A decisão do Presidente da República chegou num telefonema feito pelo próprio Marcelo Rebelo de Sousa para António Piçarra na terça-feira da semana passada, dia 4 de maio. Nessa chamada, Marcelo fez saber ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não concordava com o desenho da cerimónia de reinauguração do edifício do tribunal, marcada para esta quinta-feira, 13 de maio.

Na proposta de programa enviada ao Palácio de Belém na semana passada previa-se que discursassem todas as figuras que, habitualmente, também o fazem nas cerimónias de abertura do ano judicial: Presidente da República, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, procuradora-geral da República, ministra da Justiça e bastonário da Ordem dos Advogados. A consulta a Marcelo Rebelo de Sousa para aprovação desse programa é uma formalidade imposta pelo protocolo — o Presidente tem a prerrogativa de não aceitar os moldes de uma cerimónia para a qual está a ser convidado —, mas ninguém esperava que se opusesse, sobretudo tendo em conta que, por causa da pandemia, não houve este ano qualquer outra cerimónia onde se ouvissem as vozes da justiça.

Aliás, numa entrevista dada há um mês à Agência Lusa, o próprio António Piçarra explicava que, apesar de achar que a habitual cerimónia de abertura do ano judicial (que esteve marcada para 27 de janeiro, mas foi cancelada por causa do confinamento) não vai mesmo realizar-se este ano, haveria uma cerimónia pública, com personalidades do judiciário e da política, para inaugurar as renovadas instalações do Supremo Tribunal.

Essa ideia, porém, esbarrou na decisão de Marcelo, que telefonou a Piçarra para lhe dizer “não”: na cerimónia que marca o regresso ao edifício da Praça do Comércio, que esteve em obras desde 2018, apenas poderão discursar ele próprio e o anfitrião, evitando transformar o momento numa espécie de mini-abertura do ano judicial.

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O “veto” apanhou o Supremo Tribunal de surpresa, além de alguns dos habituais participantes, que contavam usar da palavra na próxima semana. O bastonário da Ordem dos Advogados, por exemplo, só na quinta-feira passada foi informado de que, afinal, já não discursaria na cerimónia. Ao Observador, confirma que “ao início estava previsto, de facto, que todos discursassem”, mas, “segundo consta, foi feita uma indicação para reduzir a cerimónia”. “Ontem fui informado de que seria apenas o presidente do Supremo e o Presidente da República”, relata Luís Menezes Leitão, que remete a decisão para o Supremo.

O bastonário diz que até entende que se tenha decidido não fazer desta cerimónia uma abertura do ano judicial, por terem funções diferentes, mas lamenta que o evento que marca anualmente a justiça não aconteça em 2021: “Devia ter havido abertura do ano judicial e seria importante que as entidades da justiça falassem“.

Marcelo afinal também não discursa

O Observador contactou Marcelo Rebelo de Sousa, mas não obteve, até agora, qualquer resposta. Esse contacto, porém, terá feito somar uma nova mudança no programa. Na terça-feira à tarde, o gabinete do Presidente da República contactou o gabinete do Supremo Tribunal de Justiça para comunicar que, afinal, Marcelo também não discursaria, deixando António Piçarra sozinho na lista de oradores, já depois de o programa oficial ter sido enviado às redações.

Ainda antes, contactado pelo Observador, o gabinete de António Piçarra tinha posto água na fervura. Em resposta escrita recebida na semana passada, explicava que “a cerimónia é de reinauguração” e, por isso, “fala o dono da casa e a primeira figura do Estado e garante do regular funcionamento das instituições”, por ser esse “o formato adequado à ocasião”. O Supremo Tribunal garantia ainda que “não existiu qualquer ‘versão original’ do programa”, mas admitia que houve “conversas e documentos de trabalho que apontaram a possibilidade de, ou fazer coincidir a cerimónia de reinauguração com a abertura do ano judicial ou fazer da reinauguração um momento de intervenção pública alargada dos principais intervenientes do sistema de justiça, na falta de cerimónia de abertura do ano judicial (que esteve agendada para 27/1 e não se realizou devido à pandemia)” — possibilidades que “foram depois afastadas”.

E quem tomou a decisão de as afastar? António Piçarra assume a responsabilidade ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa. A resposta enviada ao Observador diz que “os dois Presidentes (PR e STJ), concretizando a forma da cerimónia, entenderam que esta devia cingir-se ao seu propósito direto de reinauguração, daí o programa elaborado, que é único”, lembrando que “sendo convidado o Chefe de Estado”, deve haver “uma normal avaliação conjunta prévia do programa do evento”.

Depois acrescenta que “o presidente do STJ, sendo o anfitrião, não poderia deixar de ser quem fez esta definição final, necessariamente em consonância com o Chefe de Estado”, definição essa que prejudicou as “ideias de trabalho para uma cerimónia mais alargada”. Ao Observador, António Piçarra admite apenas uma coisa: “O Presidente do STJ gostaria, de facto, que tivesse havido cerimónia de abertura do ano judicial mas, no contexto de pandemia, entende perfeitamente a sua não realização”.

* com Rui Pedro Antunes