Em 2018, ganhou o ouro. Em 2022, ficou com a prata. Mas houve um ponto comum nas duas conquistas de Oleksandr Abramenko nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pyeongchang e Pequim: quando chegou ao pódio das provas de aerials, deu um abraço e assim fez questão de ser fotografado com Ilia Burov, atleta que estava a representar o Comité Olímpico do seu país e que ganhou nas duas edições o bronze. Um ucraniano de um lado, um russo do outro, duas bandeiras pelas costas tal como a tensão política crescente entre países. Se há ligações indissociáveis entre a política e o desporto, foram exemplo de como se estabelecem fronteiras.
Sport has always been about dialogue and tolerance.
Aleksandr Abramenko ???????? (UKR) and Ilia Burov ???????? (RUS) embraced each other after the 2022 Beijing freestyle skiing finale.
It’s a remarkable example of fraternity conveyed by sport. #WhiteCard pic.twitter.com/m1IJgwPiiM
— Peace and Sport (@peaceandsport) March 3, 2022
Em Pequim, nem um nem outro comentaram o gesto. Até porque o gesto em si não precisava de qualquer comentário ou não fossem ambos amigos há vários anos por estarem nas mesmas competições, nos mesmos locais e às vezes nos mesmos locais de treino. No entanto, já aí tinham existido manifestações políticas por parte da delegação ucraniana, neste caso de um atleta do skeleton, Vladyslav Heraskevych, que mostrou uma folha que dizia “Sem guerra na Ucrânia” no final da competição. “É a minha posição, tal como qualquer outra pessoa normal, não quero a guerra. Quero que o mesmo país possa ter paz e quero que exista paz em todo o mundo. Como é a minha posição, expresso-a e vou lutar pela paz”, comentou.
“Ainda bem que nos apanharam na televisão a apoiar-nos mutuamente e a mostrar a amizade que existe entre as pessoas. Os Jogos Olímpicos não são sobre política, os Jogos são primeiro e acima de tudo sobre desporto. Nós somos amigos. É claro que lhe dei os parabéns de forma calorosa pela medalha, da mesma forma como já nos tínhamos abraçado e trocado palavras e elogios em 2018. Tudo começou em 2018 na Coreia do Sul quando o Sasha [Oleksandr Abramenko] me abraçou com a bandeira do seu país e fomos mantendo sempre o contacto, com mensagens e chamadas um para o outro”, referiu mais tarde Burov.
Nessa altura, havia tensão. Receio. Algum medo. Uns dias depois, a delegação ucraniana voltou ao país. Era um sábado, dia 19 de fevereiro. Se nos Jogos Olímpicos de Verão, em Tóquio, o país tinha conseguido um total de 19 medalhas, em Pequim ganhou apenas uma, a de Oleksandr Abramenko. E o atleta de 33 anos que é natural da zona de Pervomaiskyi, na zona de Kharkiv, foi recebido como herói no aeroporto.
Menos de uma semana depois, tinha de esconder-se. Pela tensão. Receio. Muito medo. E assim passou a estar todas as noites em Kiev, como contou ao The New York Times numa série de mensagens de texto.
“Passámos a noite no parque de estacionamento subterrâneo no carro porque a sirene dos ataques aéreos está constantemente ligada. É assustador dormir no nosso apartamento, eu próprio vi através da minha janela como os sistemas de defesa aérea trabalham contra os mísseis dos inimigos e conseguem ouvir-se explosões fortes”, destacou Abramenko, que ao contrário de milhares e milhares de pessoas não saiu de Kiev mas redobrou a proteção por viver num prédio com 20 andares não muito longe do principal aeroporto.
16 days earlier, Oleksandr Abramenko was in China, celebrating a silver medal — the only medal won by Ukraine at the Winter Games.
On Friday in Kyiv, he was taking cover from Russian bombs in an underground garage w/his wife and toddler.
By @JohnBranchNYThttps://t.co/qIrmJOOi4P— Cliff Levy (@cliffordlevy) March 6, 2022
Este fim de semana, o atleta iria tentar chegar até casa do seu treinador, Enver Ablaev, em Mukachevo, na zona da Transcarpátia. “Vou levar comigo as coisas essenciais, comida e as minhas medalhas olímpicas. Aí vou pensar nos próximos passos”, explicou. Abramenko sabia que não podia sair do país mas continuava sem a noção se a mulher Alexandra e o filho de dois anos, Dmitry, conseguiriam passar a fronteira na condição de refugiados. “Ainda não sei se irei ou não para a guerra, não sei o processo que as pessoas que estão a ser chamadas têm de passar. Nesta altura, o nosso exército está a conseguir lidar com as ofensivas dos soldados russos e do seu equipamento”, contou, falando depois também dos pais. “Estou preocupado com eles porque estão em casa sentados a ouvir explosões. É perigoso sair de Nikolaev nesta altura, eles querem ficar lá. Pode ser que mais tarde possam sair”, disse sobre uma das zonas a sul de maior risco nesta fase.
Depois, deixou de responder à publicação. Já passava da meia-noite. Hoje não se sabe ao certo o paradeiro do único medalhado olímpico em Pequim e da família. O dele e o de milhares e milhares de ucranianos.