações, houve vários profissionais de saúde com cargos de chefia a serem vacinados este domingo.

Grécia

A Grécia fez um três em um no que diz respeito ao simbolismo da primeira (ou, melhor, primeiras) vacina contra a Covid-19: Eustathia Kampisiouli, uma enfermeira dos cuidados intensivos; Michael Giovanidis, um homem de 88 anos residente num lar; e, a Presidente grega Aikaterini Katerina Sakellaropoulou e o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis. A Presidente disse que o melhor presente de Natal este ano tinha sido oferecido pela Ciência. Yanis Varoufakis, antigo ministro das Finanças de Alexis Tsipras, também foi vacinado.

Chipre

Anastasios Tsiftsis, diretor de uma residência para idosos em Limasol, foi o primeiro a ser vacinado contra a Covid-19 no Chipre. Ainda este domingo foram vacinados Christina Yiannaki, secretária permanente do ministro da Saúde, e Christis Loizide, diretor-executivo da Organização Estatal dos Serviços de Saúde também foram vacinados este domingo. O Presidente cipriota Nicos Anastasiades vai ser vacinado esta segunda-feira de manhã, em direto na televisão, numa tentativa de diminuir os receios da população em relação à segurança deste medicamento.

Hungria, Alemanha e Eslováquia não esperaram para começar a vacinar contra a Covid-19

A campanha de vacinação na União Europeia começou, de forma geral, este domingo, apesar de Hungria, Alemanha e Eslováquia terem antecipado o início da vacinação para sábado. A Hungria começou pelos profissionais de saúde, a Alemanha por Edith Kwoizalla de 101 anos e residente num lar e a Eslováquia pelo especialista em doenças infecciosas Vladimír Krcméry.

Os restantes países da União Europeia não começaram a vacinação este domingo. Bélgica, Luxemburgo e Letónia começam a vacinar a população na segunda-feira, 28 de dezembro, com a Bélgica a apostar nos lares e o Luxemburgo e Letónia nos profissionais de saúde. A Irlanda também vai começar pelos residentes e trabalhadores dos lares, mas na terça-feira. A Holanda começará ainda mais tarde, a 8 de janeiro.

Atualizado às 22h40