“Uma pessoa quando passa aqui à porta tem ideia de que o restaurante é só esta salinha cá em baixo e não percebe a estrutura do que temos aqui”, diz Pedro Cardoso, responsável principal do mítico Solar dos Presuntos, em Lisboa, num dia em que a tal “salinha”, totalmente forrada com fotografias e “souvenires” de um sem fim de clientes famosos (de David Beckham a Simone de Oliveira), está irreconhecível. É dia 1 de março de 2021 e o restaurante que o seu pai, Evaristo, inaugurou em 1974, está prestes a entrar nuns loucos quatro meses de muita mudança, a primeira delas geográfica.
“Apostámos em mudar de sítio. Andámos a ver vários locais e tivemos a sorte do José Eduardo, da Casa do Marquês (no Prior Velho), ceder-nos a sua cozinha brutal, com todas as condições e mais algumas. Abriu-nos o seu espaço para podermos aí sediar o Solar dos Presuntos, durante estes tempos”, conta o empresário. Por outras palavras, Pedro Cardoso explica que durante os próximos meses o seu serviço de entrega ao domicílio e take-away vai continuar a funcionar totalmente, a partir dessa localização, apesar do Solar original, aquele onde chegou a viver com os país e a irmã durante vários anos, fechar para reabrir mais tarde totalmente modificado.
“O começo da obra foi há quatro anos”, começa por explicar. Nessa altura o planeado era que a expansão do Solar através da assimilação de três prédios devolutos duraria apenas dois anos, “no máximo”. Depois surgiram os contratempos. “Tivemos de fazer um buraco enorme e foram feitos achados históricos que não estavam nos planos, tivemos de chamar uma equipa de arqueologia e antropologia a fazer o acompanhamento das escavações”, diz. O acontecimento foi bastante noticiado na altura mas acabou por resolver-se, com os artefactos a serem recolhidos pelos arqueólogos que acompanharam a obra. Tudo parecia estar pronto a recuperar mas depois… Pandemia.
Durante esse tempo do primeiro confinamento Pedro aproveitou para mudar o sistema de ar condicionado no piso térreo e no primeiro andar, maquinaria que dá um “tratamento hospitalar” ao ar que passaria a circular (“gastei 100 mil euros nisso”). Decidiu lançar, também, o serviço de “ir buscar ou nós entregamos” que permitia manter o restaurante a fazer comida e para “manter a equipa viva” — “Estando dois meses em casa, recomeças quase sem saber o que é um talher de carne e de peixe”, diz. Todo o serviço de entregas que está a fazer é totalmente feito pela sua equipa, da confeção ao transporte, para “não haver contágios e para dar motivação”. Sim, porque o próprio diz que este serviço está a ter retorno, “não monetário, que nesta altura não é o que nos interessa, mas sim em termos de posicionamento de mercado” e de gestão de equipas.
A chegada da vaga mais recente fez com que tudo parasse de novo, mas desta vez iria ser diferente: “ou continuávamos a trabalhar com o restaurante seis meses [take-away e entregas] para depois ter de fechar dois para fazer o emparcelamento das propriedades, ou aproveitávamos para fechar e fazer a obra em tempo recorde de quatro meses.” É assim que chegamos a esta “mudança” para o Prior Velho, alteração que permite manter a confeção e venda de comida — “em vez de estarmos de braços cruzados à espera que isto tudo retome, estamos a trabalhar” — sem prejudicar, mais uma vez, as tais obras que vão mudar totalmente o universo do famoso restaurante de comida tradicional portuguesa. “Fechamos este mês para reabrir quando a retoma, calculamos, já esteja a começar. Prevemos abrir dia 1 de julho”, remata. Mas que modificações são estas, afinal?
