O peso no PIB da despesa pública primária (ou seja, excluindo juros da dívida) em 2022 será 3,4 pontos percentuais superior ao que foi em 2019, mesmo quando se excluem as medidas extraordinárias da pandemia. O Conselho das Finanças Públicas alerta que mais de dois terços deste aumento diz respeito a despesas com “elevado grau de rigidez”, ou seja, prestações sociais e custos com pessoal. É uma “tendência” que irá criar “pressões orçamentais sobre a despesa nos próximos anos“.

O alerta do Conselho das Finanças Públicas (CFP) está na análise aprofundada feita à proposta de Orçamento do Estado para 2022, divulgada esta segunda-feira. O organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral faz uma comparação com o ano de 2019 onde se “revela que mesmo removendo da despesa os efeitos das one-off [medidas não-recorrentes], o impacto do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] e as ‘medidas de emergência’, a despesa primária prevista para 2022 situar-se-á 3,4 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) acima do valor pré-pandemia“.

O CFP acrescenta que dois destes 3,4 pontos percentuais de aumento na despesa primária dizem respeito a “despesa corrente primária, com destaque para o peso acrescido das componentes mais rígidas da despesa, designadamente a despesa com pessoal e prestações sociais“. E como é que o PIB em cada um desses anos (2019 e 2022) se compara? Este cálculo tem por base a expectativa para o final de 2022 de um PIB em volume 1,3% maior em 2022 do que o de 2019.

As medidas de política explicitadas pelo Governo têm um impacto direto no saldo desfavorável em 3.043 milhões de euros (-2.875 milhões de euros se excluído o PRR), concentrando a sua maior expressão na despesa (6.002 milhões de euros). Retirando o efeito das medidas afetas àquele plano, o montante de medidas na despesa implícito na previsão orçamental ascende a 2.799 milhões de euros, dos quais mais de metade (1.700 milhões de euros) com impacto nas componentes mais rígidas da despesa pública – despesas com pessoal e prestações sociais”, escreve o Conselho das Finanças Públicas.

Esta “tendência” de crescimento da despesa pública corrente, em componentes difíceis de ajustar em caso de necessidade, “implica um aumento das pressões orçamentais sobre a despesa nos próximos anos“, avisa o CFP numa caixa que dedicou especialmente à análise destes números.

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“A despesa primária das administrações públicas deverá passar de 83.312 milhões de euros em 2019 para 95.518 milhões de euros em 2022, o que corresponde a um aumento de 12.206 milhões de euros (+14,7%) em três anos“, assinala o CFP, acrescentando que “mais de dois terços desse acréscimo deverá ser justificado pela despesa corrente primária (+8.781 milhões de euros) particularmente pelas despesas com elevado grau de rigidez, como é o caso das prestações sociais (+3.732 milhões de euros) e das despesas com pessoal (+2.630 milhões de euros).

Fonte: Conselho das Finanças Públicas via INE e Ministério das Finanças

O governador do Banco de Portugal (e ex-ministro das Finanças), Mário Centeno, também alertou recentemente para este aumento da despesa pública.

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Riscos da pandemia, da TAP, do Novo Banco e das moratórias

O CFP já tinha considerado “coerentes” os pressupostos macroeconómicos da proposta,  num parecer divulgado na noite em que o documento foi entregue pelo ministro João Leão na Assembleia da República. Os riscos identificados na altura eram, sobretudo, relativos à evolução da situação pandémica e à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na economia.

Nesta nova análise, o organismo vai um pouco mais longe e assinala que um “eventual agravamento na sequência do surgimento de novas variantes do SARS-COV-2 poderá tornar necessária a manutenção das medidas de apoio ou mesmo a adoção de novas medidas“. Este é o maior risco para a economia portuguesa e para as contas públicas, embora se recorde que “no próximo ano esteja prevista uma dotação orçamental de 400 milhões de euros para fazer face a despesas imprevistas da pandemia”.

Mas os impactos de um novo agravamento da situação pandémica, caso ele se verifique, seriam generalizados, diz o CFP. Desde logo, na capitalização da TAP: “A imposição de novas restrições à circulação poderá fazer com que o apoio financeiro à TAP previsto para 2022 se revele insuficiente”, avisa Nazaré da Costa Cabral.

Por outro lado, “identificam-se, também, riscos descendentes associados ao Novo Banco”, já que a proposta de orçamento do Estado para 2022 “não considera qualquer transferência ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente” – e recorde-se que ainda restam quase 600 milhões de euros que o Lone Star pode pedir ao Fundo de Resolução.

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A nível interno, o CFP destaca, ainda, “os riscos associados à eventual ativação das garantias do Estado concedidas no âmbito de algumas das medidas de resposta à crise pandémica (linhas de crédito) e às moratórias de crédito concedidas pelos bancos aos agentes económicos”.

Carga fiscal deve descer de 35% para 34,2% do PIB

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Neste relatório, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) destaca, também, que “o peso da receita das Administrações Públicas deverá ascender a 43,6% do PIB em 2022, diminuindo 1,2 p.p. do PIB face ao valor esperado pelo Ministério das Finanças para 2021”. Isso reflete-se numa previsão de redução da carga fiscal de 35,0% do PIB em 2021 para 34,2% do PIB em  2022, diz o organismo.

“A receita fiscal e contributiva deverá justificar mais de 90% do crescimento da receita pública”, conclui o CFP.

Por outro lado, entre os riscos externos “é de salientar que a situação pandémica assume novamente proporções preocupantes na Europa de Leste, na Rússia e também na Grã-Bretanha”:

Estes desenvolvimentos negativos, se permanecerem e se se alargarem a outras economias, poderão significar um cenário externo menos positivo para a economia portuguesa do que aqueles que têm vindo a ser considerados nas projeções macroeconómicas”, diz o CFP.

Destaca-se, ainda, o risco que representam as “perturbações do lado da oferta, exógenas à economia portuguesa, mas que a afetam de forma significativa”. “A subida dos preços externos de combustíveis fósseis e de matérias-primas, do custo de transporte e distribuição com impacto negativo na capacidade produtiva interna podem induzir uma maior e persistente subida de preços do que considerado nas mais recentes previsões económicas”, receia o organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral.