Menos de duas semanas depois de ter recomendado que a vacinação contra a Covid-19 dos adolescentes entre os 12 e os 15 anos se restringisse àqueles com comorbilidades e aos que recebessem indicação médica nesse sentido, a Direção-Geral da Saúde (DGS) alargou a recomendação a todos os adolescentes entre os 12 e os 15 anos de idade, independentemente do seu estado de saúde e sem necessidade de prescrição médica.

A decisão da DGS surge ao fim de duas semanas de intensa discussão política e social em torno da vacinação dos mais novos. O primeiro-ministro, António Costa, já tinha inscrito a vacinação de todos os jovens acima dos 12 anos antes do ano letivo como um dos objetivos políticos para o desconfinamento. Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pronunciou-se a favor da vacinação das crianças e insistiu recentemente nessa necessidade.

A dissonância entre discurso político e científico foi especialmente profunda devido à proximidade do regresso às aulas — com o setor da educação preocupado com a possibilidade de um terceiro ano letivo a ser afetado pela pandemia da Covid-19.

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Todavia, na conferência de imprensa desta terça-feira, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, garantiu que a decisão de vacinar todos os adolescentes entre os 12 e os 15 anos de idade não resultou de qualquer pressão política, mas apenas de critérios puramente técnicos.

“A DGS recomenda a vacinação de todos os adolescentes de 12 a 15 anos de idade. Esta recomendação, que surge na sequência da análise dos dados de vacinação nestas faixas etárias, nos EUA e na União Europeia, tem carácter universal, pelo que as vacinas estarão disponíveis para os adolescentes, acompanhados pelos progenitores ou tutores legais, sem necessidade de indicação médica”, disse Graça Freitas.

A diretora-geral da Saúde esclareceu ainda que a DGS vai agora atualizar a norma que regulamenta os públicos-alvo da vacina contra a Covid-19 em Portugal “para contemplar esta nova recomendação”. “A DGS e a comissão técnica continuam a acompanhar a evolução do conhecimento científico da situação epidemiológica, podendo atualizar as suas recomendações a qualquer momento”, diz Graça Freitas, justificando o facto de a recomendação ter mudado ao fim de duas semanas.

Questionada sobre se a pressão política e social em favor da vacinação das crianças e adolescentes influenciou a decisão, Graça Freitas garantiu que a decisão foi estritamente técnica e recusa abordar qualquer influência política. A diretora-geral da Saúde começou por recordar uma frase do comunicado de dia 30 de julho, quando foi recomendada a vacinação apenas para os adolescentes com comorbilidades ou por indicação médica: “A DGS recomendará a vacinação universal adolescentes dos 12 aos 15 anos logo que estejam disponíveis dados adicionais”.

Depois, explicou que no próprio dia 30 de julho foram conhecidos dados de 9 milhões de vacinas administradas a adolescentes nos EUA. “Na semana seguinte, saíram dados da UE. Foi possível através desse comité sabermos que as cerca de 6 milhões de vacinas que tinham sido dadas em países europeus não tinham acrescentado um sinal de alerta àquilo que já sabíamos da possibilidade de haver miocardites e pericarditas”, acrescentou.

“Foi a sequência e a continuidade destes acontecimentos que levou a que no dia 30 nós tivéssemos um parecer e hoje tivéssemos outro. Esta decisão de hoje é uma decisão técnica, que veio na sequência de novos dados: 15 milhões de dados nos EUA e na UE”, diz Graça Freitas.

Embora tenha remetido as questões logísticas para a task-force de vacinação liderada pelo vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, a diretora-geral da Saúde explicou que espera ser possível vacinar os adolescentes ainda antes do arranque do ano letivo. Porém, acrescentou, se o processo demorar algumas semanas e só ficar concluído depois do início das aulas, isso não significará um problema para o controlo da pandemia.

