A revista científica The New England Journal of Medicine (NEJM) lançou uma sondagem sobre o adiamento ou não da segunda da dose das vacinas contra a Covid-19. Até ao momento da publicação deste artigo, 57% das pessoas que votaram na sondagem consideravam que se devia manter o esquema de vacinação sugerido pelas empresas que as desenvolveram.

A escassez de vacinas motivou a sondagem e foi um dos argumentos a favor do maior espaçamento entre as duas doses apresentado por Robert Wachter, diretor do departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Para o médico, os riscos de manter o esquema de vacinação tal como definido podem ser maiores do que os riscos de alterar esse plano.

“As circunstâncias atuais — uma implementação lenta da vacinação, um fornecimento limitado da vacina e o surgimento de variantes mais infecciosas do SARS-CoV-2, que ameaçam ultrapassar nosso programa de vacinação — são tudo menos normais”, diz o médico. “Este pode ser um caso em que os riscos da adesão estrita ao plano superam os riscos de modificá-lo.”

Robert Wachter admite que existe o risco de a segunda dose ser menos eficaz se dada depois do tempo previsto, mas argumenta que, com uma dose da vacina muitas pessoas já vão ficar protegidas e que, a julgar pela imunidade originada por uma infeção natural, as pessoas podem ficar protegidas por mais de três meses.

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Opinião contrária tem Nicole Lurie, médica de Saúde Pública e consultora do Banco Mundial e da Coligação para as Iniciativas de Preparação para as Epidemias. Embora admita que a primeira dose confere uma imunidade que não desvanece assim tão rapidamente, alerta que é uma resposta imunitária “incompleta”. A médica de Saúde Pública receia que as pessoas mais vulneráveis não fiquem convenientemente protegidas e que, por isso, não se consiga aliviar a pressão nos hospitais.

“Não há dados para informar por quanto tempo uma segunda dose pode ser adiada sem comprometer a eficácia”, alerta Nicole Lurie. “Nem sabemos a duração da imunidade produzida pelo regime de duas doses ou como o momento da dose afeta a imunidade em idosos e pessoas imunocomprometidas, que são responsáveis pela maioria das hospitalizações e mortes.”

Há ainda o receio de que as pessoas fiquem confusas com a mudança de planos e percam a confiança na vacinação, diz Nicole Lurie. Um risco que Robert Wachter diz poder ser minimizado com uma boa estratégia de comunicação.

A revista científica The BMJ reforça esta ideia, lembrando que as pessoas podem ser infetadas enquanto aguardam pela segunda dose (que foi adiada) e passarem a duvidar da eficácia da vacina. No artigo, os autores lembram também que o consentimento informado dado às pessoas que vão ser vacinadas também tem de ser alterado, de forma a conter a alteração do esquema de vacinação.

O Reino Unido adotou o atraso da segunda dose a 30 de dezembro. Os Centros para o Controlo e Prevenção da Doenças norte-americanos (CDC) dizem que a segunda dose pode ser dada até seis semanas depois da primeira. E, esta semana, dois especialistas canadianos, ligados aos institutos nacionais de saúde e de controlo das doenças, defenderam também o alargamento do prazo da segunda dose.

Danuta Skowronski, do Centro de Controlo da Doença da Colômbia Britânica, e Gaston De Serres, do Instituto Nacional de Saúde Pública do Quebeque, defendem que os benefícios da vacinação seriam maiores se se conseguisse vacinar todas as pessoas dos grupos vulneráveis, ainda que só com uma dose, pelo menos até haver vacinas suficientes, escrevem os autores na NEJM.

As empresas, no entanto, continuam a afirmar que não testaram a eficácia das vacinas com outros esquemas de vacinação que não aqueles que foram recomendados (e no máximo até 42 depois). A vacina da Pfizer/BioNTech deve ser dada “com intervalo mínimo de 21 dias”, a vacina da Moderna “com intervalo de 28 dias” e a da Oxford/AstraZeneca “com intervalo de 12 semanas”, segundo as normas da Direção-Geral da Saúde.

A sondagem foi lançada no dia 17 de fevereiro (e estará em curso até 14 de abril) e contava, à hora de publicação deste artigo, com 5.812 votos.