A missão de avaliação da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para Moçambique alertou para novos ataques de grupos armados que aterrorizam a província de Cabo Delgado, após o mês de Ramadão.
As possibilidade de novos ataques são altas, depois do Ramadão, mas isso não exclui a probabilidade de ataques durante o período de jejum” muçulmano, referiu um relatório da missão, consultado esta terça-feira pela Lusa.
O relatório, com a indicação de “restrito“, será submetido à reunião extraordinária do Comité Ministerial do Órgão da Política de Defesa e Segurança da SADC, agendada para quarta-feira em Maputo, e à Cimeira Extraordinária da Troika da SADC, marcada para o dia seguinte, também na capital moçambicana.
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A missão de avaliação observa que os recentes ataques em Cabo Delgado ocorreram pouco antes do mês sagrado muçulmano de Ramadão e desde então houve uma considerável acalmia nas atividades dos grupos armados. No documento admite-se que os grupos armados que aterrorizam o norte de Moçambique recebem financiamento internacional, através de meios de pagamento eletrónico.
Pensa-se que os financiadores [dos grupos armados] são principalmente indivíduos e organizações privadas da África do Sul, Tanzânia, República Democrática do Congo, Uganda, Burundi e outras partes do mundo”, apontou o relatório.
A outra fonte de financiamento dos grupos armados que protagonizam violência armada em Cabo Delgado são os ganhos dos “sindicatos” de crime organizado que exploram recursos naturais existentes no norte de Moçambique, tais como madeira, pedras preciosas, caça furtiva, e tráfico de droga.
Mas a principal forte de abastecimento dos terroristas é a Estado Islâmico Província da África Central (ISCAP, na sigla em inglês), organização terrorista filiada ao autoproclamado Estado Islâmico. A avaliação assinalou que não há informação sobre os fornecedores de armas usadas pelos grupos armados, mas no seu último ataque, à vila de Palma, em 24 de março, os insurgentes terão usado novo material bélico.
Algumas dessas armas terão sido levadas de soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) mortos em combate, mas não em grande número, assinalou o texto.
Os terroristas usam atualmente catanas, armas AK-47, RPG-7 e morteiros de 80 milímetros. Não há indicações de que os terroristas tenham na sua posse mísseis terra-ar”, referiu o documento.
Os insurgentes, prosseguiu, comunicam através de telefones satélites e telemóveis e recorrem, preferencialmente, à operadora móvel moçambicana Movitel.
A equipa de peritos da SADC que fez a avaliação notou que os insurgentes escolheram a província de Cabo Delgado como “o seu principal quartel general“, porque tem uma localização estratégica, graças ao fácil acesso ao mar, incapacidade das FADM de controlar as fronteiras marítimas, porosidade fronteiriça e presença de uma comunidade linguística entre Moçambique e Tanzânia, através da língua suaíli.
Por outro lado, o facto de Cabo Delgado ser uma província predominante muçulmana, a religião usada pelos insurgentes na sua retórica de guerra, e a facilidade na mobilidade de combatentes estrangeiros e de reabastecimento na fronteira entre Moçambique e Tanzânia, também pesaram para a escolha daquela província, notou o documento.
Os peritos apontaram como pontos fortes dos insurgentes a capacidade de recolha de informação, conhecimento do terreno, tradições, crenças e religião, além de gozarem de alguma simpatia por parte da população local. No seu relatório, a missão de avaliação para Moçambique da SADC vai propor o envio de 2.916 militares para ajudar o país no combate aos grupos armados.
A equipa de avaliação propõe o destacamento imediato de uma força de alerta da SADC para ajudar as FADM no combate à ameaça do terrorismo e atos de extremismo violento em Cabo Delgado”, lê-se no documento.
Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo jihadista Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes segundo o projeto de registo de conflitos ACLED e 714.000 deslocados de acordo com o governo moçambicano. O mais recente ataque contra a vila de Palma provocou dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.
As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.