“Todos os processos de vacinação começam com uma recomendação técnica. Depois, a parte logística faz o seu trabalho. A partir deste momento, está aberto o caminho para a vacinação universal destes jovens. Será a parte logística que comunicará em que moldes vai acontecer a vacinação. Não se tenha a expectativa que é hoje que começa. Hoje foi tomada a decisão técnica”, diz Graça Freitas. “Se não for exatamente antes do início do ano letivo, será nos dias a seguir. Do ponto de vista do impacto desta vacinação na epidemia, se for mais uma semana ou menos uma semana, não terá um impacto negativo importante”, acrescentou.

Entretanto, depois do anúncio da DGS, o primeiro-ministro, António Costa, recorreu ao Twitter para afirmar que há condições para que todos os jovens entre os 12 e os 17 anos tenham a vacinação completa até ao dia 19 de setembro — o final da semana em que arrancam as aulas.

“Congratulo-me que a ciência tenha confirmado ser possível cumprir o nosso dever de garantir proteção universal a todas as crianças maiores de 12 anos”, escreveu Costa. “Como anunciei a 21 de julho, no debate sobre o estado da Nação, tudo está a postos para garantir a administração de duas doses de vacinas até ao início do ano letivo. As vacinas foram compradas, a logística aprontada e o calendário definido: jovens entre 12 e 17 anos podem ter vacinação completa até 19 de setembro.

Numa conferência em que abundaram as questões sobre eventuais pressões políticas para tomar a decisão, Graça Freitas reiterou várias vezes que a decisão foi puramente técnica.

“A diversidade de opiniões é um bem em si. Estamos numa democracia. As pessoas que têm informação privilegiada ou que têm a sua opinião podem e devem dá-la. Portanto, a DGS obviamente ouve as opiniões, ouve o que se passa, não está alheada das circunstâncias, mas centra-se nos dados que tem de forma objetiva. É para isso que tem comissões técnicas independentes. Analisa dados técnicos, que a ciência produz, que a farmacovigilância produz, que os países vão publicando, que nos diferentes comités internacionais vamos tendo acesso. E vamos fazendo análises”, disse, sublinhando que as análises incluem outras áreas do conhecimento, incluindo a sociologia e a saúde mental.

“É com base nessa conjugação que a comissão técnica fornece um parecer. Sobre esse parecer, a DGS não é neutra. Tem um grupo interno que também trabalha a área das vacinas. Se a recomendação for bem sustentada e baseada, como tem sido, nós obviamente acatamos essa recomendação. Foi o que aconteceu agora e o que aconteceu no dia 30”, acrescentou.

Para uma decisão universal, “temos de estar certos, com os dados que temos, de que os benefícios superam os riscos e que esses riscos são conhecidos, são controlados, são mínimos, têm um carácter benigno, uma evolução benigna e são extremamente raros. Há 10 dias faltava-nos alguma informação, nomeadamente informação gerada na UE. Preferimos aguardar uns dias, que saíssem mais dados. Não estivemos nem surdos nem cegos a tudo o que foi sendo dito, mas a decisão foi baseada num parecer técnico.”

Graça Freitas insistiu que objetivo de esperar mais duas semanas foi “gerar confiança” na vacina e “reduzir a incerteza”. “Não foi para atrasar nenhum processo nem para contrariar ninguém. Foi para dizer aos portugueses, olhos nos olhos, que quando fazemos uma recomendação, é com base na confiança, na convicção de que os benefícios superam os riscos e que esses riscos são aceitáveis para a população”, disse Graça Freitas.

A diretora-geral da Saúde salientou ainda que os adolescentes entre os 12 e os 15 anos de idade deverão ser vacinados com duas doses de uma vacina autorizada na União Europeia para aquelas idades (atualmente, as da Moderna e da Pfizer). As crianças com menos de 16 anos vão ter, obrigatoriamente, de ser acompanhadas pelo tutor legal para serem vacinadas.