O Governo prepara-se para criar “nos próximos dias” uma nova prestação social que ajude as famílias mais carenciadas a fazer face ao aumento dos preços dos bens alimentares. A medida faz parte de um pacote de apoios, anunciado esta segunda-feira, que inclui ajudas para as empresas, nomeadamente agrícolas, resistirem à escalada dos preços dos combustíveis e das matérias-primas.
Em conferência de imprensa, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, anunciou a criação de um “mecanismo de apoio para famílias mais vulneráveis” que as compense pelo aumento dos preços dos alimentos. O universo abrangido ainda está a ser estudado pelo Governo, que admite que poderá ser o mesmo da tarifa social de energia (1,4 milhões de pessoas, o que corresponde a entre 700 e 800 mil famílias). A ideia é que o Governo vá monitorizando o preço do cabaz de compras de bens alimentares e, em função dessas oscilações, definir o valor da prestação social.
TVDE também vão ter apoio de 30 cêntimos por litro nos combustíveis
O ministro anunciou ainda que o apoio de 30 cêntimos por litro de combustível que já existe para os táxis e transportes de passageiros vai também ser pago aos TVDE e aos transportes de mercadorias por conta de outrem (veículos até 3,5 toneladas). O total de litros será calculado a partir da média de consumo que se apure, pago numa só vez, e aplica-se também ao Ad Blue (existente nos carros a gasóleo para reduzir as emissões).
Durante os próximos dias, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, vai ter reuniões com associações representativas do setor dos transportes que permitirão desenhar melhor o apoio e eventuais novas medidas, indicou Siza Vieira.
Além disso, será também flexibilizado o regime de pagamentos fiscais para todas as empresas do setor dos transportes (3 e 6 prestações para entrega de IVA, retenções na fonte de IRS e IRC). E criada uma linha de crédito com garantia pública que será gerida pelo Banco Português de Fomento, com dotação de 400 milhões de euros. Terá um nível de cobertura de 70% do montante financiado e será destinado a empresas mais afetadas que operam nos setores da indústria transformadora e dos transportes que tenham: peso igual ou superior a 20% de custos energéticos nos custos de produção; ou aumento do custo de mercadorias vendidas e consumidas superior a 20%; ou quebra de faturação operacional igual a 15% quando resulte da redução de encomendas devido à escassez ou dificuldade de obtenção de matérias-primas, componentes ou bens intermédios. A linha fica disponível a partir de 17 de março nos bancos aderentes.
ISP desce para gasóleo colorido e marcado agrícola
A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, também anunciou medidas específicas para o setor, como a redução ou isenção de tributação em sede de ISP para o gasóleo colorido e marcado agrícola para os agricultores e o setor da floresta ou o reforço da dotação da linha de crédito para fazer face à seca de 20 milhões para 50 milhões de euros. Além disso, o Governo vai antecipar, até maio (uma parte em abril e outra em maio) o pedido único, com 500 milhões de euros (que inclui pagamentos diretos, medidas agroambientais e apoio às zonas desfavorecidas).
O Governo já tinha anunciado um outro apoio à eletricidade verde — um apoio financeiro extraordinário dirigido ao setor agrícola e pecuário, de 20% para as explorações até 50 hectares ou 80 cabeças normais e 10% para explorações acima dessa dimensão. Foi ainda criada uma linha de crédito para segmentos da suinicultura e leite cru (de 8,5 milhões de euros).
Maria do Céu Antunes explicou que as medidas visam responder aos efeitos nas empresas da pandemia, da seca e agora do aumento dos preços dos combustíveis, piorado com o conflito na Ucrânia. No setor agrícola, os custos aumentaram no caso das rações, fertilizantes, entre outras outras matérias-primas, exemplificou.
Os ministros asseguraram que não há problemas de aprovisionamento e que o país tem procurado diversificar as fontes de abastecimento. O problema é mais sério no caso do milho forrageiro — Portugal recebeu o primeiro carregamento dos EUA esta segunda-feira — e algumas oleaginosa. Mas “não há faltas nem agora, nem se prevê que venham a ocorrer nos próximos meses”.
