A Covid-19 não é só uma “gripezinha”, como lhe chamou o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Mas são muitos os cientistas que defendem que o SARS-CoV-2 vai passar a fazer parte da nossa vida tal como acontece com os vírus da gripe sazonal, que regressam todos os anos no outono-inverno, independentemente do hemisfério em que estejamos.

Já conhecemos as semelhanças entre este coronavírus e os vírus da gripe: são vírus respiratórios, transmitem-se por aerossóis ou gotículas em suspensão no ar e causam sintomas como febre, dores de cabeça, dores no corpo e fadiga. Também sabemos que as medidas usadas para prevenir a transmissão do SARS-CoV-2, como as máscaras, o distanciamento físico ou a etiqueta respiratória, são igualmente úteis a prevenir a disseminação de vírus da gripe, da constipação ou outros vírus respiratórios.

Mas no convívio entre os vírus e os humanos, são mais as características que afastam o SARS-CoV-2 dos vírus influenza do que o que os aproxima — pelo menos, na parte que tem mais impacto para as pessoas.

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Maior capacidade de transmissão

Apesar do receio de ter gripe e Covid-19 a encher os hospitais ao mesmo tempo, muitos países passaram o inverno quase sem casos de gripe identificados. O confinamento, as máscaras e o distanciamento físico podem ter contribuído para quase não haver manifestações de gripe. Quanto ao coronavírus, não desapareceu e mesmo durante o inverno causou novas vagas em muitos países.

O SARS-CoV-2 têm um índice de transmissibilidade (R), pelo menos, duas vezes maior do que a média dos vírus influenza (estimada de 1,28), em especial as novas variantes que se têm disseminado mais rapidamente na comunidade e ocupado o lugar das anteriores — no caso da Delta o R0 é 7, reporta o jornal The Guardian. E não se sabe quantas novas mutações, mais infecciosas, mais transmissíveis ou mais perigosas, ainda podem surgir na evolução deste novo coronavírus.

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Mais tempo para infetar outras pessoas

O coronavírus tem outro ponto a seu favor, uma pessoa infetada pode passar o vírus muito antes de desenvolver os primeiros sintomas (e mesmo que permaneça assintomático) e também o pode fazer durante mais tempo do que uma pessoa infetada com o vírus da gripe, refere o site dos Centros para o Controlo e Prevenção da Doença norte-americanos (CDC).

Se no caso da gripe os sintomas aparecem ao fim de um a quatro dias e as pessoas se podem manter infecciosas durante uma semana, no caso da Covid-19 são normalmente cinco a sete os dias antes dos primeiros sintomas — podem ir até aos 14 — e o contágio pode manter-se 10 dias depois do aparecimento dos sintomas (mas há casos de 20 dias ou mais).

Falta-nos proteção contra um vírus recente

Os vírus da gripe, ainda que sofrendo algumas modificações ao longo do tempo, já fazem parte das doenças comuns entre humanos. O que quer dizer que somos (ou já fomos) expostos ao vírus várias vezes ao longo da vida permitindo que, numa próxima infeção, o sistema imunitário tenha algumas ferramentas para lutar contra o vírus.

O SARS-CoV-2, pelo contrário, é completamente novo. Os coronavírus que causam as vulgares constipações ou mesmo o SARS (Síndrome respiratória aguda grave) e MERS (síndrome respiratória do Médio Oriente) não conseguiram desencadear uma resposta no nosso sistema imunitário que seja realmente útil contra este novo vírus.

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O impacto das vacinas é diferente

O número de mortes causadas pelo coronavírus num único ano foi consideravelmente maior do que num ano grave de gripe. Em parte, porque uma grande percentagem da população vulnerável é vacinada todos os anos contra a gripe.

Os dados da vacinação, até ao momento, indicam que também a vacina contra a Covid-19 pode ser eficaz a reduzir a mortalidade. No entanto, a vacinação não foi ainda capaz de controlar a transmissão do vírus. Inevitavelmente, pessoas não vacinadas (ou vacinadas, mas menos protegidas) vão acabar por entrar em contacto com o vírus e, potencialmente, morrer da doença, lembra o jornal The Guardian.

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E mesmo que a taxa de mortalidade seja muito menor do que há um ano, é certo que quanto mais crescem os casos de infeção, maior a probabilidade de se registarem casos graves e mortes.

Uma característica que os dois tipos de vírus partilham, e que afeta diretamente as vacinas, é a capacidade de mutação. No caso da gripe, obriga ao fabrico de novas vacinas todos os anos. No caso do SARS-CoV-2, ainda temos de descobrir até que ponto vai comprometer a eficácia das vacinas existentes. Para um e outro vírus uma curiosidade: a evolução em doentes de longa duração e imunocomprometidos dá pistas sobre as mutações que podem vir a aparecer no futuro na comunidade, lembra uma análise publicada na Forbes.

Doença mais grave

Ainda que os principais grupos de risco sejam equivalentes para as infeções com SARS-CoV-2 ou com os vírus da gripe — idosos, pessoas com doenças crónicas e com o sistema imunitáro debilitado —, há relatos de casos graves de Covid-19 em pessoas mais jovens e aparentemente saudáveis de uma forma que não costuma acontecer com a gripe.

Além disso, mesmo conhecendo o coronavírus há pouco mais de ano e meio, já foi possível perceber que os impactos da infeção podem manter-se por muito tempo: muitos doentes sofreram sequelas por longos períodos (mesmo as crianças) e jovens adultos com sintomas leves desenvolveram formas graves de fadiga, por exemplo .

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A taxa de mortalidade, como referido, também é incomparavelmente maior: se a gripe sazonal causa a morte de cerca de 0,1% das pessoas infetadas, o SARS-CoV-2 terá morto, pelo menos, 3 a 4% das pessoas infetadas, segundo a Organização Mundial de Saúde.