A petrolífera Total anunciou esta segunda-feira motivos de “força maior” para retirar todo o pessoal do norte de Moçambique, onde tem em curso um projeto de gás natural liquefeito (LNG). A medida deve-se ao agravamento da violência armada por parte de forças rebeldes, com o ataque a Palma, junto ao projeto de gás.

Avaliado em 20 mil milhões de euros, trata-se do maior investimento privado em curso em África.

“Considerando a evolução da situação de segurança no norte da província de Cabo Delgado, em Moçambique, a Total confirma a retirada de todo o pessoal do projeto Moçambique LNG do local de Afungi. Esta situação leva a Total, como operadora do projeto Moçambique LNG, a declarar força maior”, lê-se no comunicado.

“A Total expressa a sua solidariedade para com o governo e povo de Moçambique e deseja que as ações desenvolvidas” pelo país e parceiros “permitam o restabelecimento da segurança e estabilidade na província de Cabo Delgado de forma sustentada”, conclui, sem mais esclarecimentos.

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É a primeira vez que a petrolífera recorre ao conceito de force majeure, usado em direito para justificar o incumprimento de determinadas obrigações com fatores externos.

Uma semana depois do ataque de 24 de março contra a sede de distrito de Palma, a petrolífera retirou todo o pessoal e abandonou por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás na península de Afungi, seis quilómetros a sul da vila.

O projeto tinha até agora início de produção previsto para 2024 e é nele que estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

Petrolífera Total diz que projeto foi suspenso mas não está cancelado

A petrolífera Total disse nesta segunda-feira à Lusa que o projeto de gás em Moçambique não foi cancelado, mas sim suspenso até que as condições de segurança permitam o reinício dos trabalhos na província de Afungi.

“No ambiente atual, a Total não pode continuar a operar na província de Cabo Delgado de maneira segura e eficiente, por isso todo o pessoal do projeto foi retirado do local e não voltará até que as condições o permitam”, disse fonte da petrolífera francesa em resposta à Lusa.

“A Total continua comprometida com Moçambique e com o desenvolvimento do projeto da Área 1 quando as condições o permitirem, e continuará a acompanhar a evolução da situação com grande atenção, em estreito contacto com as autoridades”, disse a porta-voz da empresa, quando questionada sobre se a declaração de “força maior” implica a suspensão ou o cancelamento do projeto. Anastasia Zhivulina referiu que “a ‘força maior’ foi declarada porque a Total é incapaz de cumprir as suas obrigações em resultado da severa deterioração da situação de segurança em Cabo Delgado, um assunto que está completamente fora do controlo da Total”, acrescentando que o projeto está suspenso, e não cancelado.

As declarações à Lusa a partir de Paris, a sede da empresa, surgem horas depois de a petrolífera ter justificado com motivos de “força maior” a retirada de todo o pessoal do norte de Moçambique.

Governo diz que Total “não abandonou”, apenas “suspendeu” as atividades

O governo de Moçambique assegurou esta segunda-feira que a petrolífera Total “não abandonou” o projeto de gás natural em Cabo Delgado, palco de alvo de ataques que causaram milhares de deslocados, mas apenas suspendeu as atividades “por tempo indefinido”.

“Quero, mais uma vez aqui, reafirmar que não houve e não há abandono da Total, o que houve foi uma suspensão das atividades, devido à insegurança que se vive na área”, afirmou o presidente do Instituto Nacional de Petróleos de Moçambique (INP), Carlos Zacarias, em conferência de imprensa. Para o governo, “está claro que a Total mantém as suas obrigações, no âmbito do contrato de pesquisa e produção de petróleo”, prosseguiu Zacarias.

Na conferência de imprensa que se seguiu ao anunciou da Total, o presidente do regulador do setor petrolífero em Moçambique considerou “prudente” a atitude da multinacional francesa, enfatizando a necessidade de “preservar e salvaguardar a segurança” de todas as pessoas envolvidas no empreendimento do consórcio na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.

Carlos Zacarias assinalou que a cláusula de “força maior” invocada pela Total vai ajudar a mitigar os custos incorridos pelo consórcio concessionário do projeto de gás e pelas empresas subcontratadas, mas não implica o fim do empreendimento. “O primeiro efeito é que [a invocação da cláusula de força maior] protege os dois lados, na medida em que irá mitigar mais custos que, eventualmente, possam ser incorridos por serviços que não podem ser providenciados”, sublinhou. No novo contexto, prosseguiu, a Total poderá discutir com as empresas contratadas as formas de minimizar o impacto negativo decorrente da paralisação.

