A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, admite que não será fácil para as autoridades e para os tribunais apurar se foram ou não cometidos crimes no que toca aos vários episódios de vacinação indevida que vieram a público no início do processo de distribuição das vacinas.

Numa entrevista ao Público em que abordou o problema da disseminação da corrupção em Portugal, a governante reconheceu que a polémica em torno das vacinas é condicionada para vários fatores e “os casos terão de ser analisados um a um“.

Um desses fatores é, por exemplo, o facto de as doses se estragarem “se não forem usadas”, sublinha a ministra. “Admito que se tenham verificado situações em que faz mais sentido usar a vacina no senhor da pastelaria do que desperdiçá-la”, diz Francisca van Dunem.

Covid-19. Casos de vacinação indevida aumentam e provocam demissões

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No caso das vacinas, não será muito fácil fazer a avaliação do ponto de vista criminal, a não ser naqueles contextos em que se nota que podendo haver uma alternativa se beneficiou pessoas em função de relações de proximidade tipo familiar ou outra”, assume. “Por que é que se foi buscar a mulher e não se foi buscar o vizinho que mora ao lado?”

“Percebo que perante uma realidade que não é imediatamente percecionada como crime as autoridades tenham maior prudência. Claro que havendo dúvidas cabe às autoridades investigar, criando alguma paz social”, acrescenta a governante.

Entre janeiro e fevereiro, multiplicaram-se de norte a sul de Portugal os casos polémicos de vacinação indevida de responsáveis políticos e administrativos, que passaram à frente dos grupos prioritários, bem como situações em que pessoas sem qualquer relação com a vacinação prioritária foram imunizadas para evitar que as doses fossem inutilizadas — foi o que aconteceu num caso do Porto, quando os funcionários de uma pastelaria e o dono de um restaurante próximos da delegação norte do INEM foram vacinados com as doses que sobraram.

Já há 33 inquéritos para investigar irregularidades na vacinação da Covid-19. Três envolvem autarcas

No final de fevereiro, o Ministério Público já tinha instaurado 33 inquéritos para averiguar irregularidades na vacinação, incluindo três casos que envolviam autarcas: Portimão, Reguengos de Monsaraz e Lisboa. Vários outros casos envolveram administradores hospitalares, tanto no setor público como no setor privado.

A controvérsia esteve na origem de várias demissões. Em Lisboa, o vereador vacinado com as sobras dos lares de idosos demitiu-se em fevereiro; no Porto, o responsável da delegação Norte do INEM saiu em janeiro. A demissão mais sonante foi, contudo, a do antigo coordenador da task-force responsável por implementar o plano de vacinação, o ex-secretário de Estado Francisco Ramos, que decidiu sair quando teve conhecimento de irregularidades no hospital da Cruz Vermelha, de que é presidente da comissão executiva. Francisco Ramos foi substituído na coordenação da vacinação pelo vice-almirante Henrique Gouveia e Melo.