A mira continua apontada e não se desvia do alvo nem por um segundo. E o alvo não é nem o voto útil, nem a concorrência à direita com quem disputa eleitorado — é António Costa e o Governo. Depois de um debate na véspera em que canalizou todos os cartuchos para o socialismo, João Cotrim Figueiredo passou o dia no tiro ao Governo: de manhã sobre a Lei de Bases da Saúde de Costa e o fim das PPP nos hospitais que “poupavam” dinheiro ao Estado, à tarde sobre os impostos que tornam o gasóleo e a gasolina mais caros.
Foi no concelho e na cidade de Torres Vedras, distrito de Lisboa, que o presidente da Iniciativa Liberal (IL) terminou o dia. A ação de campanha foi simples: consistiu em, numa bomba de gasolina da cidade, atar um múpi com a cor azulada do partido a um poste, acompanhado por alguns (pouco mais de duas dezenas) de apoiantes e militantes de um núcleo regional da IL.
Neste painel urbano vertical, voltado para a estrada e visível a todos os condutores que ali passassem — numa artéria particularmente movimentada da cidade, até por ligar o centro histórico de Torres Vedras ao centro comercial mais próximo —, via-se um contador de combustível com o slogan “O único depósito cheio é o do Governo”. Por baixo, via-se uma constatação que indigna os liberais (“Pagamos 60% de impostos no combustível”), o ícone e nome do partido e uma receita que promete ser dada em troca de um voto: “Baixar impostos”.
Aos jornalistas, Cotrim Figueiredo carregava nas críticas ao PS. Defendia que a política fiscal sobre os combustíveis “não é um mero instrumento nem de captação de receitas, nem de gestão ambiental” e “tem de ser também um instrumento de desenvolvimento económico e de dar às pessoas a oportunidade para fazer a sua vida”. E propunha desde logo uma redução drástica nos impostos sobre gasóleo e gasolina: no gasóleo, a redução é de 11 cêntimos por litro.
Metade do preço dos combustíveis, no caso do gasóleo, e quase 60%, na gasolina, são impostos. Não tem de ser assim porque quando o PS tomou posse há seis anos os impostos sobre o gasóleo por exemplo eram 11 cêntimos mais baixos do que são hoje. Portanto, com IVA quer dizer que só com impostos o PS aumentou o preço dos combustíveis em 13 cêntimos e meio”.
Considerando o aumento dos impostos sobre os combustíveis, que se refletem depois no preço pago pelos condutores, “uma barbaridade face aos orçamentos familiares, em particular para quem precisa da viatura para fazer a sua vida profissional”, Cotrim revelou: “A nossa proposta é repor o nível de impostos sobre produtos petrolíferos na base em que estava em 2016, para dar um alívio às pessoas”.
Além de aliviar a carteira dos condutores, a redução de impostos sobre os impostos contribuiria também “para o crescimento económico”, alavancando “recursos para fazer a transição energética que é possível e necessária fazer”, acrescentava Cotrim Figueiredo. “Não podemos ter as pessoas a sacrificarem-se, nomeadamente aquelas que menos podem para pagar essa transição através da fiscalidade sobre os combustíveis”.
Para o candidato e presidente da Iniciativa Liberal, a tese do Governo de que o aumento de impostos petrolíferos serve de incentivo à redução de emissões poluentes é “uma hipocrisia total, em termos populares é uma sonsice”. Mais: é “desculpa de mau pagador”, porque “este Governo — à semelhança de outros Governos socialistas noutras alturas — tem sido muito especialista em taxar tudo o que mexe, o que não é boa política económica”.
O que o Governo quer é arrecadar impostos porque sabe que isso traz receita. Mas também perde essa receita. As pessoas que vivem em zonas fronteiriças irem abastecer a Espanha conduz a uma perda de receita fiscal de 12% do total, segundo os últimos estudos da Entidade Nacional de Mercado de Combustíveis. Isso pagaria esta redução fiscal que estamos a propor em relação ao gasóleo”, alertou Cotrim Figueiredo.
Apesar de reconhecer a importância do combate às alterações climáticas, Cotrim apontou: “Aqui em Torres Vedras, onde estamos, ainda há muita gente que vai a Lisboa trabalhar e fazer a sua vida, portanto não tem alternativa de transportes públicos e tem de usar a sua viatura. Em todo o interior do país tenho ouvido essa queixa muitas vezes: as pessoas não têm alternativa para fazer essas deslocações pessoais ou profissionais sem ser por viatura própria“.
