Última atualização às 20h30.
No calor da luta entre o PSD e o PS sobre os termos que seriam utilizados para descrever a resolução do BES (em 2014, durante um governo PSD-CDS/PP) e a venda do Novo Banco, em 2017 (pelo governo António Costa e Mário Centeno), uma alteração ao documento do PCP deixou uma frase bastante mais áspera do que estava no original.
A proposta do PCP que foi aprovada refere que a resolução do BES e a sua capitalização inicial, de 4.900 milhões de euros, foi “uma fraude política”. “Uma decisão que representou uma fraude política, uma vez que foi dito aos portugueses que seria possível resolver o banco com 4,9 mil milhões de euros, sabendo-se que o passivo da ‘holding’ era superior a 12 mil milhões de euros”. Ou seja, o argumento dos comunistas é que o governo de Pedro Passos Coelho sabia que o banco precisaria de bastante mais do que os 4,9 mil milhões de euros que disse que seriam necessários.
A proposta de alteração do PCP ao relatório foi aprovada com votos favoráveis dos partidos que formaram a famosa “geringonça” – PS, BE e PCP – e votos contra do PSD, CDS, PAN e Iniciativa Liberal.
A versão original do relator do PS para esta parte do relatório era esta: “A decisão tomada pelo Banco de Portugal, no dia 3 de agosto de 2014, de aplicar a medida de resolução ao BES, criando um banco de transição, (…) o denominado “Novo Banco”, está fundamentada na relevância que a instituição BES tinha no sistema bancário e no financiamento da economia; na existência de risco sério de colapso deste banco, que acarretaria risco sistémico, pondo em causa o sistema de pagamentos nacional e o sistema financeiro; na proteção de clientes depositantes e da estabilidade financeira”.
De acordo com o texto dos comunistas que alterou tudo isto, a decisão da medida de resolução ao BES e de criar o Novo Banco, em 03 de agosto de 2014, “foi uma decisão que, pelas suas implicações, também responsabiliza o Governo”, à data liderado por Pedro Passos Coelho (PSD/CDS-PP).
A proposta de alteração refere ainda que o compromisso de reprivatização do Novo Banco de forma rápida “representou um constrangimento à tomada de outras opções no futuro, uma vantagem negocial para eventuais compradores, e o início de um processo que levou à situação em que os portugueses são chamados a pagar a limpeza dos ativos tóxicos, assumindo os prejuízos sem que usufruam dos benefícios de ter um banco ao serviço do país”.
Foi também aprovada por unanimidade uma proposta do BE relativa às declarações públicas no momento da resolução, quer por parte do XIX Governo (PSD-CDS/PP), quer por parte do Governador do Banco de Portugal (BdP), “que asseguraram que esta decisão não imporia qualquer ónus aos contribuintes”.
“De acordo com o Tribunal de Contas, estas afirmações aumentaram a opacidade na comunicação do impacto da resolução do BES na sustentabilidade das finanças públicas”, pode também ler-se na proposta do BE.
Os deputados aprovaram ainda uma proposta do PSD que vinca que o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho “rejeitou liminarmente” auxiliar o Grupo Espírito Santo (GES), à data liderado por Ricardo Salgado.
Numa proposta que refere que o antigo líder do BES e GES reuniu com Passos Coelho, com o ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso, pelo antigo vice-primeiro-ministro Paulo Portas, pela ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque e pelo ex-secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Carlos Moedas, é referido que o antigo chefe do Governo alegou publicamente que “empresas privadas não financeiras deveriam ser tratadas como qualquer outra empresa privada”.
A proposta foi aprovada com votos a favor de PSD, BE, CDS-PP, PAN e IL, e contra de PS e PCP.
PS “ganha” na resolução, mas “perde” na venda de 2017
Mas se o PS (e PCP) ficaram contentes com a forma como a resolução ficou descrita no relatório, os socialistas tiveram menos razões para sorrir quando foi votada a forma como seria descrito o processo de venda do Novo Banco, em 2017, pelo governo de António Costa e Mário Centeno.
