O vereador de Cascais eleito pelo Chega, João Rodrigues dos Santos, aceitou o convite do presidente da câmara, Carlos Carreiras, para ter assento na Comissão de Acompanhamento e Fiscalização da empresa Águas de Cascais, um cargo remunerado e que foi oferecido aos dois partidos da oposição. O Chega diz tratar-se de um “cargo de fiscalização” que não coloca em causa os ideais do partido sobre recusa de pelouros em autarquias lideradas por outros partidos.

O presidente do Chega André Ventura tem defendido, no entanto, a redução de cargos públicos e até já deu os “cargos de nomeação em empresas públicas” como um exemplo de que há “um país a viver de nomeações e de cargos políticos”. Neste caso, trata-se de uma nomeação para um cargo público de uma comissão pública que fiscaliza uma entidade privada que tem a concessão de um serviço público (municipal).

Voltemos a essa nomeação. João Rodrigues dos Santos foi candidato à câmara municipal de Cascais nas últimas eleições autárquicas e tornou-se o primeiro vereador do Chega naquela autarquia, em que o PSD conquistou a maioria absoluta. Além dos sete vereadores da coligação de sociais-democratas e democratas cristãos, os socialistas conseguiram eleger três representantes. Tanto PS como Chega ficaram sem pelouros e, consequentemente, sem remuneração como eleitos.

Agora, os dois partidos da oposição foram convidados por Carlos Carreiras para fazerem parte da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização (CAF) das Águas de Cascais e, na reunião de câmara do passado dia 25 de janeiro, ambos aceitaram o convite. Aliás, o presidente da autarquia chegou mesmo a impor uma premissa: ou aceitavam os dois ou não havia presença da oposição na CAF.

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A Câmara Municipal de Cascais optou por chamar os dois partidos da oposição para a comissão com o objetivo de começar a preparar o fim do contrato de concessão (que termina em 2030) e um possível regresso do controlo da empresa para a esfera pública.

“Para planear a transição, numa manifestação desse amplo consenso [de que é necessário o controlo das águas na esfera pública], e também numa lógica de transparência e de total abertura, o presidente da Câmara de Cascais recuperou a tradição de ter todos os partidos da oposição eleitos à Câmara Municipal representados na CAF”, esclarece a autarquia numa resposta ao Observador.

Apesar de tanto Rodrigues dos Santos, do Chega, como Alexandre Faria, do PS, assegurarem ao Observador que não têm conhecimento do valor da proposta que aceitaram, o assento nesta comissão será remunerado.

João Rodrigues dos Santos justifica o ‘sim’ a Carlos Carreiras como uma “oportunidade” para marcar presença “numa comissão que fiscaliza um contrato tão importante como é o das águas”. “O contrato de concessão precisa de fiscalização”, reitera o vereador.

Apesar de ter sido eleito pelo Chega — e de o partido fazer questão de se definir como antissistema e de muitas vezes frisar que não aceitaria pelouros ou outros cargos do género —, João Rodrigues dos Santos pede que não seja “tudo levado do ponto de vista literal”.

“Se assim fosse o Chega não estaria a candidatar um vice-presidente à Assembleia da República”, exemplifica, para argumentar que o partido “não é contra o regime”, apenas “antissistema”. “Não temos nada a ver com o que nos pintam. Não faço oposição de gritos e calúnias, o meu trabalho é apresentar propostas e soluções e esse será o sentido no assento da comissão de fiscalização”, prossegue o vereador do Chega, enquanto esclarece que está na vereação “a tempo inteiro, sem receber”. “Não estou aqui para o tacho”, assegura.

Desde a fundação do Chega que o partido tem insistido na ideia de ser antissistema, de mostrar que é diferente dos partidos que diz pertencerem ao sistema (com crítica mais diretas a PS e PSD) e de se afirmar como sendo contra as correntes que apelida como “amiguismo” e “compadrio“.

Porém, ao longo dos últimos meses houve várias situações em que o partido foi confrontado com incoerências e momentos de tensão interna. Primeiro, com as acusações de nepotismo dirigidas ao clã Matias. Mas também após as eleições autárquicas, por exemplo, em que representantes do Chega votaram a favor de listas da CDU no Seixal e ajudaram a viabilizar a presidência de uma Assembleia Municipal, contra as indicações do próprio partido. Em Moura, em que a vereadora eleita tornou-se independente e ajudou a permitir uma solução governativa aos socialistas.

Na altura dos imprevistos do Seixal, Bruno Nunes, coordenador autárquico do Chega, assegurou que essa situação não alterou em nada as exigências do partido para entendimentos e principalmente para negociações à esquerda: “Não aceitamos pelouros, não nos sentamos com o PCP, não há conversas com a CDU.”

Agora, e sobre o caso de Cascais, Bruno Nunes, da coordenação autárquica nacional, entende que “não faz sentido o Chega ficar de fora de uma comissão de acompanhamento e fiscalização” às Águas de Cascais, ainda para mais numa “fase de transição”.

Aos olhos do agora eleito deputado, trata-se de um sinal de “responsabilidade” por parte do partido para com a autarquia. Outra coisa seria a questão de acumulação de vencimento que, esclarece, estaria “fora de questão”. Neste caso, “não existindo incompatibilidade de funções” — sendo que Rodrigues dos Santos é vereador sem pelouro e não é remunerado, apenas recebe senhas de presença — o Chega não vê “qualquer motivo para ficar de fora” por ser um cargo de fiscalização e não um cargo executivo.

Por parte do PS, o vereador Alexandre Faria esclarece que o convite foi aceite depois de uma deliberação e aprovação em concelhia, mas com a ressalva de haver um “regime de rotatividade” entre os três representantes socialistas eleitos para a autarquia, sendo que cada um vai ficar no cargo cerca de um ano e três meses e com a remuneração equivalente a essa presença.

O socialista justifica que a presença na comissão é importante por se tratar de um “órgão fiscalizador” e por haver a “responsabilidade de acompanhar de forma mais eficaz o andamento do contrato”.