Vamos ter um segundo julgamento de Rosa Grilo? É, pelo menos, o que quer a defesa da viúva condenada a 25 anos de prisão pela morte do marido: a repetição da “totalidade” do julgamento”. A resposta a esta pergunta será dada daqui a três semanas. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) vai publicar no dia 25 de março a decisão sobre este caso. Quase três anos depois do homicídio do triatleta Luís Grilo, este tribunal superior irá decidir, mas não só se o julgamento será ou não repetido: uma confirmação da condenação de Rosa Grilo, uma absolvição ou uma redução da pena são também opções em cima da mesa.

Será que foi realizada de forma capaz a justiça até ao presente momento? Ou será que só repetindo a totalidade julgamento se realizará de forma idónea e tão desejada a justiça.  Só se viabilizará a chamada justiça com a repetição da totalidade do julgamento”, alegou.

A advogada Tânia Reis teve esta quinta-feira a última oportunidade para explicar aos juízes conselheiros da 5.ª secção do STJ as razões pelas quais Rosa Grilo não deve ser condenada à pena máxima. Mas só usou quatro dos 30 minutos em que tinha centrada em si a atenção dos conselheiros deste Tribunal Superior, que a ouviam por videoconferência — uma sessão que demorou 40 minutos, tendo sido uma boa parte dedicada a problemas informáticos. “É tudo?”, questionou o presidente da secção, o juiz conselheiro Manuel Braz.

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Sim, era tudo. A advogada cingiu-se a cinco as questões que pediu para serem apreciadas pelos conselheiros. A primeira? A dúvida quanto à culpa. “Estamos até hoje a perceber se há resposta a esta questão porque, neste momento, existe ainda uma duvida mais que razoável: estamos aqui sem saber quem matou quem“, disse Tânia Reis, lembrando dois processos-crime que estão a decorrer e que podem “alterar toda a dinâmica do sucedido”: um diz respeito à bala encontrada na banheira da casa de Rosa Grilo e o segundo é uma queixa contra os elementos da investigação do caso e o próprio Ministério Público.

Este processo é um paradigma de como não se deve conduzir uma investigação e julgar um caso“, afirmou.

A defesa apontou também falhas da apreciação da prova por parte dos juízes do Tribunal de Loures, que condenaram Rosa Grilo a 25 anos de prisão, e dos juízes da Relação de Lisboa, que confirmaram a decisão . A advogada entendeu que a arguida “foi prejudicada” no julgamento porque foi “negada a produção de prova” bem como a “audição de uma testemunha”, o consultor forense João de Sousa que auxilia a advogada na defesa do caso.

A advogada de Rosa Grilo, Tânia Reis à saída do Tribunal de Loures (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

Para Tânia Reis, o princípio in dúbio pro reo — isto é, perante uma dúvida, decide-se a favor do arguido — devia ter sido aplicado também a Rosa Grilo, como foi a António Joaquim, em primeira instância. “Neste momento, não se sabe quem é que fez o quê e com recurso a que artefactos“, alegou.

MP diz que “não está em causa” o princípio in dúbio pro reo porque não se ficou “com qualquer dúvida”

Uma a uma, a Procuradora-Geral Adjunta Natália Lima analisou as inconstitucionalidades alegadas pela defesa de Rosa Grilo e considerou que “não têm fundamento” e “não existem”. E defendeu que o acórdão da Relação de Lisboa — que confirmou a condenação de 25 anos a Rosa Grilo e reverteu a absolvição de António Joaquim — está “ampla, rigorosa e objetivamente fundamentado quer na apreciação da matéria de facto, quer na apreciação das questões de direito”.  A Procuradora-Geral Adjunta afastou ainda a existência de “qualquer violação das regras sobre valoração de prova” ou de “regras de experiência comum”.

Seja a questão alusiva à localização celular do telemóvel da vítima, Luís Grilo, seja quanto à validade do relatório da autópsia, seja quanto ao relatório da perícia à arma e à munição encontrada no corpo da vítima, os fundamentos estão cuidadosa e exaustivamente analisados no acórdão da Relação de Lisboa”, disse.

Assim, a Procuradora-Geral Adjunta alegou que “não está aqui em causa” o princípio in dúbio pro reo uma vez que “não se vê que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha ficado com qualquer dúvida sobre a culpabilidade quer da arguida Rosa Grilo, quer do arguido António Joaquim”. “Portanto, a minha posição é de improcedência do recurso”, concluiu.

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O advogado da família da vítima e o advogado de António Joaquim também estiveram presentes. O primeiro, António Rebelo, entendeu não “maçar” os juízes conselheiros com considerações “que poderão ser consideradas repetitivas” das alegações do Ministério Público (MP). Ainda assim, quis ressaltar que o acórdão da Relação fez uma “análise consistente e racional” das provas e, por isso, pediu que “os recursos interpostos pelos arguidos” não sejam declarados procedentes.

António Joaquim no dia em que ouviu a decisão do Tribunal de Loures. À esquerda, o seu advogado, Ricardo Serrano Vieira (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

Apesar de o recurso de António Joaquim não estivesse a ser julgado nesta audiência, o facto de o advogado António Rebelo o ter referido, levou o juiz presidente da 5.ª secção, Manuel Braz, a autorizar Ricardo Serrano Vieira a responder. Assim, o advogado de António Joaquim foi breve a lembrar que “o povo, através do tribunal de júri, teve um atendimento diferente” do que teve a Relação de Lisboa — o primeiro absolveu o arguido, o segundo condenou-o à pena máxima.

Ao fim de uma sessão de 40 minutos — em que boa parte foi dedicada a problemas técnicos —, o juiz conselheiro Manuel Braz declarou-a encerrada, deixando apenas a nota de que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça será publicada no próximo dia 25 de março.

Homicídio aconteceu no verão de 2018. Rosa Grilo está presa, António Joaquim em liberdade

Rosa Grilo encontra-se presa há mais de dois anos. Os dois arguidos esperam agora a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, com a diferença de que só um está em liberdade: António Joaquim, o seu amante e o homem com quem terá cometido o crime.

O caso veio a público em 2018 quando Rosa Grilo deu conta do desaparecimento do marido às autoridades, alegando que o triatleta tinha saído para fazer um treino de bicicleta e não tinha regressado a casa. Um mês depois o corpo de Luís Grilo viria a ser encontrado, com sinais de grande violência, em Álcorrego, concelho de Avis, a mais de 100 quilómetros da localidade onde o casal vivia — em Cachoeiras, no concelho de Vila Franca de Xira.

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A prova recolhida pela PJ levou-a a concluir que Luís Grilo foi morto a tiro, no quarto do casal, por Rosa Grilo e António Joaquim, e deixado depois no local onde foi encontrado. O triatleta foi assassinado a 15 de julho de 2018, por motivações de natureza financeira e sentimental: os seguros de vida no valor de 500 mil euros e a possibilidade de Rosa Grilo e o amante assumirem a relação. A tese da viúva é, no entanto, diferente: Luís Grilo terá morrido às mãos de três homens (dois angolanos e um “branco”) que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.