Foi um dia de inéditos na campanha de Marcelo. Não tinha havido ainda uma única ação de campanha, até Vila Nova de Gaia, em que Marcelo Rebelo de Sousa tivesse tido ao seu lado alguma das figuras partidárias, isso aconteceu no penúltimo dia de campanha e com… o PS. E também ainda não tinha ouvido uma indignação mais sonora, até que pisou no Porto e deu de caras com uma senhora que mal o viu sair do carro, junto ao centro de saúde da Batalha, avançou na sua direção e disparou sem travões: “Votei no senhor, mas agora vou votar na Ana Gomes ou lá como ela se chama por ela também ser uma grande mulher”. Mas, do PS, veio o apoio do autarca de Gaia e membro do secretariado nacional de António Costa, Eduardo Vítor Rodrigues.
Marcelo tentou não valorizar, como sempre faz em relação a apoios partidários que lhe são associados, procurando manter intocável a sua aura de independente. Mas foi ele que contactou o autarca, segundo o socialista contou ao Observador, a convidá-lo para estar presente. Assim, o PS apareceu na visita às instalações do grupo Salvador Caetano, situada em Vila Nova de Gaia, na figura do autarca que faz parte da lista dos 22 socialistas que esta terça-feira declararam apoiar a recandidatura de Marcelo. “A mim não me cabe estar a comentar, tem de perguntar aos próprios”. De resto só elencou os apoios que apareceram: “O apoio formal de dois partidos, de personalidades de outros partidos ou de antigos dirigentes de partidos que me apoiaram [CDS e PSD], mas realmente também recebi de autarcas, antigos governante ou dirigentes do PS”.
Foi o caso de Eduardo Vítor Rodrigues, que, confrontado com as críticas de Ana Gomes sobre a falta de apoio do PS, afirmou: “Não fiquei muito triste, não é? A António Costa chamou de Viktor Órban e a mim falou-me do centrão. O importante é percebermos que o país tem de fazer justa avaliação do impacto que isto tudo está a ter nas nossas vidas e Marcelo Rebelo de Sousa, pela atitude que teve neste mandato, justifica que os portugueses se aglutinem em torno dele numa lógica que não pode ser partidária nem de partidarite exagerada mas de serviço ao país”. O socialista diz que o segundo mandato tem de “ser melhor porque o país vai ser ainda mais exigente em termos de recuperação da economia”. E desdramatiza divisões no PS nestas presidenciais: “Um partido que tem capacidade de incorporar visões diferentes”. Marcelo tem o PSD e o CDS a apoiá-lo oficialmente, mas foi um socialista o primeiro a aparecer em pessoa ao seu lado. E o candidato até recordou que também já passou em autarquias do PSD.
Escola: Depois dos 15 dias, “ponderar”
Marcelo visitava as instalações da Salvador Caetano num sinal à indústria que manteve atividade durante o confinamento. Nessa altura, em Lisboa, o primeiro-ministro anunciava o fecho das escolas por 15 dias e o candidato-Presidente explicava que esta decisão por este período de tempo era “nitidamente para tentar encontrar um equilíbrio entre a necessidade de fechar devido à progressão acelerada da pandemia e a preocupação de não estragar o ano lectivo. Como quem diz que daqui a 15 vamos ponderar”.
Não adiantou muito mais e aplicou o mesmo verbo quando foi questionado sobre a necessidade do ensino à distância: “É uma questão que terá de ser ponderada” e “caso a caso”. Tem-se “inteirado” das análises dos epidemiologistas, que ontem se reuniram com a ministra da Saúde, com quem diz estar “permanentemente em contacto”.
