O parlamento vai discutir a atribuição do estatuto de vítima às crianças que vivem em contexto de violência doméstica, através de uma petição com mais de 48 mil assinaturas e quatro projetos de lei.

A petição, que reuniu 48.053 assinaturas, pede urgência em legislar para proteger as crianças que vivem num contexto familiar de violência doméstica.

Sabe-se hoje, como todos os estudos na área demonstram, que as crianças que assistem a episódios de violência na família e que vivenciam ambientes violentos no seu dia a dia, desenvolvem várias patologias, físicas e psíquicas, que afetam profundamente o seu desenvolvimento, impedindo-as de crescer de forma harmoniosa, marcando irreversivelmente o curso da sua vida até a fase adulta”, lê-se no texto da petição.

Os peticionários lembram que a capacidade de a criança construir as bases de uma vida adulta realizada e feliz depende de uma infância segura e com afeto e defendem que não é realista a ideia de que as normas legais atualmente existentes já permitem a proteção das crianças. “Urge, por isso, aprovar medidas legislativas urgentes que respondam a essa necessidade, garantindo às crianças vítimas esse estatuto legal, o qual, infelizmente, já corresponde ao seu estatuto real”, dizem os peticionários.

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A par da petição, vão ser discutidos quatro projetos de lei, dois dos quais apresentados pela deputada não inscrita Cristina Rodrigues, pelo reforço da proteção de crianças e jovens que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem e pelo reforço do direito das crianças à participação efetiva nas decisões que lhes digam respeito, alterando o regime tutelar educativo.

Relativamente ao primeiro projeto de lei, a deputada propõe uma alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas para que o segundo artigo seja alterado e a definição de vítima particularmente vulnerável passe a incluir “as crianças que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem”.

Por outro lado, relativamente ao Código Penal, propõe pena de prisão de dois a cinco anos a quem causar maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a filho ou adotado menor ou outra criança que com ele coabite.

Quem expuser o menor a uma situação de violência doméstica deve ser punido com pena de prisão de um a cinco anos, enquanto se houver difusão na internet ou outros meios de dados pessoais relativos à intimidade das vítimas a pena será de dois a cinco anos de prisão.

Entre outras alterações ao Código Penal, a deputada Cristina Rodrigues pede também a inibição das responsabilidades parentais para quem for condenado pelo crime de violência doméstica.

O projeto de lei do CDS-PP também vai no sentido da consagração de um estatuto de vítimas para as crianças que testemunhem ou vivam num contexto de violência doméstica, propondo uma alteração ao Código de Processo Penal que, no artigo 67.º A, que passaria também considerar a definição de “vítima especialmente vulnerável”, alguém “cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência”, incluindo “crianças expostas a contexto de violência doméstica ou que testemunhem a prática desse crime”.

O partido propõe igualmente alterações ao Código Penal, com penas de prisão de dois a cinco anos quando os crimes são contra uma criança que está a cargo do agressor, bem como nos casos de difusão de material não autorizado da vida privada ou pena de prisão de dois a oito anos se resultar ofensa à integridade física ou pena de três a dez anos se resultar morte. Por outro lado, admite que sejam aplicadas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e a frequência de programas específicos de prevenção da violência e de reforço da parentalidade.

O deputado único do partido Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, também apresenta um projeto de lei com o objetivo de “autonomizar expressamente as crianças que testemunhem a realidade da violência doméstica enquanto vítimas de crime”. Nesse sentido, o partido propõe a criação do “tipo legal do crime de exposição de menor a violência doméstica”, indo ao encontro dos restantes projetos de lei na intenção de que estas crianças sejam consideradas vítimas especialmente vulneráveis.