A vacinação de crianças entre os 5 e os 11 anos é “desproporcionada” e “desnecessária” e não aconteceria em “nenhuma outra doença” com “um terço da população já protegida”, disse esta quinta-feira o presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria.

Em declarações à Lusa, Jorge Amil Dias recordou alguns indicadores usados pelo próprio grupo de trabalho que recomendou a vacinação de crianças para sustentar o seu raciocínio.

O primeiro parte das “cerca de 70 mil crianças” que já terão sido expostas ao vírus — número que, seguindo os estudos existentes, deverá ser o dobro ou o triplo, pois acredita-se que “por cada caso positivo identificado haverá dois ou três não identificados“.

Portanto, concluiu o pediatra, “cerca de 200 mi crianças já contactaram com o vírus, já adquiriram anticorpos contra o vírus, porque o contacto com a infeção causa imunidade natural”.

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“Sabendo-se que existem 600 mil crianças entre os cinco e os onze anos (segundo dados do Governo), pelo menos um terço das crianças desta faixa etária já estão naturalmente imunizadas“, assinalou, realçando que essas crianças “não ficaram doentes, nem morreram e só excecionalmente, em quatro casos, precisaram de ser internadas em cuidados intensivos”.

Outros indicadores referem que cerca de quatro mil crianças estão a ser inoculadas naturalmente pelo vírus por mês e não ficam doentes”, acrescentou.

Perante este cenário, Jorge Amil Dias questiona: “Qual é a necessidade então de implementar um programa de vacinação, que é caro, que mobiliza recursos e que não vai acrescentar muito mais do que aquilo que a natureza está a fazer sozinha?”.

A questão de vacinar as crianças “deve ser ponderada em função desta realidade”, defendeu o responsável pelo colégio da Ordem dos Médicos, reconhecendo que gostava de ver a diretora-geral da Saúde responder a estas questões na conferência de imprensa que dará na sexta-feira.

Nenhuma outra doença seria passível de um programa de vacinação se tivéssemos um terço da população já protegida“, disse, considerando-o “desnecessário”.

Na terça-feira, a Direção-Geral da Saúde (DGS) recomendou a vacinação das crianças entre os 5 e os 11 anos, depois de a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 ter considerado, com base nos dados disponíveis, que a avaliação risco-benefício, numa perspetiva individual e de saúde pública, é favorável à vacinação das crianças desta faixa etária.

Jorge Amil Dias fala de um processo “profundamente inquinado” e diz que “não tem havido muita seriedade” na discussão. A título de exemplo, referiu que o número de crianças em internamento ou cuidados intensivos que está a ser citado diz respeito a crianças até aos 18 anos e não apenas da faixa que agora vai ser vacinada.

O pediatra reclama que o debate se faça “num ambiente mais recatado” e não na opinião pública. “São discussões técnicas que devem fazer-se entre quem domina os assuntos”, frisou.

Para o responsável do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, “o processo já estava inquinado desde o princípio, porque os decisores políticos anunciaram as decisões antes de perguntarem aos especialistas o que pensavam”.

Sobre a alegação de que “a vacina é importante para impedir a depressão nas crianças”, o pediatra contrapõe que “a depressão (…) existe, mas não é por causa da infeção das crianças, mas por causa do estado global de alarme que se tem gerado”.

“Andamos todos aflitos, com medo uns dos outros, isso é que cria mal-estar e assusta as crianças”, afirmou.

Também o argumento da normalização da vida escolar cai por terra, na opinião de Jorge Amil Dias, porque isso “depende das normas da Direção-Geral da Saúde e não da infeção das crianças”.

Para Jorge Amil Dias, a tónica está na “racionalização” das orientações das autoridades de saúde e deixa um exemplo: “Se tivermos cinco meninos que receberam a vacina e outros cinco meninos que não receberam a vacina, mas que tiveram já contacto com o vírus e já têm anticorpos e estão imunizados, qual é a lógica de mandar uns para casa e os outros não?”.

O pediatra contesta que entre as crianças seja feita distinção entre quem é e não é vacinado e não entre quem está ou não está doente. “É o que acontece com todas as outras doenças: lidamos com as pessoas e tomamos atitudes quando elas estão doentes. Neste caso, estamos a lidar com as pessoas em função dos testes que fazem. Isto é desproporcionado”, vinca.

O pediatra adiantou ainda que as vacinas em causa “ainda não demonstraram completa eficácia na variante” Ómicron e “não foram ainda devidamente testadas”.

“Se a imunidade se for perdendo ao fim de algum tempo, como se verificou nas pessoas que já foram vacinadas, vamos vacinar as crianças a cada três meses?”, questionou.