A GNR insiste que a culpa do acidente na A6, que envolveu o carro em que seguia o ministro Eduardo Cabrita, não será apenas do motorista que seguia em excesso de velocidade, mas também do trabalhador que atravessou a via e que, segundo os militares, não o devia ter feito. No relatório final da investigação, de 26 de novembro, entregue ao Ministério Público, os dois militares que investigaram o caso dizem mesmo que Nuno Santos não estaria a trabalhar e terá ido ao separador central “satisfazer necessidades fisiológicas” — um entendimento que o Observador revelou em outubro ser o da GNR. E nem os resultados das perícias ao papel higiénico e aos vestígios biológicos recolhidos no local feitas pela Polícia Judiciária — e que acabaram por revelar-se inconclusivas — demoveram a GNR desta linha de investigação.

Mesmo não tendo sido possível fazer comparações de perfis de ADN com vestígios biológicos deixados no local e a vítima, fica a convicção de que o senhor Nuno terá atravessado a faixa de rodagem para satisfazer as necessidades fisiológicas”, escrevem os dois militares no relatório que consta no processo consultado pelo Observador no DIAP de Évora.

Desde o dia do acidente, a 18 de junho de 2021, que todos se questionam porque Nuno Santos atravessou a A6 para ir ao separador central, de onde vinha quando foi colhido pelo carro do MAI ao quilómetro 77,6. O seu colega de trabalho, que conduzia a viatura na berma direita da A6 a assinalar os trabalhos que ali decorriam, disse à GNR que Nuno o substituiu naquele dia porque ele estava com problemas de ácido úrico. Joaquim Parreira diz que o viu tirar o soprador das costas e atravessar a autoestrada. E que, embora não saiba o que ele foi fazer, normalmente essa deslocação servia para verificar os escoadores de água.

Um testemunho do responsável de obra da Brisa viria acrescentar à GNR uma alegada informação que lhe teria sido dada pelo próprio Joaquim Pereira. À GNR, Ricardo Damião disse ter reunido com a equipa no local do acidente e que Joaquim lhe teria dito que Nuno teria ido à carrinha buscar papel higiénico.

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A GNR voltou então a ouvir Joaquim Parreira, mas este disse não se recordar de tal declaração. Ainda assim, os militares acabaram por regressar mais tarde ao local do acidente. Verificaram que junto ao quilómetro fatal não havia escoadores, mas deram pela existência de um pedaço de papel higiénico e vestígios biológicos que poderiam corroborar a versão de Ricardo Damião. Esse material foi entregue pela GNR ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária a 23 de agosto, como o Observador viria depois a noticiar. Mas a resposta revelou-se inconclusiva, sem que isso tenha alterado o entendimento dos investigadores.

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No processo não foram reunidas provas suficientes que permitam dar uma resposta cabal aos motivos que levaram o trabalhador ao separador central. Mas para a GNR “fica a convicção”. Os investigadores escrevem mesmo no relatório que nas conclusões da investigação a causa do acidente é o excesso de velocidade do motorista, mas que “também terá contribuído de forma significativa a forma descuidada e imprudente como o peão fez o atravessamento da faixa de rodagem”.

“Numa autoestrada nada faz prever que surja um peão a caminhar na faixa de rodagem, muito menos a fazer o seu atravessamento da esquerda para a direita. Independentemente do veículo circular em excesso de velocidade”, lê-se.

Já antes destas conclusões, os militares tinham escrito que assumindo a vítima do acidente “a qualidade de peão, uma vez que o atravessamento não se deveu por motivos de trabalho, terá este infringido o sinal de trânsito de proibição de circulação de peões”, incorrendo mesmo em coimas de 24,94 euros e de 10 euros.

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A procuradora do Ministério Público, no entanto, não seguiu o mesmo entendimento da divisão de culpas entre motorista e trabalhador e acusou apenas o motorista do MAI de homicídio por negligência e duas contraordenações graves. Em nenhum lado da acusação se encontram motivos para a deslocação de Nuno Santos ao separador central, muito menos sobre a sua responsabilidade pelo atropelamento que lhe tirou a vida.