Para quem procura um veículo eléctrico e não tem limitações em matéria de preço, não faltam propostas grandes e luxuosas, como o Mercedes EQS, ou potentes, rápidas e eficientes, como o Tesla Model S ou o Lucid Air. Mas nem todos os condutores com vontade de adquirir um modelo alimentado exclusivamente pela energia armazenada na bateria estão dispostos a investir mais de 150 mil euros num automóvel. Isto num país em que os carros mais vendidos são utilitários com cerca de 4 metros de comprimento e preços médios inferiores a 20 mil euros.

Para democratizar os veículos eléctricos, é óptimo existirem propostas como o Model S Plaid, com 1020 cv e capaz de bater o recorde na pista de Nürburgring, pois provam que a tecnologia atingiu um estágio de evolução que permite sonhar mais alto. Mas os eléctricos não serão transversais à sociedade enquanto não surgirem soluções mais pequenas, menos potentes e, sobretudo, mais baratas e mais económicas de utilizar. E é aqui que entra o Dacia Spring.

Mini SUV “cool” e versátil

O Dacia Spring, produzido na China, foi concebido como um SUV do segmento A, com 3,734 m de comprimento, o que o torna mais curto do que o Clio, mas maior do que o Twingo (+11,9 cm) e o Smart Forfour (+23,9 cm). A sua estética é divertida, até atraente, especialmente na versão Comfort Plus, aquela colocada à nossa disposição, isto por comparação com a mais simples Business, que guiámos meses antes no Porto, durante a apresentação do modelo.

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A distância ao solo de 15,1 cm pode não lhe permitir disputar o Dakar, mas facilita e até convida a incursões por fora de estrada, desde que sejam civilizadas. Isto porque as baterias estão na zona inferior do chassi e os carros eléctricos não gostam que os acumuladores sejam expostos a pancadas violentas. Para o estatuto de pequeno SUV, ou crossover, muito contribuem os alargamentos dos guarda-lamas, protegidos por plásticos, bem como as protecções (estéticas) dos pára-choques, à frente e atrás.

Apesar do motor eléctrico e da pequena bateria com uma capacidade útil de 27,5 kWh, uma grande vantagem do Spring é o seu peso de somente 1045 kg, inferior aos 1200 kg do Forfour e 1186 kg do Twingo Electric, ambos com baterias mais pequenas (16,7 kWh para o Smart EQ e 21 kWh para o Renault). Aliás, com pouco mais de uma tonelada, já com condutor a bordo (75 kg), o Dacia eléctrico é mais leve do que o menos potente dos Clio a gasolina.

Conforto e espaço para quatro

Uma vez lá dentro, descobrimos uns assentos confortáveis para este segmento e classe de preço, substancialmente melhores do que os que estavam montados na versão Business que guiámos antes. Os plásticos são os mesmos, duros mas com um design simples e agradável, tanto no tablier como nos painéis de porta, ao nível do Smart ou do Twingo, mas não do Clio. Têm ainda a vantagem de nunca terem produzido um único ruído parasita. A sensação de carro barato surgia apenas quando fechávamos a porta de forma mais decidida, o que aconteceu umas vezes até nos habituarmos.

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O espaço a bordo é bom para quatro adultos, mesmo se relativamente mais altos do que o normal. Ter 1,75 m não nos colocou problemas e ficámos com a sensação que, se repentinamente crescêssemos mais cinco centímetros, continuaríamos a poder viajar de Spring sem desconforto. Os assentos anteriores são confortáveis, mas sem um grande apoio lateral, o que tão pouco faz muita falta, uma vez que curvar a 200 km/h está fora de questão. O painel de instrumentos é correcto, sobretudo nesta versão, que inclui um ecrã central que assegura o acesso ao sistema de som e de navegação, entre outros.

Além de alguns locais para alojar objectos no habitáculo, o pequeno SUV eléctrico da Dacia oferece lá atrás uma mala com 290 litros de capacidade. Isto caso monte um kit para remendar furos, pois se o condutor revelar preferência pela quinta roda, o volume útil cai para 270 litros. Valores interessantes, que deixam para trás o EQ Forfour (185 litros), o Twingo Electric (219), não ficando muito longe do Clio (340).

Potência assusta, mas cumpre. Consumos deliciam

Assim que pressionámos o botão Start para colocar o Spring em marcha, despertámos o motor que desenvolve 45 cv em condições normais e apenas 27 cv se accionarmos o modo de condução Eco, que faz “esticar” a autonomia mais 10%. Mas se a Dacia optou por um motor pouco potente, face aos 82 cv do Twingo ou do EQ Forfour, a realidade é que fornece um binário de 125 Nm, mais próximo dos 160 Nm, o que é compensado por um peso inferior.

