“Vamos todos estar na mesma frigideira”. A frase podia ter sido dita por um qualquer turista que anda pelas praias portuguesas, mas não. Foi dita pelo campeão olímpico em título da maratona masculina, o queniano Eliud Kipchoge, citado pela AFP, que vai defender a medalha dourada vencida no Rio’2016 na madrugada de domingo — a partir das 23h00, hora portuguesa. O risco de calor e humidade excessiva, que tem atormentado vários atletas ao longo desta edição dos Jogos Olímpicos, passou a prova derradeira que dita o encerramento deste evento para Sapporo, a norte da capital japonesa.

Eliud Kipchoge é, de facto, um dos favoritos ainda que esta prova seja sempre a das mais imprevisíveis para tentar adivinhar quem sai de lá vencedor. O queniano de 36 anos tornou-se no primeiro atleta a conseguir correr a maratona abaixo das duas horas, número não oficial mas, ainda assim, impressionante: mais precisamente em 1 hora, 59 minutos e 40 segundos. O recorde foi alcançado em Viena em 2019 depois de percorrer 42.195 quilómetros. Convém também recordar que Kipchoge tem no seu currículo nada mais, nada menos, do que quatro vitórias na maratona de Londres.

Este feito histórico ficou envolto em polémica, já que, além de outros fatores tal como as condições específicas em que a prova decorreu, o queniano foi muito criticado pelos ténis que usou. A Nike deu-lhe um protótipo de fibra de carbono que acabou por ser banido do mercado. “Continuam a ser as minhas pernas que fazem a parte da corrida”, disse o atleta queniano, citado pelo Firstspot,  aquando da polémica. Pois continuam ate porque tem o recorde mundial de 2h01m39, obtido na Maratona de Berlim de 2018. A ver se mais alguém tem pernas para o destronar. Ou para treinar mais do que ele: 300 dias por ano.

Eliud Kipchoge, o homem que fez história ao completar a maratona em menos de duas horas

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Ora, a verdade é que a tocha olímpica apaga-se já este domingo, mas não antes de percebermos se há novo campeão olímpico na maratona masculina.  105 atletas  vão percorrer mais de 42 quilómetros sob um calor abrasador e tentar tirar o título a Eliud Kipchoge. Para isso, comecemos por falar do homem que ficou em terceiro lugar no Brasil, com a marca de 2h10m05s: o norte-americano, Galen Rupp, recordista do país nos 10 mil metros e com duas medalhas olímpicas no seu histórico.

Vai para a sua quarta participação olímpica aos 35 anos de idade, mas com uma variante: no Rio de Janeiro só tinha corrido uma maratona e ganhou a medalha de bronze cinco dias antes de ter terminado em quinto lugar na corrida dos 10 mil metros. Nos trials olímpicos terminou em sexto lugar e agora, depois de ter estado fora de outubro de 2018 a fevereiro de 2020 sem terminar uma prova, aproveitou os tempos pandémicos para melhorar a sua condição física. Para quem começou no futebol, não está nada mal.

O problema é que a competição é muito forte. Além de ter de defrontar Kipchoge, o norte-americano tem de correr contra nomes como o queniano Lawrence Cherono (vencedor da Maratona de Boston em 2018/2019 e de Chicago na época seguinte) ou Amos Kipruto (que tem estado melhor do que Rupp nos últimos anos)  ou mesmo  Shura Kitata, etíope que venceu a maratona de Londres aos 24 anos em 2020 — já para não falar dos seus compatriotas Lelisa Desisa (campeão mundial em Doha’2019) ou Sisay Lemma, os dois no top do ranking mundial.

A verdade é que, nesse ano,  Eliud Kipchoge ficou apenas na oitava posição e ainda que seja o favorito, esta foi a sua última grande prova. Portanto, o norte-americano pode ter a sorte de acontecer aquilo que aconteceu em 2012: toda a equipa etíope desistir, por exemplo. É por isso que esta prova se torna tão imprevisível.

Sendo certo que são muitos atletas e, por isso, é impossível falar de todos, convém referir o homem da casa:  Suguru Osako. O japonês, com melhor marca do que Galen Rupp, bateu o recorde nacional quando correu 2h05m29 na maratona de Tóquio de 2020 mas, com a falta de corridas por causa da Covid-19, a sua prestação pode tornar-se numa incógnita. O fator casa pode ajudar, mas sem grande público a apoiar, esse pode nem ser uma razão maior para chegar ao pódio.

Fica a faltar falar de um atleta europeu: Bashir Abdi, 32 anos,  o belga que está na 16ª posição do ranking mundial e ainda anda a sofrer por causa do jet lag desde que chegou a Tóquio, garantia dada ao jornal  Het Nieuwsblad. Garante que há, pelo menos, oito maratonistas melhor do que ele, sendo certo que esta é a sua primeira experiência olímpica na carreira. Melhorou a sua marca em seis minutos nos últimos dois anos  mas não foi além de um vigésimo lugar nos 10 mil metros do Rio  e da 33ª posição nos 5 mil metros. Ainda assim, está bem preparado: de março a maio percorreu uma média de 190 quilómetros por semana na Etiópia. Vá lá que no Japão só vai ter de percorrer 42.195 em cerca de duas horas sob uma “frigideira” escaldante…

Certo é que se Eliud Kipchoge vencer, será apenas o terceiro homem na histórica olímpica a fazê-lo. E pode ter o caminho mais fácil já que um dos seus grandes adversários, o etíope Henenisa Bekele, bicampeão olímpico dos 10 mil metros, ficou fora da competição. Isso e que, nesta edição dos Jogos Olímpicos, não haverá português na maratona masculina, algo que não acontecia desde o México’1968. Não houve nenhum atleta português masculino que conseguisse os mínimos exigidos.