Era assim que os socialistas queriam descrever o negócio: “A venda afastou a hipótese da liquidação do Novo Banco e, em linha com a conclusão do Tribunal de Contas no seu relatório de auditoria, a venda concorreu para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo por ter sido evitada a liquidação do banco e reduzido o risco sistémico, defendendo o interesse público”. Tudo limpo, tudo bem feito pelo governo PS.
Só que o PCP, o Bloco de Esquerda e o CDS não quiseram deixar as coisas assim. O PCP viu ser aprovada uma frase que deixa claro que “os recursos do Fundo de Resolução são recursos públicos e que a venda, como foi feita, não assegurou a melhor utilização do erário público”. O Bloco acrescentou que a venda foi feita “sem que exista evidência da ponderação ou estudo de alternativas”. E o CDS fechou as contas, sublinhando que “não foi minimizado o seu impacto na sustentabilidade das finanças públicas nem reduzido o risco moral”.
O PSD conseguiu, também, acrescentar ao relatório que o Banco de Portugal não foi a única entidade responsável pela venda do Novo Banco à Lone Star. A versão preliminar do relatório dizia que o “Banco de Portugal, enquanto autoridade nacional de resolução (…) foi a entidade responsável pela decisão da venda do NB”.
Mas o PSD, ajudado por todos os outros partidos (só o PS votou contra), transformou esta redação na seguinte: “O Banco de Portugal, enquanto autoridade nacional de resolução, foi a entidade responsável pela decisão da venda do NB, tendo contado com a colaboração e acompanhamento permanente do Ministério das Finanças, como resulta das cartas trocadas entre o governador do Banco de Portugal e o Ministro das Finanças de então”.
Outra vitória para o PSD foi a introdução de uma referência negativa para o Governo de António Costa a propósito da injeção de capital no Novo Banco de 2020, que foi polémica porque já foi feita após ter começado a pandemia e ter gerado um aparente desentendimento entre António Costa e o então ministro das Finanças Mário Centeno.
Só o PS votou contra, insuficiente para impedir que passasse a figurar no relatório: “O Governo autorizou a injeção de capital de 2020, relativa às necessidades de fundos próprios do Novo Banco causadas pelos prejuízos de 2019, sem que o relatório da auditoria especial da Deloitte estivesse concluído, não tendo escrutinado a chamada de capital feita pelo NB”.
PS e PSD trocam acusações sobre o aligeirar de responsabilidades
O Partido Socialista acusou os deputados do PSD de querer “suavizar, aligeirar ou ilibar” Carlos Costa das “falhas graves” do Banco de Portugal no caso BES, apresentando várias propostas de alteração do relatório do Novo Banco que, na ótica do deputado do PS João Paulo Correia, parecem “inclinadas para diminuir ou retirar a responsabilidade do Banco de Portugal e do ex-governador Carlos Costa”. O PSD, em resposta, critica PS por falar de Carlos Costa e não de Vítor Constâncio e pede uma “reflexão séria” sobre o facto de se estar a debater as dívidas do BES/Novo Banco e Ricardo Salgado estar a “passear-se em ilhas italianas, sem máscara” depois de ter pedido escusa ao tribunal por causa da pandemia e da idade.
“Estranhamos muito esta mudança repentina de posição por parte do PSD, algum motivo está a levar a essa mudança de opinião”, comentou João Paulo Correia. Na resposta, Duarte Pacheco, do PSD, devolveu as críticas: “as nossas propostas visam introduzir rigor e verdade, não mais do que isso – nós subscrevemos as conclusões da primeira comissão de inquérito, de que existiram falhas graves de supervisão que acompanharam dois períodos de governação: Vítor Constâncio e Carlos Costa, “o PS é que muitas vezes se esquece de Vítor Constâncio”.
“Claro, é sempre desagradável criticar um ex-líder do partido”, atirou Duarte Pacheco.
