Desta vez não foi só a Rui Rio que António Costa atirou forte. Foi também ao chumbo “imperdoável” da esquerda ao Orçamento para este ano, àqueles que lhe “cortaram as pernas”. O que o coloca naquela posição que quer: de só haver uma saída para quem quer estabilidade, a maioria absoluta do PS. Voltou a pedir que os socialistas não tenham “medo” daquilo que alguns apresentam como “papão” e terminou em mais um novo capítulo da dramatização, ao dizer que é o PS que é “o partido do bom senso, da responsabilidade, do diálogo, da concórdia nacional que no PREC evitou a confrontação. E na pandemia soube unir o país”.
A memória vai direta ao período histórico em que ficou exposta a fratura entre PS e PCP, com Mário Soares a apontar o dedo ao radicalismo comunista (num comício decisivo para o PS na Alameda Afonso Henriques, em junho de 1975) e a erguer aí muros entre o PS e o partido então liderado por Álvaro Cunhal. Costa já disse que não os quer “reerguer”, depois da “geringonça”, mas hoje quis trazer à memória esse travão que o PS impôs.
Foi o primeiro dia de campanha oficial com contacto de rua — curto e com um café pelo meio — e, a dada altura, na rua pedonal Capitão João Francisco de Sousa, em Beja, António Costa, enfiado numa samarra, ouviu uma senhora aproximar-se para lhe pedir um hospital no concelho. Respondeu com o hospital central que já está a ser construído, mas em Évora (e que visitará esta quinta-feira). A seguir no Algarve ouviu o seu próprio PS (e um independente) pedir o Hospital Central do Algarve, mas esse não está sequer em plano e nem consta no Orçamento do Estado que o socialista promete ter pronto para aprovar nos dias depois das eleições.
A maioria absoluta não sai do guião nem por um dia, numa única ação de campanha. Não há curva em que António Costa não aponte à necessidade de estabilidade. Mas depois também há as reivindicações locais que um candidato que é ao mesmo tempo primeiro-ministro em funções não consegue contornar. E nem sempre tem resposta satisfatória para dar. Por exemplo, no comício de Faro, ao fim do quarto dia de campanha, ouviu o convidado independente do comício, o médico Nuno Marques pedir “um hospital central novo” para o Algarve. E logo de seguida, a cabeça de lista do distrito, Jamila Madeira a fazer o mesmo — embora com mais tática.
Jamila foi secretária de Estado da Saúde — saiu em confronto com Marta Temido — e na intervenção que fez foi à volta. Num dos ataques feito ao PSD disse que não será Rui Rio que “quererá ter essa despesa”. Ora, não é Rui Rio, mas por agora também não é António Costa.
O líder socialista tem feito esta campanha a usar o facto de ser o único candidato com condições de não deixar o país muito tempo parado à espera do Orçamento. Aliás, até pede a maioria absoluta para ainda atalhar mais esse processo e conseguir pôr em jogo, o mais rapidamente possível, o mesmo Orçamento que foi chumbado. Mas essa mesma proposta não contempla a construção do hospital que o Algarve espera há 20 anos. “Até 2023, iniciar-se-á a construção de novos hospitais centrais ou de proximidade, designadamente Lisboa Oriental, Seixal, Sintra ou Alentejo que se encontra em diferentes fases de maturação”, constava na proposta chumbada e que Costa quer recuperar tal como está.
Na sua intervenção não deu resposta à questão concreta do Algarve. A Saúde serviu-lhe sobretudo de arma de arremesso a Rio. Uma semana depois de o enfrentar em debate ainda fala na defesa que diz que o candidato social-democrata fez de um SNS “tendencialmente gratuito”. “Quer que a classe média passe a pagar cuidados de saúde no SNS”, insistiu mais uma vez.