A autorização dada pelo Ministério das Finanças ao Fundo de Resolução para realizar a injeção de 429 milhões de euros no Novo Banco condiciona o montante que pode, a curto prazo, ser pago ao banco. A condição é que sejam concluídas diligências relativas a uma parte desse pagamento, mais de 100 milhões de euros, em resultado de uma situação detetada pela auditoria da Deloitte sobre o tratamento contabilístico dado pelo Novo Banco à dívida pública que teve impacto nas necessidades de capital.

Este condicionamento foi revelado pelo secretário-geral do Fundo de Resolução, João Freitas, na audição realizada esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito às perdas do Novo Banco. Segundo João Freitas, o Governo autorizou a despesa de 429 milhões de euros do Fundo com o pagamento ao banco no início da semana. No entanto, solicitou, “em relação a um aspeto particular, que o Fundo promova diligências complementares”. Essas diligências estão relacionadas com uma matéria identificada pela Deloitte e referem-se ao facto de o Novo Banco não ter usado contabilidade de cobertura na carteira de títulos de dívida pública de longo prazo, o que, se o tivesse feito, teria permitido poupança de capital, e nessa medida, reduzido a chamada de capital feita em 2020 (que é relativa ao ano de 2019).

O Fundo de Resolução promoveu já em abril um conjunto de diligências para averiguar essa situação, mas estas não estão concluídas, explicou João Freitas ao deputado do PSD Hugo Carneiro. “O despacho que recebemos do Governo é no sentido de que, tendo sido autorizada a despesa dos 429 milhões de euros, devem ser concluídas as diligências antes de realizar a despesa no que diz respeito ao montante que está em causa nesta situação”. João Freitas não quantificou esse montante, mas o Observador sabe que será superior a 100 milhões de euros, ou seja, cerca de um quarto do pagamento aprovado.

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Com luz verde para realizar a despesa e depois de fechado um empréstimo com sete bancos para financiar a injeção no Novo Banco, o Fundo de Resolução “está em condições de fazer o pagamento nos próximos dias”, mas apenas sobre o montante que não diz respeito às averiguações em curso, sinalizou ainda João Freitas.  Quanto ao outro montante, em relação ao qual o Governo considera que devem ser feitas estas diligências, “elas devem estar concluídas porque na ausência delas o Fundo não tem autorização para fazer a despesa. Terá de as concluir”.

Na audição ficou claro que o Fundo de Resolução discorda desta condição, tendo o entendimento que a situação em causa “não tem uma relação direta com este pagamento”. O Fundo comunicou ao Governo que a injeção devida, depois de todas as verificações feitas, é de 429 milhões de euros. Face aos 598 milhões de euros pedidos pelo banco, foram retiradas três parcelas — uma relativa à imparidade constituída antecipadamente para a venda filial espanhola, outra de 18 milhões de euros de desvalorização em excesso dos fundos de reestruturação, e quatro milhões de euros de bónus atribuídos aos gestores do banco.

A divergência com o Ministério das Finanças sobre o montante da injeção devida foi referida, mas não sublinhada por João Freitas que remeteu mais esclarecimentos sobre o tema para a audição que se vai realizar esta quarta-feira com o ministro das Finanças. No entanto, há quem receie que esta condição possa configurar um incumprimento do contrato de venda do Novo Banco.

Questionado sobre a obrigação de pagamento de juros em caso de atraso no pagamento ao Novo Banco, face ao prazo contratual, o responsável confirmou ainda que o contrato de venda prevê o pagamento de juros de mora em caso de atraso da injeção (a partir de um mês) se for por razões imputáveis ao Fundo de Resolução. Ora a não autorização para realizar uma parte da despesa até à conclusão das tais diligências, é uma condição imposta no despacho do Ministério das Finanças.

O Observador questionou o Ministério das Finanças sobre o teor da autorização dada ao Fundo de Resolução e, em concreto sobre se o resultado das tais diligências pode condicionar não só o calendário, mas também o montante final do pagamento ao Novo Banco este ano, mas não obteve até agora resposta.

Por trás desta situação inédita nas injeções anuais ao Novo Banco está uma conclusão da auditoria independente da Deloitte realizada à gestão em 2019, segundo a qual houve que opções aumentaram necessidades de capital e que nada têm a ver com perdas nos ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingente.

As decisões da gestão de investimento e cobertura de risco que pesaram no capital

Segundo o documento divulgado este ano, o Novo Banco aumentou em 963 milhões de euros, mais de 100% o montante de ativos ponderados pelo risco (no caso de riscos de mercado), o que implicou uma necessidade adicional de capital de 130 milhões de euros. Este aumento para 1.857 milhões de euros é explicado no essencial pela classificação de derivados no trading book (carteira de negociação) que foram contratados pelo banco para cobertura do risco de taxa de juro associado a obrigações de dívida pública. Esses títulos foram adquiridos para gestão de liquidez e cumprimento de rácios regulamentares, no quadro da política de apetite pelo risco aprovada pelo banco em 2019.

A auditora considera que os requisitos de capital que foram originados por esta situação “não têm equivalência no incremento de risco de balanço do banco,  resultando essencialmente na interpretação de critérios de classificação de exposições no cálculo de requisitos de capital e da não utilização da opção de contabilidade de cobertura que é permitida na norma (contabilística) IFRS 9”.

O Novo Banco justifica não ter aplicado a contabilidade de cobertura para estes derivados por considerar que não estavam reunidas as condições para a utilizar, referindo ainda que isso implicaria uma perda de flexibilidade na gestão e liquidação destes instrumentos. Porém, a Deloitte assinala que existem “instituições financeiras que utilizam a contabilidade de cobertura em relações de cobertura análogas”. Ainda que, e sem prejuízo dos aspetos referidos, tenha verificado que a carteira de investimento do banco teve em termos globais um impacto positivo na evolução dos rácios de capital desse ano.

Esta não foi a única decisão de investimento em divida soberana que suscitou reparos da Deloitte e do Tribunal de Contas, mas é mais expressiva em termos de impacto. As auditorias em causa assinalaram também uma revisão da política em 2019 que aumentou o limite para o risco cambial, justificada com uma estratégia de diversificação e gestão de liquidez, bem como de aumento da margem financeira e rentabilidade do banco. Daqui resultou um reforço do investimento em dívida soberana de países do euro denominada em outras moedas que introduziu um risco cambial que levou à necessidade de mais cobertura de capital da ordem dos 21 milhões de euros.

A Deloitte aponta ainda para o caso de um investimento de 210 milhões de euros que aumentou a exposição do banco a dívida pública portuguesa denominada em dólares que conduziu a uma subida dos ativos ponderados pelo risco gerando necessidades adicionais de capital de 14 milhões de euros. A auditora conclui que “não foi obtida evidência de ter sido realizada uma análise sobre o impacto nos requisitos de capital da contratação destas posições para a carteira de investimento do Banco previamente ao momento da alteração da Política de Investimento ou ao momento da contratação das operações.”