O PS salientou, também, que no relatório por vezes é mencionado o nome do governante ou responsável e noutras vezes o cargo. A proposta do PS é que seja uniformizado retirando os nomes e colocando, sim, os cargos que se exerciam. Os partidos acharam bem a uniformização, é verdade, mas não optaram por cargo ou por função. Escolheram pôr ambas as referências em todo o documento: função e nome de quem a exercia na altura. PAN, IL e Bloco de Esquerda falaram nesse sentido e os restantes partidos juntaram-se. No final houve unanimidade.
O CDS-PP apenas fez um reparo: que tal critério fosse usado também para os atuais titulares dos cargos. “É que o relatório referia os nomes de quem esteve em funções, mas ‘esquecia-se’ dos nomes dos que estão agora…”, disse a deputada Cecília Meireles.
Por outro lado, João Paulo Correia critica as propostas do PSD porque “o PSD interpreta que o Governo da altura [PSD-CDS] ‘acompanhou as negociações com a DGComp da Comissão Europeia’ e, depois, em 2017, o PSD acha que o Governo ‘orientou e dirigiu’ as negociações na altura da venda”.
Só nos leva a acreditar que a vontade do PSD é trazer partidarite para o debate das conclusões deste inquérito”, atirou João Paulo Correia.
O PS referiu, também – “para reflexão” – uma “disparidade temporal” relativa àquilo que Carlos Costa fez com o relatório Costa Pinto. O despacho de Carlos Costa para lançar o relatório (chamado Costa Pinto) foi de novembro de 2014, o relatório foi concluído em quatro meses mas só vários anos mais tarde surgiu a análise do Departamento de Supervisão Prudencial – só surgiu em janeiro de 2018. Já o despacho final do governador Carlos Costa foi a 23 de abril de 2019, “curiosamente coincidindo” com a fase em que decorria a comissão de inquérito da Caixa Geral de Depósitos (iniciativa durante a qual vários deputados pediram, na altura em vão, para ter acesso ao relatório Costa Pinto), lembrou João Paulo Correia.
PSD lembra que enquanto deputados debatem Ricardo Salgado se passeia na Sardenha. Sem máscara
Após uma pausa para “tentar fazer entendimentos”, revelou o PSD, os deputados retomaram os trabalhos para avançar com a aprovação do segundo bloco de alterações ao relatório (de um total de quatro). Antes dessa votação, porém, o deputado Alberto Fonseca, do PSD, pediu aos deputados para que se faça “uma reflexão séria” sobre uma das notícias do dia.
“Enquanto estamos aqui todos a discutir isto, e com todas as audições que tivemos, muitas horas, segundo notícias de hoje o principal responsável por tudo isto ter acontecido está a passear-se por ilhas, sem máscara, quando pediu escusa de ir a tribunal precisamente por causa da pandemia de Covid-19 e por causa da sua idade”, lamentou o deputado. “Acho que isto diz muito sobre a situação do nosso país, aquilo que andamos aqui a fazer e merece uma reflexão séria por parte de todos nós”.
Negrão critica que relatório Costa Pinto continue confidencial
O presidente da comissão de inquérito ao Novo Banco, Fernando Negrão, criticou hoje que o relatório Costa Pinto continue confidencial sem “nenhuma razão plausível”, considerando um exemplo dos “segredos e segredinhos que pululam na sociedade portuguesa”.
Durante o debate e discussão do relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, que decorre desde esta manhã, Fernando Negrão (PSD) considerou “o relatório Costa Pinto o fenómeno mais curioso” que foi encontrado por esta comissão.
“Não há nenhuma razão plausível para que este documento não seja público. não há nenhuma razão e continua a ser confidencial e o próprio tribunal deu uma decisão de natureza formal e não substancial e ficamos na mesma com o documento escondido das pessoas para não saberem o que nele consta”, criticou.
Para o presidente da comissão, “o mais curioso relativamente a este documento é que toda a gente sabe o que está lá escrito”. O Observador revelou o seu conteúdo numa série de trabalhos publicados a partir de 13 de abril.
“Isto reflete bem a sociedade em que nós vivemos, a cultura do segredo, porque o segredo é poder, e, sendo poder, é bom que ele se espalhe pela sociedade e que se resolva este problema, que é o problema dos segredos e segredinhos que pululam pela sociedade portuguesa”, lamentou.