“Quatro minutos”. Foi o tempo que Marcelo Rebelo de Sousa, convidado especial do programa Circulatura do Quadrado (TVI24/TSF), pediu para fazer o seu próprio balanço do Estado da Nação. Quatro minutos iniciais para apontar quatro questões estruturais: o país (e sobretudo o Governo) estão em condições de virar a página para o pós-pandemia; a crise social é a “realidade mais preocupante a curto prazo”; o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem de ser usado para privilegiar as reformas estruturais; e o sistema político tem de se regenerar para preservar a sua vitalidade.

Foi precisamente neste último ponto que o Presidente da República deixou mais uma vez um recado importante à oposição e, em particular, a Rui Rio: “Se quer ser alternativa deve chamar atenção para horizontes de médio e longo prazo e para a crise social”, exortou Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado por Lobo Xavier, Ana Catarina Mendes e Pacheco Pereira.

A preocupação com a saúde do PSD foi, de resto, uma das notas dominantes das audiências que Marcelo foi mantendo com os partidos com assento parlamentar ao longo dos últimos três dias. Tal como explicava aqui o Observador, o Presidente da República entende que Rio não está a conseguir ir buscar votos ao centro para transformar o PSD numa alternativa credível e que está a cometer erros estratégicos comprometedores — à cabeça, a vontade permanente de chegar a entendimentos com António Costa. Predisposição que não ajuda a mobilizar a direita e que transmite sinais contraditórios ao eleitorado.

Aliás, esta quarta-feira, os recados (públicos e privados) de Marcelo mereceram resposta pronta de Rui Rio, que voltou a argumentar que não existe “défice de oposição” ao Governo. “Os partidos podem é ser acutilantes demais“, contrapôs Rio.

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Marcelo manifestamente não concorda e voltou alertar: se nada for feito, “os vazios do sistema” podem ser ocupados por “mitos messiânicos” que levarão, acredita o Presidente, inevitavelmente “à degradação das instituições“. “Isso [ocupar os vazios; oferecer alternativa] é fundamental. É isso que evita os vazios que alimentam os fenómenos inorgânicos“, reforçou Marcelo.

Rio sem gás e Costa de vistas curtas preocupam Marcelo

Governo tem de abandonar discurso do “medo” e olhar para o futuro

Mas Marcelo não falou exclusivamente da oposição e apontou baterias também ao Governo repetindo publicamente o que já dissera nas audiências com os partidos: o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é vago e pouco ambicioso e ao Governo tem faltado visão estratégica. A combinação não podia ser pior: se Rui Rio não consegue oferecer uma alternativa, António Costa vai falhando em oferecer uma visão de longo prazo para o país.

Confrontado pelo jornalista Carlos Andrade, Marcelo manteve a avaliação, embora polindo o discurso. “É bom ter uma área de poder forte em termos de projeto e de visão de médio prazo. É importante ter uma oposição que se afirme como alternativa e que vá também ganhando força e capacidade de entrada no espírito dos portugueses”, avaliou Marcelo.

Nas audiências que manteve com os partidos, Marcelo foi dizendo que o Executivo socialista revela sinais inegáveis de desgaste, parece incapaz de um novo impulso e está aparentemente mais concentrado em gerir a legislatura do que em encontrar novos rumos para o país. O Presidente, de resto, queria mais: mais crescimento económico, mais reformas, mais ambição.

Numa emissão transmitida a partir do Palácio de Belém, Marcelo não arriscou ir tão longe, mas deixou tudo isto nas entrelinhas. “O PRR que existe, é o que existe, e no plano financeiro plurianual, que é mais dinheiro e executar o mais próximo de 100%, privilegiando aquilo que é estrutural, estruturante, com transparência e com controlo adequado na execução.”

Apesar de entender que o Governo manifesta evidente sinais de desgaste — tal como partilhou nas audiências privadas em Belém — Marcelo não se atravessou sobre uma eventual remodelação governativa — a batata quente está nas mãos de Costa. “Quem tem de tomar a iniciativa é o primeiro-ministro. Deve ser o primeiro-ministro o juiz nesse domínio”, salvaguardou.

Ainda assim, o Presidente da República não resistiu em pressionar o Governo a virar a página. “O Governo pode, amanhã e depois, abrir caminho para aquilo que todos nós necessitamos, que é o discurso de transição da pandemia para o pós-pandemia“, sublinhou Marcelo, pedindo um “discurso pela positiva, pela esperança”.

“Acho que o Governo vai definir uma nova narrativa explicativa, um novo discurso, que não pode ser já do receio, do medo, legítimo durante um longo período, tem de ser um discurso pela positiva, da esperança, mas tem de ser acompanhado da parte das autoridades sanitárias de uma consistência e coerência das decisões tomadas.”

De resto, Marcelo não escondeu aquilo que assumiu como “preocupações” e que são desafios prementes do Governo: é preciso deixar cair “obsessões” com uma “determinada pandemia” e não esquecer as restantes necessidades do país; e perceber que a “economia não é um fim por si”, que deve estar ao “serviço das pessoas e ter noção exata do agravamento da situação social“.

“Há uma crise social, leia-se aumento da pobreza, aumento de desigualdades, ou visível ou latente ou subjacente, que a meu ver é a realidade mais preocupante a médio prazo. Para resolvermos a crise social, precisamos de crescer não só muito mais do que temos crescido, mas mais do que crescerão economias que estavam atrás de nós e que ou nos ultrapassaram ou estão a ultrapassar, e isso é um desafio pesado para todos e difícil”, insistiu Marcelo.

Numa nota paralela, respondendo ao repto de Pacheco Pereira, Marcelo disse estar “inclinado” a enviar carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital para o Tribunal Constitucional para que aprecie a constitucionalidade do polémico artigo 6º.