Depois de adiamentos e de várias peripécias que incluíram falhas de luz e mudanças de tribunal, o antigo presidente do BPP apresentou finalmente, esta quarta-feira, a sua defesa perante um juiz sul africano. Através do seu advogado, João Rendeiro teceu vários argumentos para aguardar o desenrolar do processo de extradição em liberdade sob pagamento de uma caução de 2.190 euros e de apresentações periódicas às autoridades. O Ministério Público, porém, mantém que o antigo banqueiro deve permanecer preso e que “gozou” com a justiça portuguesa. A sessão foi suspensa e continua na sexta-feira, desconhecendo-se se será nesse dia que o juiz vai comunicar a sua decisão.
A audiência do antigo banqueiro, João Rendeiro, chegou a estar marcada para segunda, com a defesa a pedir mais tempo. Já na terça-feira sofreu duas alterações de horário e, como o Ministério Público avisou que havia mais um mandado de detenção no processo, acabou adiada para esta quarta-feira. Mas mesmo assim a audiência só começou às 12h30 locais (10h30 em Lisboa), depois de uma manhã descrita por quem estava no tribunal como “caótica”.
Rendeiro devia ter sido presente ao juiz pelas 09h00 locais, mas uma falha de energia no tribunal Verulam Magistrates, em Durban, impossibilitou a audiência. A polícia ainda levou o arguido para a esquadra, na esperança de realizar a audiência no local, mas não havia condições de segurança. Decidiu-se então realizar o ato num tribunal a 100 metros, o de Família, mas os problemas técnicos acabariam por atrasar a sessão cerca de duas horas. A sessão acabou por começar já pelas 12h30, com algumas interrupções devido a problemas técnicos.
Quando a sessão arrancou os jornalistas e as câmaras de televisão foram obrigados a abandonar a sala a pedido da defesa. Os advogados alegaram que havia documentos confidenciais que iriam ser apresentados, avançou a CNN. Também a sala de audiências é reduzida e, dadas as regras sanitárias para conter a pandemia de Covid-19, teria lotação limitada. No entanto, os jornalistas acabariam por conseguir entrar, depois, por ordem do juiz.
Segundo o Correio da Manhã, a defesa começou por ler uma pequena biografia de João Rendeiro para passar depois a contestar os dois mandados de detenção por falta de assinaturas e alegada fundamentação dos crimes. Pediu também que fosse invalidada a busca, em que foram apreendidos três iPad e quatro telemóveis sem ordem judicial. “Li na comunicação social que tenho recursos financeiros ilimitados, mas os meus bens estão arrestados em Portugal, vivo com poucos recursos. Tenho uma conta nos EUA e outra em África”, alegou Rendeiro que diz estar preso por “pressão jornalística” — citado pela defesa. A defesa foi feita na primeira pessoa, mas lida pelo advogado.
A defesa de João Rendeiro acusou também a PJ portuguesa de “sensacionalismo” e disse que o ex-banqueiro foi ameaçado na prisão. Os advogados referem que foram apreendidos três iPad e quatro telemóveis sem mandado de apreensão. Mais, recusam que Rendeiro tenha acedido à internet através de tecnologia de ponta, uma vez que tem uma VPN (Rede Privada Virtual) que lhe custou 12 dólares.
Rendeiro invocou o facto de ter uma mulher para ser libertado, contrariando a entrevista que deu à CNN em que diz que a sua mulher, Maria de Jesus, optou por ficar em Portugal com os seus cães. Maria de Jesus Rendeiro enfrenta também ela, em Portugal, um processo-crime por descaminho das obras de arte apreendidas ao marido e está em prisão domiciliária.
No texto que o advogado leu em tribunal, falou-se ainda nas condições das cadeias sul africanas, assim como da pandemia Covid-19 que o país atravessa. “Estou muito preocupado com a Covid, que se espalha muito rapidamente nas cadeias. Peço que me conceda fiança”. Segundo o Correio da Manhã, a fiança para sair em liberdade pedida será de 2.190 euros (40 mil rands sul-africanos), a par de apresentações periódicas.
Fui alvo de várias buscas no âmbito do colapso do BPP. Os processos foram injustos… Tenho uma mulher em casa em Portugal, tenho boas relações com as pessoas, eu devia sair sob fiança”, disse.
Já o Ministério Público, em alegações, disse que “Rendeiro gozou com Portugal” na entrevista que deu à CNN. Enquanto o procurador falava, João Rendeiro olhava para o chão, relatou quem está na sala. O MP sul africano tinha uma cronologia dos factos e disse que Rendeiro tem família em Portugal e não pode ser visto como residente na África do Sul, onde não tem sequer propriedades. O procurador disse ainda que Rendeiro tinha na sua posse três passaportes. Informação que levou a defesa a pedir uma pausa na sessão para falar com o arguido.
