A Comissão Europeia iniciou a consulta aos Estados-membros para aprovar um quadro temporário de ajudas extraordinárias para atenuar os impactos da guerra na Ucrânia, em particular no que toca à escalada do preço da energia. Bruxelas enviou esta quinta-feira um esboço de propostas para consulta aos vários países que, confirmou o Observador, não inclui a medida que Portugal já defendeu, segundo revelou esta semana António Costa, que é a possibilidade de baixar o IVA sobre os produtos energéticos, em particular nos combustíveis. Também as medidas divulgadas por Bruxelas no início da semana específicas para o setor da energia não referem a descida de impostos sobre os produtos energéticos.

Esta baixa temporária do IVA sobre os combustíveis, da taxa máxima para a taxa intermédia, permitiria não só neutralizar qualquer ganho de receita fiscal resultante do aumento do preço dos combustíveis, como também atenuar de forma mais significativa o efeito da subida vertiginosa dos preços verificada desde esta semana — e que irá ser agravada na próxima semana. E de acordo com informação obtida pelo Observador, Portugal não está sozinho nesta proposta que será discutida no Conselho Europeu informal que se realiza esta quinta e sexta-feira e que pede à Comissão que permita aos países usarem este instrumento para mitigar efeitos da subida das matérias primas.

Caso consiga que Bruxelas permita que o IVA passe para a taxa de 13% (a que se aplica, por exemplo, à restauração), então essa será a via preferencial para atenuar o impacto nos preços finais em vez da redução do imposto sobre produtos petrolíferos que vai começar a ser feita a partir da próxima segunda-feira e enquanto não está disponível o outro instrumento.

António Costa já tinha assumido que esta via era a preferida pelo Governo face à redução do imposto sobre produtos petrolíferos. Mas, perante a necessidade da autorização da Bruxelas, para além de uma aprovação no Parlamento, e confrontado com um novo aumento recorde dos combustíveis, o Executivo acabou por avançar com a descida do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) que será calculada semanalmente de forma a refletir o ganho que o Estado terá no IVA. Esta descida vai ser implementada a partir da próxima segunda-feira e tendo como base o previsível aumento de preços calculado com o fecho das cotações de produtos refinados no final de cada semana.

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Ainda assim, sabe o Observador, o Governo vai insistir com esta proposta. Esta quinta-feira à entrada para o Conselho Europeu informal António Costa reafirmou que o Governo “está disponível” para alterar o IVA dos combustíveis, aguardando a necessária autorização de Bruxelas.

A Comissão Europeia vai recolher os contributos nacionais que promete ter em consideração quando finalizar a sua posição sobre este novo quadro temporário para as ajudas de Estado.

No comunicado em que anuncia o processo de consulta sobre as medidas temporárias de mitigação e apoio, os serviços da Comissão referem a atribuição de ajudas para os custos adicionais provocados pelos elevados preços da eletricidade e do gás, nomeadamente através de ajudas diretas sob a forma de subsídios para compensar parcialmente estes utilizadores, em particular os que usam energia de forma mais intensiva. Portugal está aliás à espera desta exceção às regras de ajudas de Estado para financiar as compras de energia de empresas dos setores da cerâmica, vidro e têxteis, entre outras. Bruxelas vai dar prioridade à avaliação de medidas de apoio notificadas pelos Estados-membros.

Já na terça-feira e no quadro das medidas propostas especificamente para a energia, a Comissão também apresentou várias sugestões, mas nenhuma passava por redução de impostos sobre produtos energéticos, e muito menos do IVA. Propunha-se, por exemplo, a definição de tarifas reguladas mais baixas para os consumidores vulneráveis, instrumento que já é usado em Portugal, bem como a possibilidade de aplicar taxas sobre os ganhos “caídos do céu”, porque trazidos pelos aumentos de preços, das empresas de energia. Este pacote apostava também nas compras conjuntas de gás e no reforço das interconexões entre países, em linha com o que Portugal e Espanha pedem em relação a França.

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Para além da redução do IVA, António Costa sinalizou a abertura da Comissão Europeia para rever o mecanismo de fixação dos preços grossistas no mercado de eletricidade, de forma a que o gás natural deixe de ser o combustível que fixa o preço final de toda a energia transacionada numa determinada hora. O gás natural, do qual a Rússia é o maior fornecedor europeu, tem sido o combustível que mais valorizou desde a invasão da Ucrânia tendo arrastado consigo os preços da eletricidade nos mercados grossistas, o que está já a ter fortes impactos na fatura paga pelas empresas industriais e terá, a prazo, também nos preços pagos pelas famílias.

Já sobre a alteração do mecanismo de fixação de preços dos mercados elétricos, uma medida que já era pedida por Espanha e Portugal (que têm um mercado integrado) antes da guerra da Ucrânia, o comunicado é omisso. Questionado pelo Observador sobre a implementação por parte de Portugal desta alteração de regras de preços, o Ministério do Ambiente e Ação Climática que tutela a energia esclareceu:

“Qualquer medida que possa vir a ser adotada, quanto ao modelo marginalista de formação de preço do mercado spot de eletricidade, carecerá de decisão consensualizada no seio da União Europeia, considerando os efeitos dos fluxos de eletricidade internacionais nos preços de eletricidade nas diferentes zonas de preço nacionais que estão acopladas no contexto europeu, pelo que neste momento é extemporâneo antecipar o sentido e a forma de aplicação de uma eventual alteração”.

O esboço de medidas apresentado pela Comissão inclui também apoios temporários de liquidez às empresas afetadas pela atual crise, o que pode passar por garantias ou empréstimos subsidiados. Bruxelas quer também saber qual a posição dos países sobre a intensidade e os tetos às ajudas, como se deve definir utilizadores intensivos de energia e se deveria ser exigida alguma contrapartida “verde” de natureza ambiental e se o aumento de outro tipo de custos, para além da energia, deve ser incluído nas ajudas. Ou ainda se outros setores, como é o caso da agricultura, devem ser alvo também medidas específicas. Neste caso, por exemplo, e para além do aumentos dos combustíveis, os operadores estão a enfrentar uma subida do custo dos fertilizantes que também são uma exportação importante russa.

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Outros setores têm vindo a reclamar ajudas como é o caso dos transportes públicos de passageiros, muito expostos ao aumento dos custos dos combustíveis e sem margem para elevar os preços dos passes. O Governo já sinalizou que tenciona estender o gasóleo profissional (que devolve às empresas de transportes o diferencial de imposto face a Espanha) a este setor, mas só poderá concretizar a medida no quadro do Orçamento do Estado.