O presidente do INP sublinhou que o projeto de produção de gás natural liquefeito do consórcio da petrolífera francesa será retomado, logo que forem garantidas as condições de segurança no distrito de Palma, onde estão sedeados os projetos de gás natural em Cabo Delgado. “Logo que as condições de segurança estiverem criadas e melhoradas, tenho a certeza que as atividades irão sendo retomadas, aliás, nós sabemos que, há pouco tempo, foi feito o fecho financeiro final, há fundos para prosseguir com o projeto”, enfatizou Carlos Zacarias.

Governo vai discutir com Total responsabilidade dos custos decorrestes da suspensão

O governo moçambicano vai discutir com a petrolífera Total a imputação dos custos decorrentes da suspensão do projeto de gás natural na província de Cabo Delgado, anunciou esta segunda-feira o Instituto Nacional de Petróleos (INP).

“Naturalmente, qualquer custo que, direta ou indiretamente seja provocado pela implementação do projeto, mais tarde terá que ser discutido com o Governo”, afirmou o presidente do INP, Carlos Zacarias, em conferência de imprensa, falando na sequência do anúncio feito pela petrolífera.

Questionado se os prejuízos acarretados pela paralisação do multimilionário projeto de gás natural serão imputados ao governo moçambicano, devido à incapacidade de proteger o empreendimento, o presidente do regulador petrolífero explicou que essa questão terá de ser discutida entre as partes.

“Nós temos uma equipa que faz a verificação dos custos que são recuperáveis e dos que não são recuperáveis. Naturalmente, para este caso concreto, nós sabemos que os trabalhos estavam sendo feitos, foram interrompidos”, declarou. O conceito de custos recuperáveis refere-se aos encargos assumidos pelas empresas concessionárias, mas passíveis de ressarcimento pelo Estado. “Temos que ser realistas” quanto à inevitabilidade de um impacto nas contas, porque “uma pequena alteração daquilo que eram as bases iniciais dos custos que tinham sido programados” irá abrir uma discussão sobre se tais valores “poderão ser tomados como recuperáveis”.

Carlos Zacarias admitiu que o impacto da suspensão das obras de construção do empreendimento da Total em Afungi poderá estender-se à relação com os compradores do gás natural liquefeito, cujos contratos já foram celebrados, com prazos de cumprimento definidos. “Há previsões [contratuais] que têm, naturalmente, em vista uma data e algumas penalizações de parte a parte, caso uma das partes não cumpra”, enfatizou. Se o atraso for muito maior, esse impacto será maior, disse.

Suspensão do projeto da Total “não impacta diretamente” as operações da Galp

O diretor de exploração e produção da Galp, Thore Kristiansen, afirmou nesta segunda-feira que a suspensão das operações da Total no projeto de gás de Cabo Delgado, em Moçambique, “não impacta diretamente” as operações da petrolífera portuguesa na região.

“Não nos impacta diretamente, porque as operações em curso na Área 4 continuam a ser para otimizar e para melhorar o produto, de forma a fazê-lo progredir na cadeia de valor”, afirmou Thore E. Kristiansen durante um webcast para apresentação dos resultados do primeiro trimestre da petrolífera.

Questionado relativamente à suspensão de operações nesta segunda-feira confirmada pela petrolífera Total, o diretor de operações da Galp reconheceu que “a situação em Cabo Delgado é muito grave”, pelo que “é compreensível que tenha, primeiro, de ser controlada para poder garantir a segurança das pessoas que lá trabalham”.

A portuguesa Galp, a Kogas (Coreia do Sul) e a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (Moçambique) detêm, cada uma, uma participação de 10% num consórcio de exploração e gás natural da Área 4 da bacia do Rovuma, ao largo da costa de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, liderado pela petrolífera italiana Eni e pela americana ExxonMobil.

“Força Maior” mantém-se até Governo restaurar segurança, afirma Total

A suspensão dos trabalhos decorrente da “Declaração de Força Maior” no projeto da petrolífera Total em Moçambique vai manter-se em vigor até que o Governo garanta a segurança na província de forma verificável e sustentável.

“A força maior vai continuar em vigor até que o Governo de Moçambique tenha restaurado a segurança e a estabilidade na província de Cabo Delgado de forma verificável e sustentável”, disse a porta-voz da Total, Anastasia Zhivulina, quando questionada pela Lusa sobre qual a previsão de duração da suspensão dos trabalhos.

É ainda demasiado cedo para fornecer um calendário atualizado do projeto, mas haverá uma consequência”, acrescentou, referindo-se ao atraso motivado pela retirada dos trabalhadores no seguimento dos ataques a Palma, a 24 de março.

Artigo atualizado às 11h33 com a informação da petrolífera de que o projeto não foi cancelado; às 12h08 com o governo a assegurar que a petrolífera “não abandonou”; às 14h07 com o anúncio de que o governo vai discutir responsabilidade dos custos; às 14h35 com as afirmações do diretor de exploração e produção da Galp e às 17h30 com o Total a dizer que até que o  governo não restaure a segurança, a suspensão irá manter-se.