Equipa de campanha, pouca — e se a campanha avançar país fora, o staff deverá ser curto o suficiente para caber num carro. Ações de campanha, para já, apenas uma e simbólica: um cartaz inaugurado no Campo Pequeno para se mostrar como a única alternativa a quem não quer nem o socialismo, nem o “sistema” (Marcelo Rebelo de Sousa), nem “extremismos” (leia-se: André Ventura e extrema-esquerda, à qual associa PCP e BE).
O arranque oficial da campanha presidencial de Tiago Mayan Gonçalves, candidato apoiado pela Iniciativa Liberal — partido de que é um dos fundadores — fez-se na rua, mas arruadas nem vê-las. A Covid-19 não permite e a evolução da pandemia vai reduzindo um programa já em si limitado. O começo fez-se sem apoiantes, com pouca gente e com um convidado especial: João Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal.
Num encontro “simbólico”, que pretendia vincar o apoio e “a confiança” da Iniciativa Liberal no seu candidato, Tiago Mayan Gonçalves elegeu os seus adversários: todos. No centro-esquerda, vê um socialismo que é preciso combater. Na “extrema-esquerda” (Marisa Matias, João Ferreira) e na “extrema-direita” (André Ventura), vê propostas iliberais, que atentam contra as liberdades individuais. E no centro-direita, vê Marcelo Rebelo de Sousa como face de um longo e velho sistema que é preciso mudar. “Esta é a única proposta do espaço não socialista que é liberal, moderada e humanista”, começaria por dizer. A candidatura é para “quem não se revê no espaço socialista” e no “rumo dos últimos 40 anos”, mas “sem extremismos”, diria depois.
Munido de um cachecol para resistir ao frio — e proteger a voz, por mais que palanques e discursos galvanizadores não estejam na agenda —, vestindo um sobretudo preto, Tiago Mayan Gonçalves começou por descartar que a pouca notoriedade com que começou a campanha seja relevante: “É um ponto irrelevante. O importante agora é estar convosco e transmitir as minhas ideias”. E insiste que não pretende fazer nada que o “cidadão comum” não possa: “Só quero fazer o que for permitido ao cidadão. Não quero fazer o que não é permitido ao cidadão comum. Tenho de reinventar a campanha, não vai poder haver arruadas, jantares e grandes comícios. Tenho muito claro que não vou dar um sinal de irresponsabilidade perante os portugueses”.
Se Mayan fala do “cidadão comum” que será obrigado a ficar confinado em casa ou se fala do “cidadão comum” que continuará a sair à rua para trabalhar de manhã e de tarde, mesmo com o país confinado — e serão muitos —, está ainda por clarificar. E só o programa de campanha nos próximos dias o esclarecerá. O que ficou já claro é que Tiago Mayan Gonçalves não pretende passar muito tempo a discutir opções de campanha dos concorrentes, mais ativos na rua e em alguns casos promovendo “aglomerados” maiores de pessoas. “Não critico, atuo. Não vou ter aglomerados”, garantiu.
Confiante e à procura de eleitores “como o senhor João”
Ação de campanha talvez seja excessivo para este primeiro momento de “caça ao voto” de Tiago Mayan Gonçalves. O que aconteceu no Campo Pequeno, em frente a um novo cartaz no qual se lê “se votas igual não esperes diferente”, foi um conjunto de declarações aos jornalistas: primeiro de Tiago Mayan Gonçalves, depois, mais breves, do líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo. É a campanha “a reinventar-se”, diz-se internamente.
Tiago, um advogado do Porto de 43 anos que passou a primeira fase da campanha — a dos debates — a defender que a solução para o regime é fomentar a liberdade (social e económica) das pessoas, sente-se confiante que os eleitores começam a conhecê-lo e a reconhecê-lo. Foi já depois de ter respondido a perguntas, no momento de posar para as fotografias, que quis aliás “contar uma história” sobre um deles a uma jornalista que lhe perguntou se é abordado todos os dias.
Assumindo “depender muito da Uber Eats” nesta era em que o período passado dentro de casa é maior e “o trabalho é intenso”, Tiago Mayan Gonçalves relatou um episódio recente com um estafeta de comida a uma jornalista que lhe perguntou se era abordado todos os dias. O responsável pela entrega, “um senhor chamado João”, deixou-lhe a refeição e foi-se embora. Passados “dois minutos”, a campainha voltou a tocar. Quem estava do lado de lá da porta era novamente “o senhor João”, que lhe disse: “Você é o Tiago, aquele Tiago, não é? Olhe, eu vi-o ontem — tinha sido no dia a seguir ao debate com André Ventura — e revi-me totalmente. Vou votar em si. E agradeço-lhe ter representado o que estava à espera de ouvir“.
