Enquanto António Costa falava ao país, numa declaração após Conselho de Ministros em que anunciou o fecho de escolas durante 15 dias, Tiago Mayan Gonçalves ouvia o primeiro-ministro sentado na cadeira que já conhece bem.
Instalado no segundo piso de um restaurante da zona da Foz, no Porto — restaurante que tem servido como sede de trabalho e onde Tiago Mayan faz todas as conversas por Zoom da campanha —, o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal ouvia de phones, com atenção. Não tirava grandes notas: só uns minutos antes de falar aos jornalistas sairia da sala principal onde os jornalistas trabalhavam, para estruturar ideias. Mas ocasionalmente, com os auriculares ainda nos ouvidos, escrevia no telemóvel, trocava mensagens provavelmente relativas ao teor da intervenção do primeiro-ministro.
Quando o relógio apontava as 16h, o candidato presidencial que passara este dia de campanha — quinta-feira — só com conversas online por Zoom falava sobre o que ouvira do primeiro-ministro. E deixava clara mais uma vez a oposição à gestão do Governo: “O país não pode ser gerido em ciclos de 15 dias”.
O Conselho de Ministros aprovara o encerramento das escolas por 15 dias, mas na mira de Tiago Mayan Gonçalves continua a estar outro CM — Costa & Marcelo. Primeiro, as críticas ao Presidente-candidato, que sinalizou a probabilidade do fecho de escolas “à saída de um liceu onde foi fazer campanha”. Depois, uma crítica conjunta a uma dupla de políticos que Mayan já descreveu como uma espécie de siameses, “não se sabe onde começa um e acaba outro”.
Para acertar em dois coelhos com uma cajadada só, Mayan dizia que iria enumerar um conjunto de questões que qualquer Presidente da República deveria colocar: “Se o Presidente da República não as coloca, coloco-as eu”. As questões, retóricas, eram estas: “Porque é que os recursos informáticos para as famílias ainda não foram disponibilizados? Porque é que temos concursos permanentemente vazios no SNS? Porque é que as medidas de apoio à economia anunciadas estão a ter enorme dificuldade em chegar ao Governo? Porque é que isto acontece?”.
Notando que esta é mais uma decisão “unilateral” que “pode ser legítima”, o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal acrescentava que quando o Governo toma estas decisões “tem de assumir a responsabilidade”. E lembrava o período de suspensão das aulas para desferir outro ataque ao Governo:
O país não pode ser gerido em ciclos de 15 dias. Este é um Governo que não sabe planear o futuro. Isto não é governar. O Presidente da República tem de ter uma palavra quanto a isto”.
Para Tiago Mayan, “independentemente do Governo pensar e ter esperança que daqui a 15 dias as escolas possam retomar atividade, tem de estar já a planear o futuro, com planos de contingência. Sabemos que 15 dias fatalmente se podem transformar num mês ou em dois meses. Independentemente da esperança de retomar atividades, o Governo tem de estar já a planear a possibilidade de não acontecer”.
Questionado sobre se concordava com o encerramento de escolas, Tiago Mayan dizia que isso “depende da análise científica e epdemiológica”. Mas acrescentava: “Concordo que estamos num ponto onde nunca julgaríamos estar. Já ouvi várias versões, até da boca do próprio primeiro-ministro, de que não há um problema de contágio nas escolas mas sentem a necessidade de fechamento para passar outro tipo de mensagem”.
De qualquer forma, apontou, “se essas são as medidas consideradas necessárias temos de começar a planear as contingências, associar as medidas a uma resposta”, nomeadamente para os pais que terão de ficar em casa a cuidar dos filhos. Para Mayan, “estamos num quadro de exceção” e “dizer às pessoas que têm de ter uma quebra de rendimento para assegurar que crianças não estão abandonadas” não é uma boa solução.
O candidato lembrava ainda que haverá pais de setores como a saúde, distribuição alimentar e indústria que não podem exercer a sua atividade em teletrabalho, apesar do confinamento geral. E perguntava: “O que acontece a estas atividades? Alguma resposta tem de ser dada neste contexto”.
Confinamento em março “não teve muito sentido, foi achismo”. E falta “o cheque”
O dia foi passado entre Zooms, com uma entrevista dada à Rádio Universitária do Minho nessa plataforma — que tem substituído as tradicionais caravanas de campanha — e com cinco conversas, com porta-vozes da PCI – Creative Science Park, Porto de Aveiro, Associação Comercial de Braga, Associação Vimaranense de Hotelaria e dirigentes e membros da Iniciativa Liberal na Madeira e nos Açores, incluindo o deputado da IL eleito para o Parlamento açoriano que ajudou a viabilizar um Governo à direita na região, Nuno Barata.
A campanha vai-se fazendo assim, às vezes com falha de internet mas com auriculares bem calibrados e a defesa do setor privado bem estudada. No dia anterior, só uma ida ao núcleo da Foz do Douro da associação voluntária Refood, núcleo que Tiago Mayan Gonçalves ajudou a fundar, destoara das iniciativas online. E aí os jornalistas, que não puderam entrar por motivos de segurança sanitária, ouviam que Tiago Mayan é um “faz tudo” na organização, fazendo “biscates” de manutenção do equipamento (por exemplo, “ver questões com os frigoríficos”) e ajudando na distribuição alimentar a carenciados.
