Muito se especulou e, mais uma vez, ninguém acertou. A Ferrari tem por hábito surpreender nas designações que escolhe para os seus novos modelos e voltou a não desiludir. Houve quem arriscasse que o segundo híbrido plug-in (PHEV) do construtor de Maranello adoptaria o “SF” na denominação comercial, em linha com o seu primeiro PHEV (SF90 Stradale), ou que incluiria “Dino” no nome, remetendo para o regresso do V6 em carros de estrada. Mas nem um palpite nem o outro se confirmam: o mais recente desportivo a exibir o emblema do Cavallino Rampante chama-se 296 GTB.
A explicação para tal escolha não poderia ser mais racional, o que não deixa de ser curioso num desportivo que pretende impor-se pela emoção ao volante (o mote deste Ferrari é “defining fun to drive”). O 296 alude à cilindrada (2,9 litros) e ao número de cilindros (6, dispostos em V), com o acrónimo a sintetizar a filosofia da nova criação: estamos perante um Gran Turismo Berlinetta (GTB) que, por direito próprio, pretende inaugurar um novo segmento, sem a veleidade de substituir o F8 Tributo. Pelo contrário, vai posicionar-se na gama do fabricante italiano entre o F8 e o SF90 Stradale, o que justifica um preço estimado de cerca de 322.000€ no mercado português – valor ainda sujeito a confirmação, de que dependerá a decisão final a ser tomada pela rede comercial.
Com 4,57 metros de comprimento, 1,96 m de largura e uma distância entre eixos de 2,6 m (50 mm mais curto do que as anteriores berlinettas com motor em posição central traseira, para incrementar a agilidade), o novo 296 GTB exibe uma estética tão simples e, ao mesmo tempo, tão impactante que não deve ter sido nada fácil fazer este exercício de estilo com o quesito de conciliar elegância e desportividade, numa forma “pura”, nas palavras do responsável de Design Flavio Manzioni, e ao mesmo tempo eficaz, do ponto de vista aerodinâmico. Mas, à boa maneira da Ferrari, a estética só é feliz e intemporal se conseguir casar harmoniosamente “simplicidade e funcionalidade”.
Exemplos disso não faltam neste GTB, bastando atentar, por exemplo, na forma como o spoiler activo é integrado na secção traseira, lembrando o LaFerrari, por um lado e, por outro, potenciando o apoio aerodinâmico que chega a ser de 360 kg a 250 km/h com pack opcional Asseto Fiorano. Este pacote extra reduz o peso e incrementa a eficácia em circuito, com direito a uma decoração e suspensão específicas (amortecedores não reguláveis em dureza, como no standard), sendo especialmente indicado para os clientes que pretendem tirar partido em pista do seu Ferrari do dia-a-dia. O preço no mercado português do 296 GTB com este pack poderá rondar os 362.000€.
Com detalhes como o facto de “juntar” o pára-brisas aos vidros laterais, numa clara evocação do J50, o mais recente membro da família Ferrari não parece deixar nenhum pormenor ao acaso. E isso é particularmente notório no domínio técnico.
Então, e a mecânica?
A marca italiana volta a surpreender e, duplamente, pois o novo 296 GTB traz novidades não só no que respeita ao motor a combustão, mas também no apoio eléctrico.
Começando pelo primeiro, convirá realçar que, apesar de associarmos o V6 ao “Dino”, este era um Ferrari que nunca teve o direito de ostentar o emblema da marca, o que converte a nova berlinetta compacta de dois lugares no primeiro Cavallino Rampante de série (oficialmente) a montar um seis cilindros em V. Mas a Ferrari tem a vantagem de possuir know-how na competição com os V6 (na década de 60) e capitalizou no 296 GTB a experiência e o conhecimento adquiridos em mais de 70 anos no desporto automóvel. Resultado: 663 cv extraídos de um motor a gasolina com 2992 cm3, soprado por dois turbocompressores IHI, capazes de girar até às 180.000 rpm (o que é uma brutalidade, pois o normal fixa-se nas 150.000 rpm), simetricamente posicionados entre os seis cilindros em V a 120º. O facto de as bancadas serem tão abertas permite não só baixar o centro de gravidade, como também poupar peso. Missão a que se aliam, por exemplo, os colectores de escape e o catalisador, feitos com uma liga de aço de níquel mais leve mas mais resistente, sobretudo quando submetida a temperaturas muito elevadas. E, num modelo que se presta a ser divertido ao volante, a sonoridade foi especialmente trabalhada para inebriar a condução. Objectivo cumprido? Nada como ouvir (e ver) o 296 GTB em acção:
Além de ter inovado no motor a combustão do seu segundo PHEV, quando muitos esperavam ser apenas uma evolução do Nettuno usado pela Maserati no MC20, a Ferrari contraria as expectativas de fazer do 296 GTB uma réplica em ponto pequeno do SF90 Stradale e, ao invés de o dotar com três motores eléctricos, concentrou-se apenas num, com 167 cv (122 kW). É entre o V6 e a transmissão (a mesma caixa automática de dupla embraiagem com oito velocidades do SF90), ambos refrigerados pelos radiadores que se encontram na lateral do pára-choques dianteiro, que se encontra o único motor eléctrico deste PHEV, que é alimentado por uma bateria com uma capacidade ligeiramente inferior à do SF90 Stradale (7,45 contra 7,9 kWh ). O acumulador permite ao Ferrari percorrer uma distância de 25 quilómetros em modo EV, o mesmo do SF90 Stradale, não podendo nesse caso a velocidade máxima exceder os 135 km/h.
