A variante Delta já representa mais de metade dos novos casos de infeção com SARS-CoV-2 nos Estados Unidos, reporta a CNN (e 90% em Portugal, segundo o último relatório do Instituto Ricardo Jorge). A vacinação com duas doses continua a ser eficaz na prevenção de doença grave — conforme reforçou um artigo da Nature publicado esta quinta-feira —, mas apenas metade da população norte-americana está já totalmente vacinada. Com a agravante que uma larga parte da população (mais de 40%) ser obesa, um fator de risco para a Covid-19.

Devemos pensar na variante Delta como a versão da Covid-19 de 2020 a tomar esteroides”, disse o antigo conselheiro do Presidente Biden na resposta à pandemia, Andy Slavitt, numa analogia com as hormonas que os culturistas tomam para aumentar a massa muscular. “É duas vezes mais infecciosa.”

O conselheiro acrescenta que agora, ao contrário de 2020, existe uma forma de travar a disseminação da variante: a vacina. É verdade que as novas variantes têm arranjado estratégias para se escaparem aos anticorpos — especialmente aos anticorpos monoclonais (fabricados em laboratório), dirigidos a partes específicas da proteína spike do vírus, ou aos anticorpos neutralizantes do plasma de doentes convalescentes. Mas também é verdade que as vacinas continuam a desencadear a produção de anticorpos capazes de neutralizar o vírus.

Todas as vacinas aprovadas na União Europeia parecem proteger contra variantes

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A equipa liderada por Olivier Schwartz, investigador no Instituto Pasteur (Paris), verificou que apenas 10% das pessoas que receberam uma dose das vacinas Pfizer/BioNTech ou Oxford/AstraZeneca conseguiriam neutralizar a variante Delta (de acordo com uma experiência com o plasma das pessoas vacinadas). Mas após a segunda dose, mais de 80% tinham capacidade para neutralizar a Delta, ainda que os anticorpos fossem menos potentes contra esta variante do que contra outras variantes anteriores, reportam no artigo da Nature.

Os investigadores verificaram ainda que as pessoas vacinadas depois de terem estado infetadas desenvolveram uma resposta imunitária acima do limiar da neutralização, reforçando a ideia de que uma dose da vacina funciona como um reforço a quem esteve infetado com o SARS-CoV-2.

Para precaver a eventual diminuição da eficácia contra a variante Delta ou outras variantes que venham a surgir, a Pfizer/BioNTech vai pedir autorização ao regulador norte-americano (FDA, Food and Drug Administration) para o uso de uma terceira vacina de reforço — seis a 12 meses depois da segunda dose — e está já a trabalhar numa nova versão da vacina que esteja melhor adaptada contra estas variantes mais infecciosas.

Pfizer quer aprovar terceira dose da vacina para aumentar imunidade

Ainda assim, a incerteza em relação ao impacto da variante Delta sobre as pessoas vacinadas, leva os especialistas norte-americanos a pedirem que as pessoas vacinadas também sejam testadas para perceber se a Delta se está a conseguir escapar ao sistema imunitário ou não, conforme noticia a CNN.

EUA. Casos aumentam onde há menos vacinação

O número de novos casos e internamentos estão a aumentar novamente nos Estados Unidos, mas sobretudo nas regiões com a taxa de vacinação contra a Covid-19 mais baixa, refere a CNN, citando a diretora dos Centros para o Controlo e Prevenção da Doença, Rochelle Walensky.

Condados com baixas taxas de vacinação, aliadas a uma taxa elevada de novos casos — e políticas de mitigação frouxas que não protegem aqueles que não foram vacinados contra a doença —  levarão certamente, e infelizmente, a mais sofrimento desnecessário, internamentos e potencialmente mortes”, disse Rochelle Walensky numa reunião na Casa Branca.

Investigadores da Universidade de Georgetown identificaram 30 condados onde as taxas de vacinação são baixas comparativamente com o grande número de habitantes, reporta a CNN. As cinco bolsas de risco mais significativas localizam-se no sul do país, sobretudo sudeste. “Algumas partes do país estão tão ou mais vulneráveis do que em dezembro de 2020”, disse Shweta Bansal, professora na universidade.

Os estados onde se localizam estas bolsas de risco são também alguns dos estados com maior prevalência de obesidade — um dos fatores de risco para doença Covid-19 grave. Em geral, a prevalência de obesidade nos Estados Unidos é de 42,4%, segundo os dados mais recentes dos CDC (entre 2017 e 2018).

O projeto de identificação dos genes que podem representar um risco acrescido de infeção com SARS-CoV-2 ou doença grave (Covid-19 Host Genetics Initiative) encontraram a ligação com o excesso de peso, mas também com genes normalmente associados a doenças inflamatórias, autoimunes ou dos pulmões, conforme as conclusões publicadas esta sexta-feira na Nature.

Os investigadores estudaram o genoma de quase 50 mil pessoas que tinham estado infetadas com o coronavírus e identificaram, até ao momento, 13 regiões associadas ao risco de desenvolver doença Covid-19 grave, algumas delas comuns a outras doenças, como cancro do pulmão. A limitação, por enquanto, é que a maior parte dos doentes (80%) eram europeus, destaca o jornal La Vanguardia. Atualmente, os investigadores estão a trabalhar uma amostra de 125 mil doentes.

Mutações, recombinações e um vírus que pode nunca desaparecer

Uma imunidade incompleta, a incapacidade de controlar propagação do vírus ou, pior, uma situação epidemiológica completamente descontrolada pode levar ao aparecimento de novas variantes para as quais se desconhece se estaremos protegidos ou não. Além disso, o vírus também pode acumular novas mutações à medida que enfrenta as vacinas e medicamentos, criando condições para se escapar dos mesmos.

Para tornar a situação ainda mais favorável ao vírus, os coronavírus são conhecidos pela capacidade que têm em recombinar-se. Isto quer dizer que uma pessoa infetada com duas variantes do vírus pode criar condições favoráveis a que estas duas variantes troquem genes entre si e originem uma nova variante. E ainda não se sabe se o SARS-CoV-2 será capaz de se recombinar com os coronavírus que causam as vulgares constipações e o que pode daí resultar, alerta a equipa de Amalio Telenti, da empresa suíça de produtos terapêuticos Vir Biotechnology, num artigo publicado na Nature.

Porque é que a gripe sazonal e a Covid-19 não são assim tão parecidas?

No artigo publicado esta quinta-feira, a equipa, que conta também com investigadores de universidades norte-americanas, analisou o que poderá ser o futuro da população com o SARS-CoV-2. Numa comparação com outros vírus transmitidos por gotículas ou aerossóis, os cientistas lembram como é difícil eliminá-los, mesmo quando existem vacinas eficazes contra a infeção — o sarampo é apenas um dos exemplos.

O futuro mais provável, escrevem, é que o SARS-CoV-2 se torne um vírus sazonal como a gripe, com períodos em que causa mais infeções e mortes e outros mais calmos. Ainda assim, ter um outro vírus a causar tantas ou mais mortes do que a gripe causa em anos normais, é um fardo para os serviços de saúde difícil de suportar.