Marcelo ao Observador: fecho das escolas “vai ser demolidor para ano letivo”
Voltou a responsabilizar o avanço da “variante britânica” no país para justificar esta decisão do Governo que, aponta, tinha a “ideia de salvar o mais possível o ano letivo que já foi atropelado”. Não arrisca, por isso mesmo, dizer por quanto tempo terão de existir estas restrições. E ainda elogia a atitude da Conferência Episcopal, que suspendeu as celebrações presenciais. “Acho muito sensata, pois se todo o país está neste momento a fazer um esforço de confinamento reforçado, a Igreja acompanha o esforço de todo o país”, diz o Presidente católico confesso que, no entanto, vai a votos sem se comprometer com um dimploma de peso para este eleitorado que representa: a legalização da eutanásia.
Esta quinta-feira, no Parlamento, foi aprovada a eutanásia e Marcelo diz que essa ainda será uma decisão que tomará no atual mandato, que vai até 9 de março. E qual será a decisão? Enviará o diploma para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva? “Quando chegar a lei olharei para a lei”, disse em Gaia ao fim da tarde.
Num hospital “próximo do limite”
Antes disto, a manhã na Batalha, no Porto, tinha começado com o tal protesto em que a mulher se dirigiu a Marcelo, tirando a máscara. O Presidente esteve todo o tempo a pedir-lhe que a pusesse de volta: “Ponha a máscara, ponha a máscara”. Repetiu a frase várias vezes, mas sem sucesso porque a mulher reclamava de volta: “Não meto máscara nenhuma, porque eu morro por causa da máscara”. E isto porque se queixava de estar há dois anos à espera de uma operação para um problema de saúde que agora os hospitais dão prioridade ao doentes com Covid-19. Marcelo não lhe disse mais do que o “ponha a máscara”, de forma repetida, mesmo enquanto a senhora disparava: “Havíamos de fazer era como na América que era assaltar a Assembleia da República e os gatunos que lá estavam virem para a rua“.
Recorde-se que a única vez nesta campanha em que Marcelo ouviu um comentário mais acintoso foi na Azambuja e também sobre a pandemia, quando uma senhora que passava se indignou com o ajuntamento que a visita do candidato estava a provocar à porta do centro social paroquial.
O Presidente acabou por distanciar-se e dirigir-se para o centro de saúde onde diz ter encontrado a “sofisticação de uma máquina que não existia ao nível das exigências colocadas pela pandemia”, um “método de inquérito epidemiológico abreviado que permite ganhar tempo nos contactos seguintes” e que foi feito com recurso a estudantes de medicina e enfermagem recém-formados.
À tarde seguiu para o Hospital de Vila Nova de Gaia e á saída vinha com a parte de cima de uma bata médica na mão, tinha-lhe sido oferecida pelo Conselho de Administração do Hospital que com isto pretendia “simbolizar que todos podemos contribuir para a saúde pública”, segundo explicou o presidente Rui Guimarães. O médico anestesista revelou, ao lado de Marcelo que lhe deu a palavra quando saiu da unidade onde esteve numa reunião, que a situação do hospital na resposta aos doentes é neste momento de “proximidade do limite” e ali já estão a ser recebidos doentes transferidos de outras unidades, incluindo da região de Lisboa e Vale do Tejo. Existem ainda vagas, disse, mas avisando que “os elásticos não esticam indefinidamente e a dada altura partem”.
Com isto Rui Guimarães pretendia aproveitar o tempo de antena daquela visita para alertar os portugueses para a “mensagem de máxima responsabilidade para os próximos tempos”. Ouviu, de seguida, Marcelo elogiar o “esforço muito grande” feito por aquele hospital no combate à pandemia e também a falar, mais uma vez, das medidas conhecidas neste dia, relativas às escolas. O candidato e Presidente da República considera que a solução encontrada “pretende salvar o ano letivo” e “na esperança que este 15 dias muito críticos possam ter uma ajuda complementar”. E prepara quem o ouve para os dias que vêm dizendo que este período “pode ultrapassar os 15 dias” e que “o número de casos acima de 10 mil pode continuar nas próximas semanas”. O penúltimo dia de campanha acabou, assim, com Marcelo a prometer um encerramento “minimalista“, esta sexta-feira, em Celorico de Basto a terra da sua avó Joaquina e onde passou períodos da sua infância.