“Chegava de manhã para ver os doentes e saber como eles estavam e respondiam-me que já se tinham conseguido levantar sozinhos”, conta Nadir Arber, sobre os doentes Covid-19 que entraram na primeira fase de um ensaio clínico com um novo medicamento. “Os doentes diziam-me que ao fim de um ou dois dias já conseguiam respirar”, continua o médico, alertando, no entanto, que isto são apenas relatos de sintomas subjetivos e que ainda não foi conduzido nenhum ensaio clínico para verificar eficácia. Mas está otimista, confessa.
O relato do médico do Hospital Ichilov, em Telavive (Israel), foi feito esta quarta-feira durante uma conferência de imprensa online. A primeira fase do ensaio clínico com o novo fármaco está praticamente concluída: o último doente, de 35, completou o esquema de tratamento de cinco dias. Agora, como aos restantes, é ver como está ao sétimo e ao 35.º dia e os investigadores estarão prontos para publicar numa revista científica esta primeira etapa.
Por agora, o que Nadir Arber e Shiran Shapira, ambos investigadores no Centro Integrado de Prevenção do Cancro do Hospital Ichilov, podem dizer é que este tratamento é seguro e os doentes que participaram no ensaio não apresentaram efeitos secundários. O que Arber já esperava, visto tratar-se de uma nanotecnologia, usada em baixa concentração, não ter produtos tóxicos, nem componentes que despertem o sistema imunitário. Além disso, o fármaco já se tinha demonstrado seguro no ensaio pré-clínico, com ratos de laboratório.
O que tem este fármaco de tão diferente?
Nadir Arber começa por dizer que esta solução foi criada de raiz para o tratamento de doentes Covid-19, ao contrário de outros medicamentos que foram criados com outros fins e que agora se testa a sua eficácia na doença causada pelo SARS-CoV-2. No entanto, a tecnologia, caso se mostre eficaz, poderá ser usada noutras doenças em que se verifique uma resposta exacerbada do sistema imunitário.
Como explica o investigador, este fármaco não elimina o vírus nem resolve a infeção, mas traz alívio a uma consequência grave da doença: a dificuldade em respirar, causada pela tempestade de citocinas, que estimula de forma exagerada a resposta imunitária e pode provocar lesões graves nos órgãos, nomeadamente nos pulmões. O fármaco é adequado para os doentes com sintomas graves, mas não tão graves que tenham de estar nos cuidados intensivos.
O fármaco é composto por exossomas (nanobolsas, usadas como sistema de comunicação entre as células) enriquecidos com a proteína CD24, que são administrados através de um inalador (semelhante aos aerossóis que os doentes asmáticos usam), diariamente durante cinco dias, demorando cada inalação três ou quatro minutos. Como o produto entra diretamente nos pulmões, onde é necessário, a resposta é mais rápida e com menos efeitos colaterais, diz o médico.
A CD24 é uma proteína pequena que existe, normalmente, na superfície dos linfócitos B (uma das células do sistema imunitário) e é responsável por controlar a produção de linfócitos T (outro tipo de células imunitárias). Os ensaios clínicos com CD24 noutras doenças mostrou o potencial para atuar como inibidor da atividade inflamatória (resultado da resposta imune).
Dito de outra forma, os exossomas são como camiões das obras que transportam as proteínas CD24 que funcionam como barreiras de betão e impedem a passagem por aquela via — neste caso, impedem a passagem dos estímulos que aumentam a resposta imunitária.
Um fármaco barato, de produção rápida, que pode ser usado em casa
Outra das vantagens destacadas por Nadir Arber é que é fácil de produzir a baixo custo e que em poucos meses pode ser fabricado em quantidade suficiente para servir todo o mundo. Se a investigação e produção decorrer ao ritmo que os investigadores desejam, o fármaco poderá vir a ser usado ainda este ano.
Claro que, até lá, é preciso ultrapassar outras etapas, como as próximas fases dos ensaios clínicos, neste momento dependentes do apoio de governos, empresas farmacêuticas ou outros financiadores. Antes de conseguir comparar o tratamento com um placebo, Arber não pode afirmar que o fármaco é eficaz, mas se o conseguir fazer, assume que será possível tentar obter aprovações de emergência junto das autoridades reguladoras dos países interessados.
Nos próximos ensaios clínicos, a equipa de investigadores espera poder usar este fármaco nos doentes antes de eles serem sujeitos a outro tipo de tratamentos, usados atualmente, para tentar perceber se o efeito se deve realmente às partículas inaladas. O grande objetivo de Nadir Arber era que o fármaco pudesse ser facilmente usado nos centros de saúde ou em casa, evitando que o doente tivesse de ser internado com problemas respiratórios.