“O meu pai começou o restaurante com 18 lugares, só no piso térreo. Nós morávamos no primeiro piso. A primeira grande obra foi sairmos daqui e mudarmo-nos para outra casa, isto porque o meu pai lembrou-se de ampliar o restaurante para o primeiro piso, onde vivíamos”, conta. Desde aí foram sendo feitas várias alterações e expansões — por exemplo, nos restantes andares do prédio do Solar, “até há uns 20 anos” viviam famílias “em condições terríveis” nos apartamentos que ocupavam os andares superiores. À medida que iam sendo desocupados, a família de Pedro acrescentava mais espaço ao Solar. Saltando daí para 2021 temos então o plano de expandir o restaurante e dotá-lo de novas funcionalidades. Uma das maiores mudanças é o aumento da cozinha, que vai passar de 25 metros quadrados para 300, mudança que Pedro diz vir a permitir “que no futuro cheguemos a mais locais dentro da cidade”.
Caminhando por entre paredes descascadas, andaimes e tubagens, vemos o herdeiro deste monumento gastronómico a mostrar aquilo que serão os novos cantos da casa: “Visualmente a entrada principal não vai mexer. Nos dois prédios temos essa porta mas vamos criar uma outra, no edifício ao lado, porque o nosso objetivo não é ser só um negócio de restauração mas também vamos ter quartos, quatro apartamentos”, conta. Esta alteração, explica Pedro, fundamenta-se com uma outra valência que o Solar dos Presuntos vai passar a ter: “estamos a fazer um género de academia não só para chefs portugueses mas também para chefs internacionais apreenderem um bocado daquilo que é a nossa cozinha; fazer aqui um intercâmbio cultural. Assim, em vez de os metermos em grandes hotéis da cidade conseguimos tê-los alojados já aqui, onde ficarão comodamente instalados e com todas as condições.”
O objetivo dessa zona de “academia” não será o de uma escola propriamente dita mas mais um espaço multifunções: “se quiseres fazer uma apresentação sobre serviço de sala podes fazê-lo aqui. Se quiseres apresentar um vinho ou um azeite podes fazê-lo também. Teremos condições para teres um chef a cozinhar, por exemplo”. Sendo a cozinha portuguesa um dos maiores estandartes do país, Pedro quer aproveitar isso até para proporcionar uma espécie de aulas a clientes estrangeiros que queiram saber mais: “Imagina que tens um grupo de estrangeiros que vem a Portugal e quer aprender como se faz um arroz de cabidela. Podemos organizar uma aula disso aqui — algo que não há noutros sítios. Ensinamos-te a fazer e depois comes.”
As zonas de refeição vão naturalmente aumentar mas as que já existem não vão sofrer grandes transformações (uma das maiores será a adaptação do tal ar condicionado especial a todas as áreas). Será adicionada uma sala “onde o cliente só é visto à entrada, a partir daí nunca mais aparece, o serviço é feito pelo interior da sala e não há abertura de portas, ninguém sabe quem é que está lá dentro”, característica importante tendo em conta a quantidade de famosos, nacionais e internacionais, que aqui vêm provar o melhor de Portugal. Outra grande mudança será na garrafeira.
“A nova garrafeira do Solar dos Presuntos vai ser brutal”, diz Pedro, entusiasmado. Ocupando quase a totalidade da área dos dois prédios, num piso inferior, vai ser mais uma oferta exclusiva que pisca o olho aos produtores vinicos nacionais: “Vou dar a todos a possibilidade de colocarem aqui as suas marcas. Imagina, posso perguntar se querem pôr aqui uma vertical completa de uma referência, por exemplo. Podemos até fechar isto e fazer uma noite temática de vinhos, para um grupo. Transformar num género de bar, mais ou menos”, conta.
“Um restaurante de 1974 não pode ficar congelado, temos de continuar a procurar a inovação sem perder a nossa base e é por isso que decidimos apostar forte nisto tudo”, conta o empresário já no final do tour. “Sempre procurámos reinvestir no restaurante o dinheiro que ganhávamos com eles, desde o tempo do meu pai”, remata.