A defesa manteve depois que Rendeiro tem apenas um passaporte e que trazia pouco mais de 700 euros para gastar na África do Sul. Disse mesmo que ele “é pobre”.
João Rendeiro nega estar a desafiar as autoridades
Durante a manhã, e ainda no périplo de se conseguirem instalações para executar a diligência processual adiada desde segunda-feira, João Rendeiro ainda respondeu aos jornalistas enquanto entrava, algemado, para uma carrinha celular para ser levado para a esquadra policial. Perguntaram-lhe se esperava ficar em liberdade. Rendeiro disse: “vamos ver, vamos ver”. Depois se estava a desafiar as autoridades. “Não, não, não”, respondeu.
Segundo a Lusa, o antigo líder do BPP chegou da prisão de Westville ao tribunal pelas 08h30 locais (06h30 em Portugal continental), para ser ouvido pelas 09h00. Uma audiência que devia ter acontecido na segunda-feira, às 48 horas da sua detenção, mas que a defesa pediu para alterar para o dia seguinte para ter tempo para a sua defesa. Já na terça, a sessão chegou a estar marcada para as 09h00, depois para as 11h00, para acabar por realizar-se às 14h00. A defesa alegou que o cliente tinha sido ameaçado de morte na prisão e requereu que fosse transferido. Já na audiência, com João Rendeiro sentado perante o juiz, surgiu uma nova questão: chegou ao tribunal o segundo mandado de detenção internacional de que o arguido é alvo. O que motivou mais um pedido de adiamento da defesa.
Ao sair da sala, o arguido acabou por dizer aos jornalistas: “Eu não vou regressar a Portugal”.
O banqueiro é procurado para cumprir uma pena de cadeia de cinco anos e oito meses por falsidade informática e falsificação de documentos. Num segundo processo, condenado a uma pena de dez anos por fraude fiscal, é também procurado — mas para ficar em prisão preventiva, depois de ter comunicado que não pretendia regressar a Portugal. Já em fuga, o banqueiro foi condenado num terceiro processo por burla qualificada a três anos e seis meses. Estes dois últimos processos estão ainda em recurso.
Às autoridades sul africanas terá chegado um primeiro mandado de detenção internacional pedido pela juíza Tânia Loureiro Gomes que o condenou a uma pena de cadeia de dez anos, processo que está agora no Tribunal da relação de Lisboa. Quando a magistrada percebeu que Rendeiro não estava a dar conta do seu verdadeiro paradeiro ao processo, a juíza notificou-o para comparecer em tribunal com intenção de o colocar em prisão preventiva. Mas o arguido comunicou não ter intenção de regressar ao país. Logo a seguir foi o juiz Nuno Dias Costa a emitir um documento idêntico, mas neste caso para Rendeiro cumprir a única pena de prisão que é já definitiva e que o condena a cinco anos e oito meses de cadeia. Terá sido este segundo mandado de detenção internacional que agora chegou às autoridades que vão decidir se ele deve esperar pelo processo de extradição preso, como quer o Ministério Público, ou em liberdade sob caução, como pede a sua defesa.
PJ em busca de Rendeiro — que já tem segundo mandado de captura internacional
Ministério Público garante que processo de extradição será entregue a África do Sul a tempo
A diretora do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da Procuradoria-Geral da República (PGR), Joana Gomes Ferreira, disse ao Público que na procuradoria só existem dois tradutores para todos os processos do país e que será difícil conseguir entregar o pedido de extradição antes dos 40 dias.
As autoridades portuguesas têm no máximo 40 dias para apresentar o pedido formal de extradição, o que implica traduzir os três processos de que é alvo para sustentar o prazo. Embora existam países que admitem uma súmula dos processos. Se as autoridades portuguesas excederem o prazo e Rendeiro estiver preso, poderá ser imediatamente libertado.
Rendeiro será presente a um juiz para validar a prisão de que foi alvo, uma vez que o processo de extradição ainda nem começou. A porta-voz da PGR de África do Sul, Natasha Ramkissoonn-Kara, já lembrou que este prazo para entrega do processo de extradição é de 18 dias, só extensível para 40 por “razões atendíveis”.
Entretanto a Procuradoria Geral da República reagiu a esta notícia lembrando que na impossibilidade de os tradutores internos traduzirem os processos a tempo, que recorre a tradutores externos. “O Ministério Público não deixará de formalizar o referido pedido de extradição no prazo legalmente previsto. Pese embora o limitado quadro de tradutores ao serviço da Procuradoria-Geral da República, essa circunstância não constituirá impedimento a que, no respeito do prazo a que alude o art.o 16.o da Convenção Europeia de Extradição, seja realizada a respetiva tradução. Na verdade, se tal se revelar imprescindível poderá sempre recorrer-se a contratação externa para esse efeito”, lê-se no comunicado.
Amanhã, quinta-feira, é feriado nacional na África do Sul e todos os serviços público estarão encerrados. A audiência de João Rendeiro será retomada sexta-feira.