Apesar do veto presidencial, o Partido Socialista fica “satisfeito pelo facto de não haver nenhuma objeção ao essencial da proposta”. A declaração do deputado Pedro Delgado Alves surge na sequência da nega de Marcelo Rebelo de Sousa, que devolveu à Assembleia da República o decreto sobre inseminação pós-morte, alegando que suscita dúvidas no plano do direito sucessório, relativos às heranças, e questionando a sua aplicação retroativa.
O deputado socialista, que faz parte do grupo de trabalho sobre Procriação Medicamente Assistida, diz à Rádio Observador que os argumentos do Presidente “não põem em causa o alargamento da possibilidade da inseminação pós-morte quando há um projeto parental com sentido e comum”. “Ou seja, o mais importante desta iniciativa legislativa não levantou nenhuma objeção”, explicou. Pedro Delgado Alves avança ainda com a forte possibilidade de a medida ser alterada pelos deputados: “Estamos a falar de dois aspetos de pormenor que podem ser trabalhados sem que haja muitas dificuldades de entendimento entre os partidos que votaram favoravelmente esta lei na Assembleia da República”.
Durante a fase de discussão deste projeto chegou a ser levantada a possibilidade de ser inconstitucional, mas o Presidente optou por não o enviar para o Palácio Ratton. Na opinião do deputado socialista, essa é uma questão que fica fechada com a devolução do diploma à Assembleia da República: “Se o Presidente tivesse essas reservas, já as tinha colocado”.
Do lado do PSD, “o veto do Presidente da República era expectável”. À Rádio Observador, a deputada Sandra Pereira defende que o projeto tem lacunas difíceis de resolver: “A questão da retroatividade é deliberada”.
A norma prevê que a mulher que queira engravidar do marido já falecido possa apresentar testemunhas que provem a vontade do homem de ter filhos, uma questão que continua a levantar dúvidas aos sociais democratas: “A prova testemunhal é feita perante quem? Normalmente é admitida por um juiz, que a avalia sob a sua livre convicção, mas não parece ser este o caso”.
Congratulando-se com a decisão presidencial, Sandra Pereira lembra que “as questões levantadas por Marcelo Rebelo de Sousa já tinham sido enunciadas pelo partido”. “Sabíamos que esta lei tinha debilidades do ponto de vista jurídico.”
Inseminação pós-morte. PSD sabia que “lei tinha debilidades do ponto de vista jurídico”
Eurico Reis lamenta veto do Presidente da República ao decreto sobre inseminação pós-morte
O juiz desembargador Eurico Reis lamentou o veto do Presidente da República, afirmando que “é mais um atraso” num processo em que “cada minuto que passa” contribui para a não concretização de ter filhos.
Contactado pela agência Lusa, Eurico Reis, que faz parte da Comissão Representativa da Iniciativa Legislativa de Cidadãos, lançada por uma mulher que quer engravidar do marido que morreu, e que deu origem ao projeto para consagrar a inseminação post mortem na lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), disse estar “muito triste” com esta decisão.
O facto de estar sempre a pensar que as pessoas vão utilizar estes direitos com má-fé, com objetivos menos corretos, do ponto de vista ético, é sempre algo que me deixa muito, muito, muito triste”, adiantou o juiz-desembargador.
Eurico Reis disse entender as preocupações quanto aos abusos, mas adiantou que “as normas em vigor já acautelavam suficientemente as situações que preocupam o Presidente da República”. “Ainda não sei qual é a posição dos partidos, mas presumo que será de introduzir correções e enviar novamente para o Presidente da República”, adiantou.
Contudo, lamentou, “é mais um atraso e, nestas situações, o tempo é terrível, porque cada minuto que passa é uma maior possibilidade de não concretizar o objetivo das pessoas que é ter filhos”.
“+Eu sinto-me muito incomodado porque, por um lado, andamos sempre a falar que não nascem crianças, mas depois quando há pessoas que, apesar da situação em que estamos, que não é boa, querem ter filhos e são-lhes colocados entraves, sobre entraves, obstáculos sobre obstáculos”, disse, questionando: “afinal, nós queremos que nasçam mais crianças em Portugal ou não queremos?”
Para Eurico Reis, o chefe de Estado não teve em conta este problema, que “também é grave”. Muito mais grave do que pensar na sordidez e na mesquinhice quando estamos a pensar em pessoas que querem concretizar desejos tão profundos como é o de ter filhos de pessoas que amaram e que já cá não estão”, vincou.
O juiz desembargador disse que terão de ser introduzidas “pequenas alterações” na legislação, mas, reiterou: “Vamos perder tempo e isso é terrível”.
“Vivemos tempos muito complicados e, portanto, aquela ideia de que o sonho é que comanda a vida infelizmente neste momento não é isso que acontece. Neste momento é a sordidez e a mesquinhez que comanda a nossa vida e nós estamos a pagar por isso e vamos continuar a pagar”, criticou.
Comentou ainda que “não está constitucionalmente previsto” que existe a obrigação de as pessoas serem infelizes. “É justo que tentemos buscar a nossa felicidade e é muito injusto que se coloque barreiras ao sonho”.
Na mensagem dirigida à Assembleia da República a propósito deste veto, o chefe de Estado pede aos deputados que reconsiderem as disposições “designadamente à luz do princípio da segurança jurídica e no contexto sistemático das demais normas relevantes do ordenamento jurídico nacional em matéria sucessória”.
Em causa está um decreto que permite o recurso à PMA através da inseminação com sémen após a morte do dador, nos casos de projetos parentais expressamente consentidos, aprovado em 25 de março com votos a favor de PS, BE, PCP, PAN, PEV e Iniciativa Liberal e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues, votos contra de PSD, CDS-PP e Chega e a abstenção de cinco deputados socialistas.