Rui Tavares e João Cotrim Figueiredo sentaram-se à mesa para debater com a certeza de que chegar a algum entendimento seria impossível. Sentados de lados opostos da bancada, em comum só mesmo a indumentária — ambos de blazer cinzento, camisa azul, sem gravata.

O líder liberal não tem qualquer prurido em distanciar-se: “O Livre propõe uma sociedade utópica, eventualmente agradável, mas poética, à frente das necessidades dos portugueses.” Com paninhos quentes aqui e ali, ao contrário do que se viu no debate que opôs Rui Tavares e Francisco Rodrigues dos Santos, a discussão foi cordial, serena e totalmente ideológica, focada nos programas eleitorais de cada partido.

E como debate com o Livre não seria debate se a proposta do Rendimento Básico Incondicional (RBI) não fosse discutida, Cotrim Figueiredo aproveitou a oportunidade para mostrar a indignação da Iniciativa Liberal com a proposta. Contas feitas, diz Cotrim Figueiredo, “se cada português recebesse 500 euros por mês a conta anual seria equivalente a salvar 20 vezes a TAP por ano”.

Cotrim tentava ainda expor a “sociedade utópica” que, aos seus olhos, o Livre quer criar: “Se salvar só uma TAP por ano só poderia dar 25 euros por mês para cada português”, concretizou, antecipando ainda a resposta de Rui Tavares e a justificação de que se trata de uma proposta para teste piloto: “Se o Livre gosta de ter programas de teste, nós queremos coisas testadas. Não se governa um país só com boas intenções”.

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E se na Iniciativa Liberal se fala em utopia, no Livre responde-se com”fezada”. Rui Tavares contrapôs com a taxa única de IRS que a Iniciativa Liberal propõe: “Fazer projetos como o Rendimento Básico Incondicional que custam um um centésimo da fezada que a Iniciativa Liberal tem de que — mutilando o Orçamento do Estado em dois mil milhões de euros — mil milhões se recuperam com o crescimento económico.” Seguiu-se o alerta do candidato do Livre, ao dizer que nos últimos anos houve “três das maiores recessões do século” e que não se poupam “mil milhões de euros nos gastos do Estado como se fossem fotocópias”.

Nos poucos mais de 20 minutos de debate os dois candidatos só convergiram num ponto: é preciso baixar impostos. Mas a proposta da Iniciativa Liberal foi um dos alvos preferidos de Tavares: “A IL fala de prescindir de dois mil milhões de recursos de coleta fiscal com a taxa única de imposto, o Livre fala de recuperar 10 mil milhões de euros que Portugal perde em evasão fiscal todos os anos.”

O crescimento económico (e a pouca atenção que o Livre dá ao tema no programa eleitoral) também marcou o debate. Rui Tavares distancia-se da Iniciativa Liberal na forma de olhar para o tema e fez questão de o mostrar, ao dizer que para o partido há outras prioridades, a começar por uma “economia mais especializada, da descarbonização, que olhe para a emergência climática como oportunidade de ter prosperidade partilhada”.

É um país de “prosperidade partilhada” que move o Livre e João Cotrim Figueiredo até entende algumas das posições do partido, não entende é o timing. Se fosse há 25 ou 30 anos (e disse-o por duas vezes) até poderia haver espaço para uma forma diferente de olhar para o país, mas a atualidade não o permite: “Em 2022, Portugal está num estado de estagnação que não permite outra opção que não seja crescer economicamente.”

O mote da IL está traçado — e reiterado vezes sem conta — e centra-se no crescimento económico. O líder liberal foi até mais longe para argumentar que “todos os desafios para os quais Portugal tem de se preparar precisam de recursos que não foram gerados”. Dos salários aos desafios de travar a emigração jovem, da habitação ao clima, tudo coube nas explicações.

As discordâncias têm espaço para mais um tema, a abordagem sobre as alterações climáticas. João Cotrim Figueiredo esclareceu as palavras que vinham do debate com Inês Sousa Real, do PAN: “Não disse que não há uma emergência climática, disse que não gosto da expressão porque em emergência tendemos a aceitar todas as soluções.” Cotrim Figueiredo está certo de que “a verdadeira emergência é a da estagnação” e de que “a noção de alarme não é boa conselheira”. Por isso, acusa a esquerda de usar esse mesmo alarme para fazer campanha contra a economia de mercado.

Rui Tavares não gosta de ouvir e considera que a emergência climática não só é uma prioridade, como deve ser vista como uma “oportunidade para a transformação económica”. Aqui, até se entendem. Mas também tinha argumentos para o ataque (não só da IL, mas à esquerda): “Negar a necessidade de ter prioridades estratégicas faz-me lembrar o tipo de dogmatismo que encontrei muitas vezes, também na minha família política, a situação em que se negam os factos para que se adequem à ideologia.”

E como ambos estavam ali para discutir programas, Rui Tavares não deixou escapar a polémica proposta de créditos para o Ensino Superior da Iniciativa Liberal, ainda que já não faça parte do programa eleitoral do partido. João Cotrim Figueiredo explicou-se para dizer que a proposta caiu porque estava “baseada numa noção que os salários em Portugal não justificam”. Apesar do passo atrás, admite “um dia lá voltar”.

Na resposta Tavares aproveitou para apresentar a proposta do Livre neste campo com um fundo estratégico. Através da criação um novo modelo de financiamento para o Ensino Superior, o objetivo do Livre é “criar justiça geracional entre vários estudantes do Ensino Superior”, onde parte do IRS de cada pessoa seja diretamente canalizada para o tal fundo estratégico deste nível de ensino.

Diálogo revelador:

Rui Tavares (RT): Quando dizemos que precisamos de recursos para fazer face a estes problemas para ter serviços públicos de qualidade que é o que torna a nossa sociedade atrativa. Os nossos jovens emigram para sociedades onde há excelentes serviços públicos.

João Cotrim Figueiredo (JCF): Diga, diga. Para países liberais.

RT: Não.

JCF: Sim, a verdade é essa.

RT: João Cotrim Figueiredo aí, de facto, faz-me lembrar muito aquilo que ouvi durante muitos anos em relação aos países soviéticos.

JCF: Mas desmente?

RT: Aquilo a que chama países liberais são países de um modelo social europeu que foram construídos também sim por liberais, por socialistas, por democratas cristãos, por ecologistas, até por eurocomunistas.

JCF: Nada contra desde que tenhamos as mesmas políticas em Portugal.

RT: Aquilo que precisamos é de conseguir recuperar esse sentido.

JCF: Os maiores destinos são Irlanda, Holanda, Reino Unido e Alemanha.

RT: Os países do modelo social europeu, aqueles em que os sindicatos são fortes e têm contratação coletiva como na Dinamarca, aqueles onde os trabalhadores têm lugar nos conselhos de administração das empresas como a Alemanha. Países do modelo social europeu que não foram construídos nem a diabolizar a esquerda nem o socialismo, mas em conjunto. Construídos em conjunto, também com sistema de taxação progressiva.

JCF: Alguns.

RT: Construídos com uma utilização racional de recursos, não puseram o carro à frente dos bois.