O presidente do Conselho de Administração do Hospital de Guimarães, Henrique Capelas, foi vacinado contra a Covid-19 na primeira fase de vacinação naquele hospital, apesar de não ser profissional de saúde, não estar envolvido na prestação de cuidados de saúde aos doentes nem cumprir qualquer dos requisitos para integrar a primeira fase da vacinação, definidos pelo Plano Nacional. Ao Observador, o hospital justificou a decisão com o facto de Henrique Capelas frequentar diariamente os circuitos do hospital, incluindo as áreas Covid (ainda que isso não seja essencial às suas funções), bem como com o facto de o gestor, de 64 anos, ter um quadro de saúde que o coloca numa situação de risco acrescido.
A vacinação contra a Covid-19 no Hospital de Guimarães arrancou no dia 29 de dezembro, dois dias depois de as vacinas terem começado a ser administradas em Portugal. De acordo com o que ficou registado, na altura, pelo jornal O Minho, o primeiro a ser imunizado contra o coronavírus naquele hospital do Norte foi o diretor-clínico, Hélder Trigo, que aos 68 anos é o médico mais velho da instituição. Segundo vários relatos publicados naquela semana pela imprensa regional, incluindo pelo O Minho e pelo Mais Guimarães, a primeira remessa que chegou ao Hospital de Guimarães foi composta por 445 doses, que não eram ainda suficientes para todos os que a instituição tinha identificado como prioritários. Segundo esses jornais, a indicação do hospital era clara: começar pelos médicos, enfermeiros e auxiliares em contacto direto com os doentes Covid.
No entanto, uma dessas primeiras doses foi administrada ao presidente do Conselho de Administração do hospital.
A informação foi confirmada ao Observador pelo próprio hospital. Sílvia Oliveira, diretora do serviço de medicina no trabalho e responsável pela definição da lista de prioritários em Guimarães, assegurou que foi “absolutamente rigorosa nos critérios” de definição dos prioritários, acrescentando que aquele “foi um trabalho muito difícil”, que envolveu contactos telefónicos “com toda a gente que estava dentro dos critérios, para ter a certeza de que as pessoas podiam fazer a vacina”.
Rejeitando qualquer controvérsia no Hospital de Guimarães — e lamentando até ter visto notícias de instituições onde “até foram vacinados secretários” —, Sílvia Oliveira confirmou a vacinação de Henrique Capelas. “Foi, de facto, incluído por minha opção o presidente do Conselho de Administração”, disse a médica. “Está na faixa etária dos 64-65 anos de idade e conjuga dois critérios. Primeiro, o risco individual, porque tem comorbilidades que, devido ao sigilo médico, não posso dizer. Depois, ele tem um risco equiparado ao de um profissional de saúde. Frequenta diariamente os circuitos do hospital, incluindo os circuitos Covid, e volta e meia temos surtos no hospital.”
Questionada sobre os motivos pelos quais um gestor, que não é profissional de saúde, frequenta diariamente os circuitos Covid, Sílvia Oliveira reconheceu que “ele não tem essa necessidade do ponto de vista profissional“, acrescentando que Henrique Capelas faz questão de estar próximo dos profissionais do hospital.
“Tendo em conta o risco individual que ele tem, pela idade e pela saúde, bem como o risco de saúde profissional, por frequentar os vários circuitos, optei por vaciná-lo”, disse a médica. “Se ele apanha Covid, pode ter um desfecho muito complicado, por isso resolvi colocá-lo também nesta lista de prioritários. Ele foi o único elemento não clínico do Conselho de Administração a ser vacinado.” Outros elementos da administração, incluindo o diretor clínico e a enfermeira-chefe, que são profissionais de saúde, também foram vacinados.
No que diz respeito aos profissionais de saúde, o plano nacional de vacinação contra a Covid-19 determina que na primeira fase sejam vacinados os “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes”.
Formado em Gestão de Empresas e com um mestrado em Economia e Política da Saúde, Henrique Capelas é presidente do Conselho de Administração do Hospital de Guimarães desde o verão de 2018.
No dia em que a vacinação arrancou no Hospital de Guimarães, Capelas referiu-se à vacina contra a Covid-19 como uma “dupla esperança para o próximo ano“. “Podemos encará-lo com mais esperança do que aquela que vivemos no passado. Essa dupla esperança é baseada, primeiro, na competência e no profissionalismo dos profissionais deste hospital, que continuarão a dar o seu melhor. Segundo, a esperança também baseada nesta vacina que, de alguma forma, irá mitigar os constrangimentos que nós temos tido na nossa vida”, disse o presidente do Conselho de Administração.