Esta quinta-feira, Tiago Mayan Gonçalves virou as agulhas da solidariedade e setor social para o setor empresarial do qual depende a economia do país. E numa das conversas, com a Associação Vimaranense de Hotelaria, ouvia queixas do encerramento dos setores da hotelaria e restauração pelo Governo, mesmo “não havendo dados epidemiológicos” concretos associando surtos de contágio “aos estabelecimentos de restauração e hotelaria”. Ouvia mais relatos de insuficiência nos apoios concedidos pelo Estado. Ouvia, ouvia, falava também. O candidato não perdia a oportunidade de criticar as medidas do Governo na resposta à pandemia: “Tudo o que podia ser feito desde março… se entrássemos por aí, meu Deus”.
Do meu ponto de vista, a abordagem de fechamento e confinamento que foi tomada desde a primeira fase não teve muito sentido, não estava suportada por dados epidemiológicos e científicos. Foi achismo, foi cavalgar o medo. E tomaram-se medidas sem responsabilização pelos efeitos colaterais que as medidas tinham”.
O candidato aproveitava para responder também a alguns críticos do liberalismo, que lhe atiram à cara: “Lá está o liberal a vir pedir ajuda ao Estado”. Para Mayan, a ajuda “não é ajuda”, é “o Estado a ter de assumir a sua parte do contrato social que estabeleceu com estas empresas”. As empresas cumpriram sempre, pagando “taxas, taxinhas, TSU…”. Agora, “é a vez do Estado ter de cumprir”, dizia.
A mensagem é simples: falta o cheque e o caloteiro desta história é o Governo. “Quem toma estas decisões tem de assumir a responsabilidade. E quem as tomou foi o Governo”, dizia Mayan. Prosseguia: “Vamos supor que o Governo tinha de tomar as medidas desta forma — e contesto que tivesse, pelo menos na primeira fase da pandemia. Se as tomou, isso tinha de vir acompanhado do cheque de compensação direta, imediata e sem burocracias por esta decisão unilateral. Isso nunca aconteceu”.
Como pode a economia portuguesa recuperar de uma paralisação sem grandes precedentes? Esta é uma das questões de que Tiago Mayan Gonçalves mais quer falar — dissera logo de manhã que tinha a intenção de falar mais do futuro e menos de um presente negro e catastrófico — e foi isso que fez quando sugeriu a sua solução para o país: “O foco dos fundos europeus, que já fomos tendo e que surgirão com mais força ao longo de 2021 com a chamada ‘bazuca europeia’, pode permitir recuperar o prejuízo o apoio que não pôde ser dado em 2020”.
Os fundos europeus que chegarão têm de ser para se recuperar todo este tecido económico que ficou destruído por uma situação de absoluta excecionalidade. Estes setores ficaram destruídos pelo contexto da pandemia e por decisões do Governo de fecho e retirada de clientes, associadas ao contexto de pandemia. Por isto, o apoio tinha de ser dado”, referiu.
Um Estado-Governo que não é de fiar. E a curiosidade gastronómica: “Têm marmelos?”
Para a ação do Estado, na resposta à crise pandémica mas também generalizadamente pela sua dimensão, peso e modus operandi adotado nos últimos anos, Tiago Mayan Gonçalves não tem palavras meigas, só acintosas. É um Estado “que faz demorar a chegada dos apoios ao terreno mas que não se coíbe de cobrar a tempo e horas a TSU, o IVA, os pagamentos especiais por conta”. É um Estado que, canalizando para aí fundos europeus, tem de “pagar a fundo perdido” a quem foi afetado pela pandemia. É um Estado que, se manda fechar e confinar, tem de dar “um apoio direto e imediato” para permitir às empresas “aguentar o barco”. É um Estado que não se pode dar ao luxo de ver setores perderem as suas empresas essenciais porque “se fecharem todas não teremos possibilidade de recuperação do país”. E é um Estado que “exige ser pago a tempo e horas” mas “quanto à quebra de atividade e pagamento de apoios, aí não tem consideração nenhuma”.
Se as frases podem parecer equivalentes, repetições, a mesma coisa dita de diferentes formas, é porque é mesmo assim. E a culpa é da multiplicação do candidato em sessões online com associações empresariais e de comércio, um eleitorado onde o seu discurso pró-setor privado pode captar votos. Uma prova? A dado momento da sessão online com a Associação Comercial de Braga, um dos intervenientes, Alberto Gonçalves, dizia que já fora depositar antecipadamente o seu boletim de voto com uma cruzinha em Mayan. “Depois da sessão podia-me arrepender, assim já votei”, gracejava. “Pelo menos um já está”, ripostava o candidato liberal.
Tiago Mayan Gonçalves: “Marcelo apresenta-se como o D. Sebastião, mas andou desaparecido cinco anos”
Neste terreno dos Zooms, o candidato move-se com resiliência e paciência, sempre de sessão em sessão, indo a Aveiro, Braga ou Guimarães sem se levantar da cadeira, sem estrebuchar, ouvindo empresários e instituições de ensino e de solidariedade social, fazendo perguntas para perceber as realidades locais, mostrando-se interessado para poder saber mais. E vai-se mostrando gradualmente cada vez mais desinibido, gracejando, soltando a desenvoltura nas respostas.
Quando um dos oradores da sessão com os empresários de Braga lhe elogiou a prestação nas últimas semanas — Mayan, dizia o interlocutor, “não tem tido papas na língua” —, o candidato liberal sorria e atirava: “Não, não… sou um verdadeiro homem do Norte, as coisas são para ser ditas”. Entre os seus, os liberais, mais confortável ficava. E na sessão com os correligionários dos Açores e da Madeira, perguntava por iguarias locais: “Têm marmelos na Madeira? Ah, a banana… pode ser a banana. Ou marmelada de banana”.
Artigo atualizado ao longo do dia