Rodar com zero emissões é bom para o ambiente, mas a Ferrari é peremptória ao afirmar que, quando se socorre da electrificação, o principal intuito não é reduzir as emissões, mas sim potenciar o rendimento. Daí que não haja qualquer referência – nem meramente indicativa – quanto ao consumo, o que é natural uma vez que deste registo ainda está sujeito a homologação, atendendo a que a entrega das primeiras unidades está prevista para o primeiro trimestre do próximo ano.
A diversão em números
Com uma potência combinada de 830 cv às 8000 rpm (uma relação peso/potência de 1,77 kg/cv), a berlinetta mais compacta saída de Maranello na última década consegue ultrapassar os 330 km/h de velocidade máxima, ou seja, pouco menos que o F8 Tributo (340 km/h), depois de passar pelos 0-100 km/h em 2,9 segundos (o mesmo tempo do F8 Tributo com 721 cv) e atingir os 200 km/h em 7,3 segundos.
Mas, fiel ao princípio que desportivo que se preze é tão bom a acelerar como a travar, a Ferrari tratou de equipar o 296 GTB com um novo sensor para a dinâmica do chassi que, segundo a marca, incrementa o controlo do veículo, aumentando a segurança na mesma proporção que assegura uma melhor performance. Trata-se do 6w-CDS, um sensor dinâmico de chassi de 6 vias, que é inédito na indústria automóvel, e que permite encurtar as distâncias de travagem a seco. E isso leva a Ferrari a realçar que, de 200 a 0 km/h, o novo 296 GTB precisa de apenas 107 metros para mostrar toda a sua eficácia. Afinal de contas, este é um carro para ser utilizado no quotidiano, sem que a emoção ao volante seja sinónimo de susto… Por isso mesmo, a Ferrari concebeu novos recursos especificamente para o 296 GTB, nomeadamente o Transition Manager Actuator (TMA) e o já mencionado 6w-CDS. E isso permite que a electrónica facilite a vida do condutor, com novas funções como o controlador ABS evo, que cruza os dados recolhidos pelo 6w-CDS com a estimativa de aderência do EPS.
E bate o McLaren Artura? Depende…
Com um peso a seco de 1470 kg, em que 40,5% da massa incide no eixo da frente e 59,5% atrás, o 296 GTB acusa sobre a balança mais 28 kg do que o seu principal rival, o McLaren Artura (1498 kg), que também deita mão a um V6 biturbo de 3,0 litros (produzido pela Ricardo), o qual debita 585 cv de potência a que se juntam os 95 cv de uma unidade eléctrica alimentada por uma bateria com praticamente a mesma capacidade do 296 GTB (7,4 kWh úteis).
O desportivo de Woking perde largamente em potência para o adversário italiano (são 830 cv contra 680 cv, menos 150 cv!), mas isso acaba por não ser muito evidente no sprint de 0-100 km/h, em que ficam separados apenas por uma décima de segundo (2,9 versus 3 segundos). O McLaren perde no torque (720 Nm contra 740 Nm), mas ganha 5 km no alcance em modo eléctrico e defende a sua posição na velocidade máxima, limitada a 330 km/h, algo que a Ferrari diz superar.
Ao que parece, o PHEV britânico será mais acessível que o Ferrari, pois o preço apontado para o Reino Unido é de cerca de 213.000€, mas o Cavallino Rampante não vai em modas e tem direito a uma marcha-atrás “a sério”, ao contrário do Artura e do SF90 Stradale. E, já antecipando o caminho pela frente, é expectável que o tão aguardado Purosange, o primeiro SUV da Ferrari, capitalize todas as inovações introduzidas pelo elemento mais jovem da família.