Ao longo do mês de janeiro, à medida que o Hospital de Guimarães recebeu novas tranches de vacinas contra a Covid-19, as injeções foram administradas à restante população prioritária do hospital, embora não exclusivamente a profissionais de saúde ou a profissionais envolvidos diretamente na prestação de cuidados de saúde a doentes.
Além de auxiliares e outro pessoal não clínico, foram também imunizadas pessoas ligadas à gestão e ao departamento administrativo do hospital, incluindo a responsável do setor administrativo, que, embora não esteja em contacto direto com os doentes, “também circula por áreas Covid“. Segundo Sílvia Oliveira, estes profissionais que não fazem parte da chamada “linha da frente” foram vacinados já depois de recebida a quarta tranche de vacinas contra a Covid-19, numa altura em que a maioria dos profissionais de saúde já se encontravam vacinados.
Esta sexta-feira, fonte do Hospital de Guimarães adiantou ao Observador que já tinha sido vacinada 95% da população prioritária da instituição. Os 5% que ainda não receberam a vacina tiveram de ficar de fora, não por falta de vacinas, mas por um conjunto de fatores adicionais, incluindo por motivos de gravidez ou período de amamentação, por baixa médica ou por terem tomado há pouco tempo a vacina da gripe ou outra medicação que constitua contra-indicação para a vacina contra a Covid-19. A mesma fonte acrescentou que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já esteve no Hospital de Guimarães, na última segunda-feira, não tendo detetado qualquer irregularidade.
A questão, porém, tem levado os hospitais a tomar decisões contraditórias. No Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por exemplo, o administrador do Centro Hospitalar Lisboa Norte só será vacinado na fase que lhe corresponder no plano de vacinação — e não como profissional prioritário. E o Hospital de São João, no Porto, que, em janeiro, tinha dito ao Observador que pretendia vacinar todos os funcionários, incluindo pessoal não clínico, naquele mesmo mês, garante agora que essa possibilidade nunca esteve em cima da mesa.
Nas últimas semanas, têm vindo a público diversos casos de irregularidades na distribuição da vacina contra a Covid-19, motivo que levou a IGAS a dar início a uma investigação em larga escala, em todo o país, abrangendo as unidades de saúde do SNS, para verificar como estão a ser selecionados os profissionais que recebem a vacina em primeiro lugar dentro dos grupos prioritários e como são geridas as vacinas que sobram.
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Na quinta-feira, o Observador noticiou que o Grupo Luz Saúde tinha vacinado contra a Covid-19 toda a administração do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e do Hospital da Luz, em Lisboa — e até a CEO do grupo, Isabel Vaz, bem como o presidente do Conselho de Administração do hospital de Loures, Artur Vaz. O plano implementado pelo grupo incluiu vários gestores e funcionários que não se enquadram no grupo prioritário para a receção da vacina em primeiro lugar.
Também no caso dos lares de idosos, que estão integrados nesta primeira fase de vacinação, têm-se multiplicado os casos de dirigentes e administradores vacinados — mesmo quando não trabalham em contacto direto com os utentes. Um dos casos mais flagrantes ocorreu em Reguengos de Monsaraz, onde o presidente da Câmara Municipal também foi vacinado antes do tempo, justificando-se com o facto de presidir a uma fundação que gere um lar de idosos. O Ministério da Saúde já assumiu ao Observador não ter capacidade para “validar” que todas as pessoas vacinadas nos lares de idosos deviam ou não constar da lista de prioritários.
De acordo com os dados desta sexta-feira, já foram administradas até ao momento 364.211 doses de vacina contra a Covid-19 em Portugal, estando já imunizadas um total de 84.975 pessoas — uma vez que a imunização completa exige a administração de duas doses, separadas por três semanas. O ritmo de vacinação no país está, neste momento, essencialmente dependente da velocidade a que as vacinas chegarem a Portugal. O país não negociou diretamente a compra das vacinas, encontrando-se abrangido pelos contratos assinados coletivamente pela União Europeia com um conjunto de farmacêuticas. Atualmente, a Comissão Europeia já deu luz verde para a autorização de três vacinas: a da Pfizer/BioNTech, a da Moderna e a da AstraZeneca/Universidade de Oxford.