“Wali” é o mais mortífero franco-atirador canadiano e, pela defesa de uma bandeira estrangeira, está já na Ucrânia. Porquê? “Eu quero ajudá-los. É tão simples quanto isso”, sublinhou à CBS News. “Há pessoas aqui a ser bombardeadas só porque querem ser europeus e não russos”.

Conhecido pelo termo islâmico que pode ser traduzido como “mestre”, “autoridade” ou “protetor”, “Wali” é uma lenda entre os snipers, daí a imprensa internacional destacar a sua decisão de combater contra as tropas russas. Em média um franco-atirador mata sete homens por dia e, na linha da frente, pode chegar aos dez. O canadiano ultrapassa estes números, já que consegue provocar 40 mortes por dia. Combateu, além disso, na mesma equipa que o atirador com o recorde de morte a maior alcance: 3.540 quilómetros de distância — mais tarde, a 23 de março, numa entrevista ao La Presse, esclareceu que este recorde foi erradamente atribuído a si: pertence, sim, a outro atirador da mesma nacionalidade.

É só identificado como “Wali” para proteger a família, porém não tem receio de mostrar o rosto. Ganhou a alcunha durante a guerra no Afeganistão e também já lutou ao lado das forças curdas no Iraque. Com o início da guerra, a Ucrânia passou a permitir a entrada sem vistos a todos os estrangeiros que estejam dispostos a juntar-se à Legião de Defesa Internacional da Ucrânia e a lutar contra as forças russas.

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Mesmo para quem já viu atrocidades bélicas sob o sol quente de Kandahar (Afeganistão), o impacto da travessia da fronteira entre a Polónia e a Ucrânia foi emotiva. Não dizendo exatamente o ponto de passagem, viu uma maré de refugiados na direção contrária, que caminhavam amontoados sob temperaturas geladas. 

Já do lado ucraniano, viu inúmeros carros abandonados, percebendo assim a razão dos refugiados irem a pé. Foram recebidos com abraços, apertos de mão, fotos e bandeiras. “Eles [ucranianos] estavam tão contentes ao nos receber. Foi como se fossemos logo amigos”, contou à CBS News.

Está abrigado, juntamente com outros três soldados canadianos que o acompanham desde o início, numa casa parcialmente restaurada. Estão a acertar os últimos passos burocráticos com as autoridades ucranianas, que querem colocá-los nos batalhões territoriais do exército — a unidade de reserva de soldados cidadãos recentemente reorganizada e onde as autoridades ucranianas esperam reunir 10 mil oficiais e 120 mil voluntários.

De engenheiro informático para a incerteza da maior guerra europeia em sete décadas, a sua vida mudou radicalmente de repente: “Há uma semana estava a programar sistemas. Agora, estou a pegar em mísseis anti-tanque num armazém para matar pessoas reais”.

A “parte mais difícil”  da decisão de se juntar à luta na Ucrânia foi perder o primeiro aniversário do filho. A mulher, claro, opôs-se à ideia: “Podes imaginar o que ela disse e a forma como pensa”.

Os soldados canadianos estão a contornar uma lei do seu país – o Ato do Alistamento Estrangeiro, que remonta a 1937 e ao contexto da Guerra Civil Espanhola – que inibe os seus cidadãos de se alistarem para lutar contra um aliado do Canadá. Neste caso, a lei não exclui necessariamente o alinhamento com a Ucrânia, mas muito provavelmente tornaria ilegal, por exemplo, a associação às forças russas.

Notícia atualizada às 9h01 do dia 23/03 com a entrevista do La Presse