Tiago Mayan Gonçalves: “Marcelo apresenta-se como o D. Sebastião, mas andou desaparecido cinco anos”
Tiago Mayan Gonçalves não o disse, mas fonte da campanha deu mais um detalhe sobre este episódio: o referido senhor João é de etnia cigana, uma minoria étnica que tem sido alvo preferencial de André Ventura, o candidato apoiado pelo Chega (que Ventura lidera).
O dado não seria muito relevante não fosse a demarcação que o candidato da Iniciativa Liberal e o próprio partido — que ao contrário de PSD e CDS, não assinou nenhum acordo de cooperação com o Chega nos Açores — têm feito face à “extrema-direita” e a André Ventura. No debate que opôs um ao outro, aliás, Tiago Mayan Gonçalves arrancou a criticar o discurso do Chega sobre minorias e sobre emigrantes, dizendo até que os últimos fazem os trabalhos que os portugueses não querem — como “entregar comida”.
Tiago Mayan Gonçalves anda à procura de mais “senhores João”. E garante que o contacto que tem tido com as pessoas na rua e pelas redes sociais lhe tem dado esperança: “A fasquia [de resultado] que coloco é a que tenho observado nas ruas, nos poucos contactos que tenho tido. Ainda agora, quando estávamos aqui à espera, passou mais uma pessoa a dizer-me que tenho o seu voto. Sinto isso [reconhecimento] nas ruas e nas redes [sociais]. Isto passa-se todos os dias”.
O que é que pode convencer ainda mais pessoas, “independentemente de qualquer sondagem”? Para Mayan, as ideias, uma “visão totalmente distinta da extrema-direita e da extrema-esquerda”, uma “proposta liberal única”, um outro rumo de desenvolvimento socio-económico sem ruturas iliberais. Uma proposta de direita? Palavra ao candidato: “Isto confunde muita gente. Confunde gente da extrema-esquerda, confunde gente da extrema-direita. A proposta liberal é de facto única, mas é liberal. Se é de esquerda ou de direita, depende em grande parte de quem está a olhar e a comentar”. Ou como dizia há dias no debate com André Ventura, se este o coloca no polo ideológico do BE, a esquerda radical vê-o como fascista e perigoso neoliberal.
Estado de emergência e confinamento. E agora que tudo mudou?
É um tema que vai inevitavelmente marcar a campanha e que marcou este primeiro dia: a saúde. A Iniciativa Liberal tem-se mostrado contra a declaração de estado de emergência pelo Presidente da República, tem criticado o Governo pela adoção de medidas que considera que nunca são explicadas — e que vê como sustentadas por informação falível e diminuta — e ainda nos debates das presidenciais Tiago Mayan Gonçalves vincou que o “país não aguenta um novo confinamento geral”.
Mas um novo confinamento vem aí e é possível que os especialistas concluam que o período de Natal, onde houve um alívio das medidas de restrição impostas aos portugueses, poderá ter escalado o número de contágios com o novo coronavírus. O que entraria em contraciclo com a tese que defende que o sentido de responsabilidade dos portugueses é sempre exemplar e permite abrandar o número de infeções. E se nem sempre a liberdade for a solução? A IL dá o braço a torcer? “Nim”.
Comecemos pela ligeira revisão de posição, com muitas críticas ao Governo à mistura. João Cotrim de Figueiredo, líder da Iniciativa Liberal, lembra que as últimas reuniões de Costa com os partidos foram marcada de urgência e para uma sexta-feira e um sábado — e isso significa algo: “Mostra que os resultados numéricos de que temos tomado conhecimento são surpresa para todos. Quando temos surpresas num caso destes, significa que ninguém sabia muito bem do que estava à espera. Entrámos numa zona de descontrolo”. Aqui chegados, “com o sistema hospitalar praticamente a rebentar pelas costuras”, é “óbvio que qualquer pessoa de bom senso tem de olhar para os dados de uma forma diferente daquela que a IL tem olhado até aqui“, nota o líder do partido que apoia Tiago Mayan Gonçalves.
