A ministra da Justiça defendeu esta sexta-feira que a falta de autonomia do Ministério Público face ao poder executivo “é um problema que Portugal não tem” e que a pandemia provou a importância do Estado de Direito para garantir direitos.

No encerramento da conferência “Estado de Direito na Europa”, organizada pela MEDEL – Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades, que decorreu na quinta-feira e esta sexta-feira na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, e ao longo da qual muito se discutiu os recuos na independência judicial e do Ministério Público face ao poder político em Estados como a Polónia e a Hungria, a ministra Francisca van Dunem defendeu que essa falta de autonomia “é um problema que Portugal não tem”.

Francisca Van Dunem ligou o Estado de Direito à salvaguarda dos direitos fundamentais, recordou que o Tratado da União Europeia consagra o Estado de Direito como um “valor fundamental” da União, inseparável da democracia e dos direitos fundamentais que “só podem ser garantidos se for assegurada uma proteção judicial efetiva, se o princípio da igualdade for respeitado, se existir liberdade de expressão e debate informado, com meios de comunicação social independentes e responsáveis, e uma sociedade civil ativa”.

“Os tempos em que vivemos interpelam-nos a reafirmar a importância do Estado de Direito”, disse a ministra, sublinhando o impacto na pandemia de Covid-19 no “agravar das desigualdades” ou crescimento nos discursos de ódio, xenofobia e discriminação, “associados às questões da migração, das minorias, da segurança e da criminalidade”.

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Van Dunem referiu que no caso português pela primeira vez em democracia foi preciso acionar o estado de emergência por um período “infelizmente, muito longo”, durante o qual foram tomadas “decisões muito difíceis” de restrição de direitos, liberdades e garantias, atribuindo aos tribunais “um papel essencial como garantes da Constituição e dos direitos fundamentais” nesse período.

Cabe-nos a todos defender o Estado de Direito e a separação de poderes e promover uma cultura democrática e uma cultura humanista. Proteger, promover e reforçar o Estado de Direito é não apenas um dever das instituições públicas, mas um imperativo de cidadania”, disse a ministra.

Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), sublinhou, por seu lado, que os valores do Estado de Direito “não são consensuais nem irreversíveis” na Europa, referindo que os casos da Polónia e da Hungria demonstram como “a democracia contém dentro de si os vícios destrutivos que a podem corroer por dentro”.

“Por todo o lado há aspirantes a ditadores, disfarçados de democratas, à espreita da oportunidade certa para se agarrarem ao poder”, disse Manuel Soares, sublinhando a importância do sindicalismo e associativismo judicial na defesa da independência do poder judicial, inclusivamente na “linha da frente” da denúncia e apelo à ação contra os ataques a essa independência na Polónia e Hungria.

Manuel Soares criticou, por isso, que em Portugal esse associativismo não seja visto como algo de “virtuoso”, mas sim “vicioso”.

“Em Portugal há muitas pessoas que diabolizam o associativismo judicial como se fosse uma excrescência ilegitima, estranha à soberania e à vida democrática, como se fosse um instrumento subversivo do poder judicial para tomar de assalto o poder político”, disse.

O presidente da ASJP referiu-se ainda à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que pode vir a vincular todos os Estados-membros ao cumprimento dos princípios do Estado de Direito estabelecidos nos tratados da União Europeia, e aos quais todos os países ficam vinculados quando “aderem livremente” à União.

Uma boa notícia para a vitalidade do projeto europeu e uma má notícia para as pulsões do populismo que em diversos países planeiam desmantelar as garantias do Estado de Direito e da independência judicial”, defendeu.