O Parlamento Europeu (PE) voltou esta quinta-feira a tecer fortes críticas ao Governo de António Costa pela gestão que fez do caso do procurador europeu. Os eurodeputados manifestaram “profunda preocupação” com as “informações erróneas” enviadas pelo Ministério da Justiça “sobre as qualificações e a experiência” do procurador José Guerra — que ficou em “segundo lugar no comité de seleção europeu” mas veio a ser nomeado pelo Conselho da União Europeia por imposição e decisão da ministra Francisca Van Dunem.
As afirmações podem ser lidas no relatório sobre a quitação pela execução do orçamento geral da União Europeia para o exercício de 2019, sendo que as críticas ao Governo português constam da Secção II — Conselho Europeu e Conselho, nomeadamente sobre o “Papel do Conselho na nomeação dos procuradores europeus para a Procuradoria Europeia”.
O documento foi aprovado com 633 votos a favor, 39 contra e 18 abstenções. O grupo parlamento dos Socialistas e Democratas (que inclui o PS português) tentou apresentar uma emenda a essa parte do relatório mas foi chumbada.
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No relatório, cujo autor é o eurodeputado Pascal Durand (Renew Europeu/liberais), pode ler-se que o Parlamento Europeu “manifesta profunda preocupação com as revelações dos meios de comunicação social segundo as quais o Governo português transmitiu ao Conselho informações erróneas sobre as qualificações e a experiência do candidato classificado em segundo lugar pelo comité de seleção europeu, o que conduziu à sua nomeação para o cargo de procurador europeu português.
É ainda recordado no mesmo documento que a “27 de julho de 2020, a Áustria, a Estónia, o Luxemburgo e os Países Baixos publicaram uma declaração na qual se destacava que «há que evitar a concorrência entre as classificações dos comités de seleção nacionais e a classificação do comité de seleção europeu, sob pena de erodir a componente europeia do processo de nomeação»”, lê-se no relatório.
Recorde-se que o comité de seleção do Conselho Europeu classificou em primeiro lugar a procuradora Ana Carla Almeida pela sua experiência na investigação de casos relacionados com desvios de fundos europeus mas a ministra Francisca Van Dunem, seguindo um parecer polémico do Conselho Superior do Ministério Público (ver aqui), impôs o nome do procurador José Guerra. Tendo os governos nacionais poder de veto sobre a avaliação do painel de especialistas independentes do Conselho, prevaleceu a escolha do Governo português.
Caso do procurador. José Guerra não foi a primeira escolha do Governo
Os eurodeputados recordam no relatório que os “procuradores europeus devem ser independentes e que qualquer suspeita de intervenção de um governo nacional a favor de um candidato contra a recomendação do comité de seleção europeu teria um impacto extremamente negativo na reputação, na integridade e na independência da Procuradoria Europeia enquanto instituição.
O Parlamento Europeu “lamenta” igualmente que o “Conselho não tenha respondido de forma adequada a várias perguntas escritas apresentadas por deputados ao Parlamento Europeu entre julho e setembro de 2020, nas quais se solicitava ao Conselho que indicasse as razões que o levaram a não seguir as recomendações do comité de seleção europeu e que prestasse esclarecimentos sobre o processo de avaliação que lhe permitiu decidir não seguir as recomendações do comité de seleção europeu.
Recorde-se que, tal como o Observador noticiou, a procuradora Ana Carla Almeida decidiu avançar com uma queixa no Tribunal Geral de Justiça da União Europeia contra o Conselho da União Europeia a propósito do concurso para o colégio da Procuradoria Europeia. Uma queixa que ainda está a ser analisada mas que tem um objetivo simples: anular a deliberação do Conselho da União Europeia que, por interferência da ministra Francisca Van Dunem, nomeou o procurador José Guerra para a Procuradoria Europeia.
Caso do procurador. Ana Carla Almeida avança com queixa judicial para anular nomeação de José Guerra
A ministra da Justiça, Francisca van Dunen, já nomeou, entretanto, os quatro procuradores delegados e apelou, em 11 de março, aos 22 Estados-membros que fazem parte da Procuradoria a avançarem com as suas escolhas. Tudo para que o organismo esteja operacional ainda este semestre, durante a presidência portuguesa do Conselho da UE.
A Procuradoria Europeia vai ter competência criminal para investigar todos os casos de desvios de fundos europeus e de outros casos que atentem contra os interesses financeiros da União Europeia. No caso de Portugal, o Ministério Público perderá essas competências de investigação para a Procuradoria Europeia.