“Não vale a pena ir a correr ao supermercado, esgotar papel higiénico e óleo de girassol”, apelou Pedro Siza Vieira, que acrescentou que “não há faltas agora” de produtos “nem se prevê que venha a ocorrer nos próximos meses”.
Embora o Executivo não tenha “notícia de paragem generalizada” de empresas por causa da escalada dos custos de energia, dá nota de problemas reportados pelos setores da cerâmica, onde há empresas que “ponderam suspender atividade”; no têxtil, sobretudo no caso dos acabamentos; ou na produção de aço da Siderurgia Nacional — que é “elétrico-intensiva” e está “muito exposta aos custos de produção”.
O Governo assegura estar a fazer um acompanhamento “praticamente ao dia” da situação do abastecimento, que está assegurado até junho, garante. “Não antevemos nestes tempos próximos quaisquer dificuldades”.
Medidas nas mãos de Bruxelas
Siza Vieira lembrou ainda que há medidas que estão a ser estudadas com a Comissão Europeia e que, diz, dependem da decisão de Bruxelas. Desde logo a descida de IVA aplicável aos combustíveis, proposta por Portugal. “Em função de qual for a decisão da Comissão Europeia, o Governo português poderá atuar com impacto muito significativo ao nível dos preços que são pagos pelos consumidores”. É esperada uma decisão no Conselho Europeu de 24 e 25 de março.
Além disso, está em estudo a adoção do novo quadro temporário para auxílios de Estado, que prevê medidas de apoio reembolsável à liquidez das empresas, sob a forma de garantias a empréstimos ou empréstimos subsidiados e medidas a fundo perdido para compensar subida dos custos energéticos; assim como a alteração temporária do mecanismo de formação do preços da eletricidade.
O Governo português defende o fim temporário da indexação do preço da eletricidade à energia produzida nas centrais a gás, cujo custos têm disparado com o aumento da cotação do gás. A medida está também a ser discutida com Espanha com quem Portugal tem um mercado integrado, o Mibel. Siza Vieira sinalizou também abertura para a possibilidade de taxar os lucros inesperados e aleatórios que algumas elétricas — sobretudo a partir de fontes renováveis — estão a ter com a subida dos preços finais. Espanha já avançou com impostos sobre os chamados windfall profits.
Entre as medidas propostas ou a aguardar por Bruxelas estão ainda as compras conjuntas e acumulação de stocks comunitários para os bens energéticos e agrícolas e a autorização para atribuição de apoio direto a explorações agrícolas e pecuárias.
Governo afasta regresso do layoff simplificado para empresas mais afetadas pela subida da energia
Questionado sobre um eventual regresso do layoff simplificado, como admitido pelo secretário de Estado Adjunto e da Economia, João Neves, para as empresas que tenham de reduzir ou mesmo suspender a produção devido à escala dos preços da energia, Pedro Siza Vieira afastou para já a hipótese.
O ministro da Economia disse que as empresas mais afetadas pela escalada dos preços são “poucos milhares” e que já existem mecanismos no código do trabalho, como o layoff tradicional, que permite às empresas suspender os contratos dos trabalhadores ou reduzir o horário.
“Não estamos numa situação como a que ocorreu na pandemia, em que toda a gente foi para casa, em que deixou de se fazer compras, houve uma redução generalizada da procura, em que precisámos de dar uma resposta muito simples de banda larga, para fazer chegar o mais depressa possível estes apoios. Preferimos dar apoios para que as empresas continuem a laborar do que dar apoio para que os trabalhadores vão para casa e as empresas deixem de laborar”, disse Siza Vieira.
O ministro observou ainda que as empresas mais afetadas pela atual crise são as que foram mais resilientes durante a pandemia, designadamente na agricultura e indústria. Já os serviços e o turismo, muito afetados pela Covid-19, “não serão tão impactados nesta altura”.