[A reportagem do início de campanha em áudio, para ouvir aqui:]
Tiago Mayan Gonçalves à conquista de votos como o do estafeta João
Tiago Mayan Gonçalves, candidato presidencial, também olha para os números de evolução da pandemia e reconhece que talvez seja preciso fazer mais. Há um problema que é novo e mais agudo. Mas se as soluções previamente defendidas por liberais podem já não chegar, também não quer mais soluções do Governo que não o resolvam. “Não fui só eu a defender que o país não aguenta um novo confinamento, foi o primeiro-ministro também, foi o Presidente da República. É uma realidade. As famílias, os jovens, os micro e pequenos empresários não aguentam um novo confinamento geral nos termos que tivemos em Portugal, que é deixar que as faturas sejam pagas por estas pessoas”, vincou ao Observador.
Se me apresentarem um cenário de guerra em que portugueses vão estar a morrer à porta dos hospitais, de Covid e doenças ‘não Covid’… é evidente que estamos numa situação muito mais difícil, que implica medidas muito mais robustas. Se o cenário é de guerra, se o Governo nos forçou a estarmos entre a espada e a parede — entre a destruição económica e social e ter portugueses a morrer à porta dos hospitais —, claro que a opção vai ter de ser pela vida. Mas vamos ter de ver como a fazer. Temos de perceber que a pobreza também mata“, notou ainda.
Para já, “o cenário que fomos ouvindo é negro”, assume Mayan Gonçalves. “Preocupa-me muito”. Da reunião do Infarmed de esta terça-feira, espera três coisas: “Perceber porque chegámos a este ponto, que medidas vão ser aplicadas e porquê e perceber as medidas de apoio direto e imediato que o Governo vai ter de dar às atividades que mandar fechar e aos portugueses que quer confinar. É preciso perceber o que vai ser feito de diferente e é preciso perceber a eficácia de cada medida”.
Nem a esquerda nem a direita são liberais, diz Cotrim. Só mesmo a IL
Foi o líder da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, que ficou encarregue de conotar com o “sistema” Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República e candidato presidencial que aparece nas sondagens como provável vencedor à primeira volta. Sem o nomear, a associação ficou clara quando vincou que a candidatura apoiada pela IL é “a única alternativa àqueles que não vão votar no espaço socialista e que não querem votar nem num símbolo do sistema nem num extremista-populista”.
O país “começa a conhecer” o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, considera o líder do partido. Mas não só, também “a perceber a coragem que este homem teve em avançar e em fazer mais uma das batalhas de defesa do ideal liberal em Portugal”.
Cotrim de Figueiredo puxou aliás dos galões do ideário liberal para dizer que nem esquerda nem direita prezam verdadeiramente a liberdade — a esquerda quiçá por defender a intervenção do Estado na economia e a importância dos impostos para a redistribuição, a direita porventura por ser mais tradicionalista nos costumes. E defendeu que a candidatura de Tiago Mayan Gonçalves já teve o mérito de fazer “com que muita gente tenha percebido pela primeira vez a diferença entre uma direita que não é liberal, uma esquerda que não é liberal e o projeto liberal, a diferença que há entre alguém que quer para Portugal real igualdade de oportunidades e outros que acham que se pode mover num sistema de castas ou de classes”.
Com o CDS, outrora “o partido dos contribuintes”, a apoiar o “laranjinha” Marcelo Rebelo de Sousa — que por sua vez vai piscando o olho a Costa e à esquerda pela “estabilidade do regime” —, sobra campo aberto para a Iniciativa Liberal falar aos que não querem André Ventura mas querem menos impostos e menos Estado na economia. E Cotrim de Figueiredo aproveitou, embalado nas críticas ao que vê como preconceito da esquerda contra o setor privado:
A ministra da Saúde disse hoje que se não chegar a acordo vai finalmente contemplar a requisição civil de meios privados e sociais de saúde para tratar de doentes não Covid. Estamos a 11 de janeiro. Este problema coloca-se desde abril. Desde abril que há pessoas que não conseguem resolver os seus problemas de saúde não Covid por falta de disponibilidade no SNS. Só agora — dez meses depois — é que a ministra acorda. Quando se fala de responsabilidade política por sofrimento e mortes, é disto que estamos a falar”, vincou Cotrim de Figueiredo.