O PSD apresentou uma proposta de alteração ao Estatuto de Deputados que, a ser aprovada, vai permitir contornar o problema de André Ventura e outros casos de parlamentares que venham a requerer a suspensão de mandato. Não se trata, salvaguardam os sociais-democratas, de uma alteração à lei ad hominem e exclusivamente pensada para o caso do deputado e líder do Chega, mas antes uma forma de começar a combater uma “visão funcionalista” sobre o papel de deputado.
O projeto-lei deverá dar entrada no Parlamento ainda esta quarta-feira. Ao Observador, André Coelho Lima, deputado e vice-presidente do PSD, explica que o objetivo é melhorar uma lei, a do Estatuto dos Deputados, que é “anacrónica e desajustada” e que “afunila” o acesso à política.
O nosso objetivo tem de ser atrair os melhores e não afastar os melhores. O atual Estatuto dos Deputados afasta quem não se queria sujeitar a uma visão proletária deputado”, defende.
Se é certo que as alterações propostas pelo PSD permitiriam a André Ventura suspender o mandato para ser candidato à Presidência da República, também permitiriam a um outro parlamentar que decidisse tirar dois meses para se especializar numa determinada área (e depois voltar) ou para cuidar de uma familiar gravemente doente.
Os sociais-democratas não escondem que esta proposta de alteração nasce à boleia do caso Ventura. Na terça-feira, o Parlamento chumbou o pedido do deputado do Chega, que pretendia suspender o mandato para se candidato à Presidência da República e ser substituído por Diogo Pacheco Amorim, número dois do partido pelo círculo eleitoral de Lisboa e grande ideólogo do partido.
A decisão dos deputados que votaram contra o pedido de Ventura baseou-se, fundamentalmente, na leitura, sem mais, do Estatuto dos Deputados, que diz, no seu artigo 5.º, que a figura da suspensão temporária do mandato de deputado só está prevista em três casos: “Doença grave que envolva impedimento do exercício das funções por período não inferior a 30 dias nem superior a 180”; “exercício da licença por maternidade ou paternidade”; “necessidade de garantir seguimento de processo [judicial ou similar] nos termos do n.º 3 do artigo 11.º”. Nenhum dos três se aplica, naturalmente, a Ventura.
É precisamente este artigo que os sociais-democratas querem alterar. Primeiro, acrescentando uma alínea que diz que os deputados podem pedir a suspensão de mandato por “motivos ponderosos de natureza pessoal ou profissional“. Ora, esta alteração permitiria a Ventura (mas a outros deputados que venham a pedir uma suspensão de mandato) ter uma maior latitude de opções.
Para evitar eventuais recursos abusivos deste expediente, o PSD entende que a suspensão de mandato só pode ocorrer uma vez por sessão legislativa (por ano) e terá um limite máximo de 6 meses por legislatura (período correspondente a quatro anos).
Os sociais-democratas querem ainda alterar o atual limite temporal que serve de referência em casos de doença. A atual lei diz que a suspensão de mandato é aceite sempre que esteja em causa “doença grave que envolva impedimento do exercício das funções por período não inferior a 30 dias nem superior a 180”, um limite máximo que, no entender do PSD, é completamente arbitrário e pode motivar situações de absoluta injustiça.
Na exposição de motivos que enquadra o projeto-lei, o PSD reconhece que a alteração ao diploma surge na sequência da polémica que envolveu André Ventura. Ainda assim, os sociais-democratas querem partir desse caso para fazer uma alteração mais profunda (ainda que minimalista) pela “defesa da dignidade” do papel de dignidade e uma “visão meramente funcionalista do parlamentar”, que “empurra para dependência da vida partidária. “Essa visão não enobrece a função de deputado. Deve-se desproletarizar a função de deputado“, argumentam.
Depois de fazer chegar o projeto-lei ao Parlamento, o PSD vai pedir para que o diploma seja apreciado com carácter urgência na próxima conferência de líderes (6 de janeiro). Para ser apreciado com urgência precisa de unanimidade, o que poderá dar pistas sobre o sentido de voto de cada partido.
Em 2016, por exemplo, o Bloco de Esquerda, que sempre criticou as alterações introduzidas, em 2009, ao Estatuto de Deputados que hoje vigora, propôs algo muito semelhante: que a suspensão do mandato fosse autorizada quando estivessem em causa “razões importantes relacionadas com a vida e interesses do deputado” e até para “o exercício de funções específicas no respetivo partido”.
Resta saber o que o Bloco e restantes partidos farão quando forem chamados a votar o diploma do PSD. André Ventura, esse, já avançou para o Supremo Tribunal Administrativo e para o Tribunal Constitucional.
Ventura recorre ao Supremo Tribunal Administrativo para tentar suspender mandato