O Europa, o Tokyo e o Jamaica, espaços emblemáticos da noite de Lisboa com muitas décadas de história, vão mesmo sair do Cais do Sodré e a retirada de equipamentos e materiais já começou, disseram ao Observador os empresários responsáveis. Quando reabrirem, provavelmente em fins de novembro, as três casas noturnas já vão estar em antigos armazéns do Cais do Gás, a menos de 10 minutos a pé do sítio atual, a Rua Nova do Carvalho.
Esta sexta-feira é lançado um site no endereço caisdogas.com, onde se conta a história das três casas noturnas e da mudança de localização, através de um documentário em episódios realizado por Steve Stoer, com guião de João Macdonald. Nos próximos meses o site irá também transmitir em streaming concertos de DJs.
“Cais do Gás não será uma marca-chapéu para Europa, Tokyo e Jamaica, serve para identificar a zona como um novo polo da noite, quer para os que já lá estão, quer para os parceiros que queiram juntar-se”, sublinhou o empresário Pedro Vieira. “Ao sairmos do Sodré para o Gás, queremos transportar o mesmo espírito. A movida não vai desaparecer, vai-se deslocalizar.”
O perfil dos clubes será o mesmo, com música eletrónica no Europa, concertos no Tokyo e clássicos pop-rock no Jamaica. Mas há a hipótese de funcionarem nos primeiros tempos como espaços de restauração, caso o Governo continue a proibir o funcionamento de bares e discotecas — o que devido à pandemia se verifica desde março do ano passado, apesar da reabertura admitida a partir de 1 de agosto, desde que os espaços noturnos mantivessem “inutilizáveis” as pistas de dança.
A mudança de instalações vinha sendo anunciada há vários anos e era dada como certa desde pelo menos 2018, quando a Câmara de Lisboa acertou pormenores com os proprietários e acordou arrendar-lhes no Cais do Gás três armazéns debruçados sobre o Tejo, mesmo ao lado da discoteca africana B.Leza e do bar Titanic Sur Mer.
A novidade agora transmitida por Fernando Pereira (do Tokyo e do Jamaica) e por Pedro Vieira (do Europa) está em que as três casas começaram em janeiro a desmantelar o interior e vão abandonar o edifício na próxima semana. O plano inicial indicava que só sairiam da Rua Nova do Carvalho quando as obras no Cais do Gás estivessem concluídas, o que ainda não se verifica, pois só começam em fins de março.
“A alteração deve-se à proposta financeira que o senhorio na Rua Nova do Carvalho nos fez”, adiantou Fernando Pereira. “Fizemos contas e percebemos que nos compensaria sair antecipadamente. A proposta até nos ajuda a executar a obra no Cais do Gás, por isso vamos mesmo sair na próxima semana”, acrescentou.
[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador na discoteca Jamaica]
Efeito do boom turístico
Pedro Vieira, à frente do Europa desde 2005, referiu que a pandemia veio acelerar a mudança, porque o comércio fechado ou com grandes restrições tirou sentido ao compasso de espera que o senhorio da Rua Nova do Carvalho se propunha fazer até o Cais do Gás estar pronto a receber os três bares. “No fundo, houve aqui um encontro de vontades”, classificou. Ao avaliar o simbolismo da mudança, apontou o ano de abertura do Europa, 1947 — o que o torna a uma das mais antigas casas noturnas de Lisboa em atividade —, e disse se trata ainda de um efeito do boom turístico que a capital conheceu até à pandemia.
“Até do ponto de vista político percebeu-se que interessava agora uma outra realidade, diferente daquela que o Cais do Sodré já teve”, explicou Pedro Vieira. “Não deixo de ter uma certa sensação de perda e de nostalgia relativamente àquilo que é um património da cidade. Foram anos de histórias e de vivências naquela Rua Nova do Carvalho, que agora deixam de ter o mesmo cenário.”
O atual senhorio é a empresa Sigmabilities, gerida pelo parisiense Jean-Marc Galabert, que planeia transformar o imóvel em hotel, pelo que, segundo Fernando Pereira, vai agora pagar uma indemnização de montante não indicado para que os bares desalojem o rés-do-chão.
[um dos vídeos que contam a história dos três bares]
Derrocada foi há uma década
Quando em maio de 2011 parte do interior do prédio ruiu, o Jamaica avançou para tribunal com um pedido de indemnização, alegando que os senhorios não tinham criado as condições necessárias de segurança. Ganhou a ação e ficou penhor do imóvel, porque o montante da indemnização era muito elevado — daí o acordo financeiro a que chegaram agora os bares e o senhorio. Os então proprietários eram dezenas de herdeiros, que venderam à Sigmabilities em 2014.
“O Jamaica e o Tokyo abdicaram de metade da indemnização, contra a assinatura de um acordo em que o senhoria se comprometia a deixar-nos estar ali até termos o novo espaço pronto, e esse espaço já estava negociado com a Câmara no Cais do Gás”, contextualizou Fernando Pereira. Entretanto, nos últimos meses, acordaram a saída antecipada com um montante de indemnização um pouco mais elevado.
A Câmara de Lisboa é hoje proprietária dos armazéns do Cais do Gás, numa zona pertencente à Administração do Porto de Lisboa, e comprometeu-se a arrendá-los aos três históricos do Cais do Sodré. Trata-se de de um espaço de 675 metros quadrados, dividido pelos três bares.
Sobre a retoma da atividade na noite, Fernando Pereira disse que “a esperança é a última a morrer”. Na nova localização corre o risco de “estar a fazer um investimento que venha a estar parado durante alguns meses”. No entanto, adiantou que os novos Tokyo e Jamaica estão a ser pensados de raiz e incluem “uma área exterior significativa que pode ser explorada ao nível da restauração”, caso as pistas de dança permaneçam fechadas. Além disso, terão “um sistema de ar condicionado com renovação permanente”, o que pode dar aos frequentadores maior segurança num contexto de preocupação com a transmissão aérea do coronavírus.