O ex-porta-voz do PAN, André Silva, responsável pelo crescimento parlamentar do partido em 2019, diz que o PAN sofreu um “desaire” eleitoral provocado por “causas internas e inteligíveis” — como o facto de se ter tornado um “afilhado” do PS —, critica a “postura errática” do PAN sob a liderança de Inês Sousa Real e diz-se disponível para regressar à liderança do partido, para o ajudar a “reposicionar-se e a reconquistar a credibilidade e a voz política que já teve”.
Num artigo de opinião publicado esta sexta-feira no jornal Público, André Silva lembra a sua saída do partido no ano passado e justifica o seu silêncio desde a última intervenção pública. “Optei por não interferir ou condicionar de forma alguma a vida e a gestão do partido“, escreve André Silva. “Ao longo deste tempo, e nos momentos em que discordei de várias opções políticas, mantive-me em silêncio sob pena de a minha intervenção prejudicar o partido ou ser entendida como uma ingerência.”
O antigo líder do PAN diz ainda que não participou nas duas campanhas eleitorais que se seguiram à sua saída — autárquicas e legislativas — por se dizer obediente ao adágio “à boda e ao batizado não vás sem ser convidado”. Contudo, diz agora, “chegou o momento de falar perante o profundo definhar do partido que ajudei a erguer“.
O partido chegou à Assembleia da República pela primeira vez em 2015, quando o PAN obteve mais de 75 mil votos (1,39% do total nacional) e conseguiu eleger André Silva como deputado único. Quatro anos depois, o partido lançou-se na sua primeira campanha de grande dimensão, já com a atenção mediática dada aos grandes partidos, e cresceu significativamente: obteve mais de 174 mil votos (3,32% do total nacional) e conseguiu eleger quatro deputados. Agora, o partido voltou a cair para valores próximos dos de 2015, obtendo 82 mil votos (1,53% dos votos) e elegendo apenas uma deputada.
Para André Silva, “os resultados eleitorais de domingo são muito fáceis de explicar e pouco ou nada se justificam com as causas externas que têm sido apontadas para justificar a catástrofe do dia 30”. Aliás, o ex-líder diz mesmo que “apregoar que os resultados são fruto dos ataques de alguns sectores que o PAN belisca, dos efeitos do voto útil, ou, pasme-se, do sistema eleitoral que prejudica os pequenos partidos é um insulto à inteligência“.
O antigo porta-voz do PAN diz que “a campanha de 2019 foi bem mais agressiva e hostil” para o partido (lembrando, por exemplo, que até os seus sapatos foram escrutinados) e que, mesmo assim, “com menos palco mediático, ataques constantes e com o mesmo sistema eleitoral, o PAN elegeu quatro deputados“.
“O desaire do passado dia 30 tem, sobretudo, causas internas e inteligíveis. De partido estrategicamente dialogante com o PS, o PAN passou a comportar-se como seu afilhado”, diz André Silva, apontando, por exemplo, as coligações autárquicas do partido com o PS “em concelhos nos quais a derrota era certa”. Mas o maior problema desenrolou-se no Parlamento, diz. “De afilhado nas autárquicas, o PAN passou a porta-estandarte do OE“, escreve André Silva. “No encerramento do debate do documento orçamental, assisti a uma intervenção do PAN que sei que alguns deputados do PS não seriam capazes de fazê-la, tal foi a devoção na defesa do documento e arremessando em direção a tudo o que mexia contra o PS.”
Na opinião de André Silva, “o PAN deixou de marcar a agenda política nas áreas que fazem parte da sua matriz e noutras que veio a abraçar por imperativo do necessário reforço da democracia“. O ex-líder diz mesmo que o partido “envelheceu umas valentes décadas”, deixando para trás “os tempos do partido polémico, irreverente, não alinhado com os incumbentes, combativo e sem medo de fazer escolhas e de defender propostas incomodativas”.
“A ineficácia da mensagem política do PAN alastrou-se às áreas que o ergueram, tendo perdido espaço no campo político do ambientalismo, o que também teve como consequência a debandada de jovens eleitores para outros partidos”, diz, criticando a “postura errática” do partido sob a liderança de Inês Sousa Real, que acusa de não assumir as responsabilidades pelo sucedido. “Os resultados não enganam e perante eles só se admite uma postura adulta de assunção de responsabilidades sem teorias da perseguição, da cabala e, muito menos, culpabilizando o sistema eleitoral. Quem não sabe dançar diz que a sala está torta.”
André Silva termina o artigo assegurando que não tem “ambição” de ocupar o antigo lugar, mas está disponível para isso. “Saliento que estou disponível, como sempre estive, para ajudar o meu partido a reposicionar-se e a reconquistar a credibilidade e a voz política que já teve, caso os filiados decidam por outra liderança.”