A família de Nuno Santos, que morreu atropelado pelo carro onde seguia o então ministro da Administração Interna, em junho do ano passado, quer que Eduardo Cabrita e o seu chefe de segurança pessoal sejam constituídos arguidos e responsabilizados criminalmente. O advogado que os representa pede ainda que a acusação do motorista do carro, por um crime de homicídio por negligência, seja agravada.
No Requerimento de Abertura de Instrução — uma fase processual em que um juiz de instrução vai olhar para a acusação e decidir se segue para julgamento e como —, entregue ao tribunal no final de 2021, o advogado José Joaquim Barros refere que não pode ser apenas o motorista Marco Pontes responsabilizado pela morte do trabalhador Nuno Santos.
Nuno Santos foi atropelado a 18 de junho de 2021 no quilómetro 77 da A6, onde a sua equipa se encontrava a fazer trabalhos de limpeza de vegetação na margem direita, no sentido Caia—Marateca. Desconhecem-se os motivos para Nuno Santos estar no separador central da A6, mas foi de lá que saiu antes de ser colhido pelo carro BMW onde seguia o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, vindo de um evento na Escola Prática da GNR em Portalegre.
Carro de Cabrita seguia a 163km/h. Motorista acusado de homicídio por negligência
Marco Pontes, o único arguido no caso, era o motorista do ex-ministro (Eduardo Cabrita demitiu-se depois de ser conhecida a acusação). No mesmo carro vinham dois outros ocupantes. Atrás, mas na faixa da direita, seguia um segundo carro, cujo passageiro da frente era o chefe de Segurança de Alta Entidade, Nuno Miguel Mendes Dias, da PSP. Havia ainda um terceiro carro na comitiva, que seguia atrás do de Cabrita.
Para o advogado que representa a família da vítima, que deixou duas filhas, Marco Pontes deve ser pronunciado pelo crime de homicídio por negligência, mas não na forma simples. O advogado pede ao juiz de instrução que lhe impute um crime de homicídio por negligência grosseira, o que à luz da lei implica uma pena de prisão de até cinco anos (e não os três previstos para a forma negligente simples). Pede também que o motorista seja acusado do crime de condução perigosa, um crime que a procuradora que o acusa decidiu arquivar.
Além desta agravante, José Joaquim Barros pede também que Eduardo Cabrita e o seu chefe de segurança, responsável pela forma como vinham os carros da comitiva, sejam pronunciados pelos crimes de homicídio por negligência grosseira, condução perigosa, mas também por omissão de auxílio. O advogado da família da vítima considera que Marco Pontes não deve responder pela omissão de auxílio porque existem no processo evidências de que ficou visivelmente transtornado após o atropelamento, e “havia mais pessoas para o fazer”, explicou o advogado ao Observador.
O mesmo não considera em relação ao ex-governante e ao seu chefe de segurança pessoal, que foi também o primeiro a chamar o INEM mas que deu uma localização errada do sítio onde se encontravam, fazendo atrasar os meios de socorro. “Não se compreende como um chefe de segurança, que é PSP, planeia uma viagem destas e depois não sabe onde ficam o Norte, o Sul, o Este e o Oeste”, diz o advogado.
Pedi a pronúncia do ex-ministro porque entendemos que estamos numa estrutura hierárquica em que ele tem o domínio hierárquico do facto. E do chefe de segurança que não alertou o ministro para o esquema das viaturas na estrada, que colocaria em risco outros utentes. Tinha obrigação de avisar o ministro. Ele é responsável por pôr em prática o esquema de três viaturas a ocupar duas faixas”, explica o advogado.
No requerimento, que será agora apreciado em tribunal, o advogado reconhece que a jurisprudência se divide em relação à constituição de arguidos sobre suspeitos que não foram sequer investigados nesta fase do processo. No entanto, admite que ex-ministro e chefe de segurança sejam constituídos arguidos num processo à parte, até para não afetar o normal andamento deste.
Também a advogada de Marco Pontes já entregou o seu Requerimento de Abertura de Instrução, segundo confirmou a própria ao Observador sem revelar pormenores. Até agora, pelos requerimentos que enviou ao processo, a defesa tem lembrado o tribunal de que Marco Pontes não seguia sozinho no carro e que cumpria ordens.
Eduardo Cabrita demite-se depois de acusação no caso de atropelamento mortal