Na realidade, no exemplo concreto dado pelo candidato da Iniciativa Liberal, a oferta de transportes públicos até existe para quem vive em Torres Vedras (cidade) e trabalha em Lisboa: em dias úteis, é possível viajar de autocarro da primeira cidade para a segunda a partir das 6h.
O primeiro autocarro vindo de Torres Vedras, num dia útil, chega assim a Lisboa por volta das 6h40 (40 minutos de viagem). Daí em diante há vários autocarros no período matinal, por exemplo às 6h27, 6h39, 6h45, 6h51 e 6h57. Só entre as 6h e as 8h partem da cidade de Torres Vedras para Lisboa 17 autocarros e entre as 8h e as 9h existem mais seis horários de viagem. Já para regressar do trabalho existem vários autocarros que partem de Lisboa para Torres Vedras ao fim da tarde (a cada entre 10 a 15 minutos), sendo que o último sai de Lisboa à meia-noite e meia e chega a Torres Vedras à 1h10.
Quando questionado pelos jornalistas sobre se não há também uma quota parte de responsabilidade das empresas de combustíveis no preço pago pelos condutores, dado que em Espanha a carga fiscal não é radicalmente mais baixa mas os preços são muito inferiores, Cotrim Figueiredo apontou:
É verdade que há essa diferença e pode-se fazer essa análise, mas também é verdade que a autoridade da concorrência já olhou para esse tema pelo menos três vezes e não encontrou ainda indícios de deficiências na concorrência das empresas. Da voz da IL não se ouvirá nada que não seja que a concorrência tem de funcionar da forma mais limpa e transparente possível. E se alguém infringir as regras da concorrência tem de ser penalizado por isso”, vincou.
Reconhecendo que “a existência de vários fornecedores de combustível tem de conduzir ao preço mais baixo dadas as condições de mercado”, o candidato liberal salientou que “do lado do Governo e dos decisores políticos” há algo que pode já ser feito para baixar os preços: “baixar impostos”. Quanto ao resto, “a fiscalização e a regulação têm de funcionar e se houver algum ilícito, tem de ser punido”.
Antes da tarde na bomba, a manhã no hospital a pedir mais PPP
Se à tarde foi à bomba pedir menos impostos, à hora de almoço foi ao hospital pedir mais PPP. O hospital foi o Beatriz Ângelo, em Loures, que a partir de esta terça-feira passou a ser gerido exclusivamente pelo Estado — depois de uma década a ser gerido em parceria público-privada, face a um acordo entre o Estado e o Grupo Luz Saúde que não foi agora renovado.
Numa altura em que em Portugal resta apenas uma PPP na área da saúde — o Hospital de Cascais —, Cotrim acusa mesmo António Costa e o PS de terem vendido “a alma ao diabo” nas negociações para a nova Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019, que obstaculiza novas PPP.
Para parcerias deste tipo é necessária vontade das duas partes. Aqui não houve acordo e os motivos têm de ser explicados. Do nosso ponto de vista, é um erro. Não sei pormenores desta situação, não vou comentar o caso em concreto mas claramente não houve vontade política para continuar. Há PPP noutras áreas que são ruinosas, mas as Saúde eram boas”, defendeu.
O candidato afirmou inclusivamente que “todos os relatórios independentes” indicam que as parcerias entre público e gestão privada eram benéficas “no custo financeiro para o Estado, na qualidade do serviço, na satisfação dos utentes”. E o Beatriz Ângelo era “o hospital que tinha o segundo custo operacional por doente-padrão mais baixo da rede SNS. Agora vai encerrar [em modelo PPP]”, acrescentava Cotrim.
Socorrendo-se do exemplo Hospital de Braga, uma anterior PPP que o Governo socialista também não renovou, Cotrim desafiou os jornalistas: “Perguntem quanto era para o Estado o custo operacional por doente-padrão do Hospital de Braga quando era PPP e quanto é hoje — ainda para mais com prejuízo da qualidade do serviço e da satisfação dos utentes”.
Por ano, chegou mesmo a estimar Cotrim citando projeções do Tribunal de Contas, “767 milhões de euros podiam ser poupados no SNS se todos os hospitais tivessem a mesma eficiência que os hospitais em PPP”.