Os 19,1 segundos anunciados para ir de 0 a 100 km/h são pouco atraentes, mas não se deixe assustar, pois até 70 km/h acompanha os seus concorrentes directos. Depois, continua a ganhar velocidade até aos 125 km/h, o que pode parecer muito pouco se comparado com os 322 km/h do Model S Plaid, mas que se torna substancialmente mais atractivo se tivermos presente que este mini SUV eléctrico custa apenas 14 mil euros (13 mil euros para empresas), usufruindo dos incentivos governamentais a particulares.

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Submetemos o Dacia Spring ao nosso circuito de ensaio em cidade, onde avaliamos todos os modelos. O mini SUV revelou-se mais eficiente do que esperado, registando um consumo de 12,1 kWh/100 km em modo Eco, o primeiro eléctrico a conseguir bater os 13,2 kWh/100 km alcançados pelo Tesla Model 3 Performance. Isto significa que o Dacia eléctrico, que anuncia 305 km em ciclo urbano, segundo o método WLTP, fará 227 km, o que ainda assim é um bom valor para a capacidade da bateria. A potência reduzida e o peso contido ajudam a explicar o bom desempenho, mas não na totalidade, pois o Smart e o Twingo revelam-se mais gulosos em termos energéticos.

Em estrada, a 90 km/h e ainda em modo Eco, o consumo foi de 14,2 kWh/100 km – o que pressupõe uma autonomia de 193 km -, sendo de recordar que o Spring tem homologado em WLTP 13,9 kWh/100 km. Os problemas para o eléctrico da Dacia começam ao fazer uma média de 120 km/h em auto-estrada, próximo do limite da velocidade máxima e sem possibilidade de recorrer ao modo Eco. O consumo determinado nestas conduções foi 19,6 kWh/100 km, o que aponta para uma autonomia de 140 km. Curiosamente, o Model 3 Performance registou 12,9 e 19,0 kWh/100 km nestas mesmas condições. Significa isto que, em cidade ou em estrada a ritmos de acordo com as regras de trânsito, o DaciaSpring é capaz de conseguir consumos surpreendentes, tendo-nos permitido circular em ciclo misto com uma autonomia média de 219 km, não muito longe dos 230 km reivindicados pelo fabricante, em WLTP.

Comportamento macio, mas eficaz. E um preço de arromba

Outra surpresa agradável proporcionada pelo mini SUV eléctrico foi o comportamento. O Spring não é um desportivo, nem o pretende ser, mas se tem dúvidas sobre o seu equilíbrio e estabilidade, basta recordar que este mesmo Dacia praticamente igualou o Porsche Taycan Turbo S no teste do alce.

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Esta capacidade de quase bater o mais potente dos Taycan, com suspensões pneumáticas de altura regulável, pneus de máxima aderência e modos de condução desportivos, aconteceu apesar de o Spring ter montado uns pneus 165/70 R14 da chinesa Linglong, com um índice energético E. E o equipamento pneumático revelou-se tão fraco em aderência quanto em eficiência energética, uma vez que os concorrentes de marcas ocidentais facilmente garantem níveis de eficiência B. Com pneus melhores, o mini SUV teria maior autonomia, menor consumo e… bateria claramente o Taycan Turbo S.

Apesar de todo o equilíbrio, o Spring favorece decididamente o conforto e não o carácter desportivo. A ausência de barra estabilizadora facilita o adornar em curva, mas faz maravilhas quando decidimos ir mais longe através de uma estrada de terra, mesmo com piso em menos bom estado.

O “nosso” Spring Comfort Plus é o mais bem equipado e dispendioso da gama, à venda por 18.500€, valor que desce com o incentivo do Governo (3000€), para particulares, ou com a recuperação do IVA para as empresas, o que, em ambos os casos, coloca o valor desta versão próximo dos 14 mil euros. Há uma outra versão 1500€ mais acessível, mas com menos equipamento, a Comfort, que nos parece propor uma relação menos aliciante de preço/equipamento para este modelo, que não é o melhor eléctrico do mercado, mas é uma proposta muito interessante e que vai abrir a porta dos veículos eléctricos a uma nova franja de compradores, sobretudo os adeptos de escolhas racionais.

A Dacia já entregou as primeiras 176 unidades das 556 encomendas que tem entre mãos em Portugal (na Europa são 40.000), valor que irá aumentar depois de os potenciais clientes se sentarem ao volante e perceberem que este eléctrico até anda.