O Governo da Etiópia apelou esta terça-feira a “todos os etíopes capazes” para se alistarem nas forças armadas federais e pararem “de uma vez por todas” com a progressão das forças do estado de Tigray, no norte do país.
A declaração do gabinete do primeiro-ministro Abiy Ahmed ilustra o total desmoronamento do cessar-fogo unilateral, que Adis Abeba declarou em junho.
A tomada de posição visa igualmente alguns membros da comunidade internacional, acusando-os das “maquinações por mãos estrangeiras” na guerra que se prolonga desde há nove meses, e que se alastrou do estado de Tigray aos estados etíopes vizinhos de Amhara e Afar.
As forças estaduais de Tigray, afetas à Frente de Libertação do Povo de Tigray (TPLF, na sigla em inglês), argumentam que a continuação das manobras militares e a progressão nos territórios vizinhos contíguos, depois da retoma da capital do estado, Mekele, em junho, visam garantir o desbloqueamento da sua região, colocar um ponto final definitivo na guerra e forçar o primeiro-ministro a abandonar o cargo.
Milhares de pessoas foram mortas na guerra, deflagrada em 04 de novembro último, data em que Abiy Ahmed enviou as tropas federais para derrubar a TPLF, partido de origem regional, que durante décadas dominou a política nacional etíope, antes da chegada ao poder em abril de 2018 da atual liderança do país.
O chefe de Governo etíope, vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2019, justificou na altura a intervenção com a necessidade de retaliar ataques das forças estaduais a unidades do Exército federal no Tigray, e classificou a ofensiva como uma operação de segurança, cujo objetivo era deter e levar perante a justiça etíope os líderes do estado insurrecto no norte do país.
Abiy Ahmed declarou a vitória das forças federais em 28 de novembro, após a tomada de Mekele, porém, apesar do anúncio de uma vitória rápida, o conflito arrastou-se, tomando um novo rumo em junho, quando os rebeldes recapturaram a capital estadual, e forçaram o Exército federal etíope a recuar.
Desde então, os rebeldes têm controlado a maior parte do estado de Tigray e têm conduzido ofensivas armadas nos estados vizinhos, a leste, em Afar, e a sul, em Amhara.
As incursões das forças tigray têm merecido as críticas generalizadas da comunidade internacional. Na semana passada, a Organização das Nações Unidas (ONU) reiterou o apelo às partes beligerantes para terminarem as hostilidades e Washington exortou as forças da TPLF no início do mês a saírem das regiões vizinhas, apelando a “conversações imediatas, sem condições prévias”, conducentes a um cessar-fogo.
Esta semana, as Nações Unidas afirmaram estar “extremamente alarmadas” pelas notícias de mais de 200 pessoas mortas em ataques a pessoas deslocadas em Afar. O Governo da Etiópia culpou as forças do Tigray, cujo porta-voz, Getachew Reda, negou as acusações.
Cerca de 300.000 pessoas fugiram de Tigray para os estados etíopes vizinhos, assim como para o Sudão, que faz fronteira com a região, à medida que o conflito se alargava.
A nova declaração do Governo etíope apela ainda a todos os etíopes a serem “os olhos e ouvidos do país e a localizarem e exporem espiões e agentes” das forças do Tigray.
De acordo com testemunhas e advogados, milhares de pessoas de origem tigray foram detidas em toda a Etiópia ao longo do conflito, apenas devido à sua identidade.