Dizem-nos desde pequenos que os cães descendem dos lobos e até acreditamos que conseguimos ver traços do antepassado selvagem nos huskies siberianos ou mesmo nos pastores alemães. Mas convencer as crianças (e até os adultos) que um chihuahua ou yorkshire terrier descendem desses mesmos lobos torna-se uma tarefa mais desafiante.

A domesticação dos lobos naqueles que viriam a tornar-se os melhores companheiros do homem começou há cerca de 15 mil anos, mas as transformações (digamos) mais bizarras aconteceram nos últimos dois séculos. Criámos cães tão grandes como o dogue alemão ou o mastim inglês e tão pequenos como o pequinês ou o pug — e tornámos os cães a única espécie cujo tamanho pode variar 40 vezes entre a raça mais pequena e a maior.

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Mas se os lobos-cinzentos atuais e os cães de maior porte partilham uma mutação de um gene que lhes garante o tamanho, os cães mais pequenos partilham a forma mais antiga desse gene, de acordo com um estudo recém publicado na revista Current Biology. A seleção artificial feita pelo homem resgatou um gene que praticamente desapareceu nos lobos do Pleistoceno (entre entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos, na altura das glaciações frequentes).

A variação que permitiu aos lobos do hemisfério norte crescerem mais terá surgido há 53 mil anos, provavelmente fruto das baixas temperaturas no Pleistoceno, que dariam mais vantagens evolutivas a animais maiores. Mas os canídeos do hemisfério sul, como outros lobos, os mabecos ou os chacais, conservaram a forma ancestral do gene e um tamanho mais pequeno.

Isto não é só uma história sobre cães. É uma história de lobos e uma história de raposas e uma história de coiote e uma história de tudo, de todos os caninos“, disse à Nature Elaine Ostrander, geneticista no Instituto Nacional de Investigação no Genoma Humano (Estados Unidos) e coordenadora do estudo.

O gene em questão encerra o código para fabricar a proteína IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1), que explica cerca de 15% da variação do tamanho nos cães — o resto é explicado por outros 19 genes —, descreve a Smithsonian Magazine. Já o humanos têm mais de 10 mil marcadores genéticos que influenciam a altura e nenhum explica mais de 0,5% dessa variação.

A descoberta tem outro lado impressionante: foi feita durante o confinamento do verão de 2020 quando Jocelyn Plassais, aluno de pós-doutoramento da INSERM-Universidade de Rennes (França), decidiu começar a ler os códigos genéticos de trás para a frente. A equipa de Ostrander, com quem Plassais trabalhava, depois descobriu que existem duas variantes de uma porção de ARN não-codificante (que não tem instruções para nenhuma proteína) e que uma delas interferia no gene que tem a mensagem para a produção de IGF-1.

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